16/10/2010

Chega de falar do Lula, vamos falar do Laulau


Convidado para um casamento gay em Honolulu, Lester creu suficiente formular-me um convite para acompanhá-lo, de modo a estabelecer uma espécie de habeas corpos preventivo diante de qualquer tentativa de abordagem de convivas menos ortodoxos. Foi assim que seguimos rumo ao arquipélago mais famoso do Pacífico Norte, o local da onda perfeita, preferido por dez entre cada dez pombinhos norte-americanos em lua-de-mel. Imediatamente após o pouso, Lester indicou ao taxista que se dirigisse à Rua Sereno, nas proximidades do Queen’s Medical Center. Lá chegando, desceu e encaminhou-se pausadamente até uma velha casa. Entrou. Embora assustada, cri em que ele soubesse o que estava fazendo, afinal não era sua primeira vez na terra do Laulau. Aguardava na varanda, observando lindos hibiscos amarelos, quando Lester saiu sorridente, dizendo estar tudo bem com seu velho amigo Bill Tapia, segundo Lester o mais velho músico de jazz em atividade! Ora, para nós, que sempre crêramos ser o violinista Svend Asmussen o mais velho músico de jazz na ativa, do alto de seus intermináveis 94 anos, tudo aquilo parecia ser mais uma grande falácia naturalística de Lester. 
Sem que eu percebesse, estávamos na fila do Ono Hawaiian Food, uma espécie de boteco nativo pouco solicitado pelos turistas. Fluente na língua havaiana, Lester pediu os dois pratos principais do arquipélago: o laulau, espécie de trouxa feita com imensas folhas de taro e recheada com lascas de carne de porco, e o kuala pig, considerado por muitos o prato principal do Havaí. Durante a sobremesa, Lester explicou-me que Tapia podia não ser um virtuose do ukulele, espécie de cavaquinho, mas vencia qualquer um com sua simpatia e bom gosto. Tocava de tudo, inclusive jazz. Para alguns, Tapia nasceu em 31 de dezembro de 1907, para outros em 1º de janeiro de 1908. Na melhor das hipóteses, estaria com 102 anos de estrada. Nascido em Honolulu, aos sete anos começa a aprender o instrumento com alguns vizinhos do bairro. Em 1915, compra do carpinteiro português Manuel Nunes seu primeiro ukelele, por US$0.75. Aos dez anos de idade, Tapia começa a produzir arranjos para ukelele das populares marchas de John Philip Souza, interpretando-as para turistas e para os soldados baseados em Pearl Harbor, durante a Primeira Guerra Mundial. 
Por volta dos doze anos, é preso por se apresentar num speakeasy, aquela espécie de bar clandestino que vendia bebidas alcoólicas durante a Lei Seca. Também aos doze anos, abandona a escola para ajudar no sustento da família, passando a integrar o grupo Hawaiian Amusement Company, onde se destacava não apenas pela pouca idade, nem pelo fato de tocar ukelele atrás da cabeça, mas principalmente por seu estilo único e talvez inédito de tocar jazz com cavaquinho. Não obstante, aos quinze anos abandona o ukelele, passando a tocar violão e banjo em bandas de dança ou em grupos de jazz, apresentando-se em hotéis e cruzeiros. Em 1927, apresenta-se com a orquestra de Johnny Noble no Pink Palace of Pacific, no Hotel Royal Hawaiian.

Em 1933, Tapia é contratado pelo mesmo hotel para interpretar temas populares para grupos de turistas em locais paradisíacos, bem como para receber com música os que desembarcavam na ilha. Já famoso no arquipélago, Tapia era figura constante nas melhores big bands do estado, inclusive durante a Segunda Guerra Mundial, quando estabelece sua própria orquestra, a Tappy’s Island Swingers, apresentando-se em clubes e hotéis, inclusive no antigo Honolulu Civic Auditorium, conhecido como Blackout Ballroom em função de que as luzes eram constantemente apagadas durante os bombardeios. Foi neste período que aprendeu a decorar partituras.

Após a guerra, Tapia muda-se com a família para a California, fixando-se em San Francisco, onde passa a tocar e dar aulas de violão e cavaquinho. Embora beba pouco e não use drogas pesadas, Tapia fumou até os 87 anos. Em 1998, muda-se para Westminster, sul da California, onde vive e trabalha até hoje. A perda da esposa e da filha não impediu que Tapia continuasse sua longa caminhada musical. Incentivado por pessoas como a radialista Alyssa Archambault e o professor universitário Byron Yasui, Bill consegue manter-se no meio musical, gravando e se apresentando até hoje em clubes e festivais. Para os amigos fica a faixa All The Things You Are , retirada do álbum solo Duke of Uke, gravado em 2004 e lançado em 2005 pela Moonroom. Creia!

7 comentários:

Salsa disse...

Diversão garantida, lê-la. Abraços.

PREDADOR.- disse...

Vou dar um "Tapia na Uke" (um tapa na uca) e comer um laulau, para ver se me recobro da tonteira que me deu após ler essa resenha.

da costa disse...

a fica deixa uma vontade de ouvir mais, vou procurar o cd

da costa disse...

a faixa

John Lester disse...

Obrigado por mais uma resenha amiga.

Grande abraço, JL.

Anônimo disse...

bela surpresa...

Carioca da Vila disse...

Tapia nasceu em 1908, pois meu pai ( o sempre lembrado Toninho da Vila) comentava que havia nascido no mesmo ano que ele... 1908!Infelizmente, não viveu tanto quanto o músico havaiano...Grande figura, o Tapia!