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18/08/2011

O sangue de boi, o racodium cellare e a botrytis cinerea

Budapeste

Em primeiro lugar eu quero agradecer aos amigos e visitantes pelas centenas de e-mails enviados à nossa Redação, fato que muito nos emocionou e terminou por determinar nosso retorno antecipado ao Brasil. É que, como amplamente divulgado na imprensa, a Equipe Jazzseen saiu em férias coletivas pelo centro e leste europeu, como sempre com o duplo objetivo: ouvir jazz e verificar de perto a revitalização da vitivinicultura nessa região assolada pelo comunismo, brincadeira política que quase dizimou todas as videiras e a produção de vinhos de qualidade na Hungria, Romênia, Bulgária, República Tcheca, Eslováquia, Eslovênia e Croácia. Partindo da Áustria, seguimos inicialmente em direção à Hungria, terra de nosso amigo Robi Botos. Pianista consagrado, Robi nasceu na impronunciável cidade de Nyiregyhaza, oriundo de uma família de músicos ciganos de origem romena. Autodidata, Robi iniciou a carreira ainda criança, tocando bateria com o pai e os irmãos. Aos sete anos, passa a tocar o piano, instrumento no qual se destacaria com louvor.

Em 1998, Robi muda-se para o Canadá, afirmando-se como um dos mais importantes pianistas de jazz daquele país. Enquanto trabalhava com músicos como Michael Brecker, Pat Labarbera, Marcus Belgrave, Steve Gadd, Terri Lyne Carrington, James Blood Ulmer, Roberta Gambarini, Joey DeFrancesco, Toots Thielemans, Guido Basso e Avishai Cohen, entre outros, Robi recebia uma série de prêmios em competições de piano, com destaque para o primeiro lugar na International Montreux Jazz Festival's Solo Piano Competition, o terceiro na Martial Solal Piano Competition e o primeiro lugar na Great American Jazz Piano Competition, em Jacksonville, Florida.



Frederico Bravante, único integrante do grupo com fluência na língua húngara, foi nosso intérprete através da terra natal de Robi e do Tokaji, vinho doce tão importante para o país que é citado em seu hino nacional. Produzido a partir de uvas podres, atacadas pelo fungo botrytis cinerea ou botrítis para os íntimos, que promove a chamada podridão nobre ou pourriture noble em francês, o Tokaji torna-se mundialmente conhecido em meados do século XVII, sendo denominado por Luiz XIV "o vinho dos reis e o rei dos vinhos". Após 1945, o país é dividido em cooperativas estatais (sistema kolkhoz) que quase levaram à morte o famoso Tokaji. Preocupado em produzir vinho para todos, o comunismo acabou produzindo vinhos de péssima qualidade para todos - mais ou menos como a universidade para todos inventada por Lula - praticamente eliminando os bons vinhos que eram produzidos na Hungria e nos demais países do centro e do leste europeu.

Garrafas de Tokaji atacadas pelo racodium cellare


O tokaji mais nobre é o denominado Aszú*, elaborado exclusivamente a partir de uvas afetadas pela botrítis, colhidas à mão, uma a uma, e colocadas em um puttony (tina de madeira), onde se produzirá o mosto ou vinho base. As principais cepas utilizadas são a Furmint, a Hárslevelu e a Muskotály. Durante o processo, uma diminuta quantidade de vinho extremamente doce vaza das tinas, produzindo a denominada Esszencia (essência), néctar que muito raramente é fermentado separadamente, pois quase sempre é adicionado ao Aszú para ajustar a doçura desejada.

Após serem prensadas, as uvas formam uma pasta (pasta aszú) que é misturada a vinho branco ou mosto em fermentação em barris de 136 litros (gönc). A intensidade da doçura será indicada pela quantidade de tinas vertidas no barril: 3, 4, 5 ou 6 puttonyos (tinas). Após alguns dias de maceração (imersão das cascas no mosto), o líquido resultante é colocado em adegas recobertas pelo fungo racodium cellare, responsável por manter a umidade ideal para o amadurecimento adequado do Tokaji. Além do nobre Aszú, há outros tipos de Tokaji: o Szamorodni, feito a partir de cachos inteiros, podendo conter uvas que não foram beneficiadas pela podridão nobre e produzido em dois estilos: o száras, seco, semelhante ao jerez fino, e o édes, doce. Outros tipos de Tokaji são o Forditás, doce e levemente tânico, feito a partir da pasta de aszú remanescente, que é novamente misturada a mosto e fermentada, e o Máslás, vinho seco obtido a partir da borra de aszú, que é adicionada a mosto e fermentada.

Eger, terra natal do Bull's Blood
   

Despedindo-nos de Tokaj, primeiro local do mundo a criar um sistema de classificação de vinhedos, em 1730, antes, portanto, de Bordeaux e Borgonha, seguimos em direção a Eger, a terra do famoso Bikavér, ou seja, sangue de boi. O curto trajeto cresceu exponencialmente quando o companheiro Roberto Scardua decidiu que viajaríamos a bordo de um carro de madeira, herança tecnológica do comunismo. Colocando no possante rádio-cassete do veículo o álbum One Take Volume Four, de Joe Calderazzo (org), com Robi Botos (p), Phil Dwyer (ts) e Vito Rezza (d), partimos em direção à única cidade do mundo onde existe um Vale da Mulher Bonita, nome que pode ser compreendido pelas fotografias mais abaixo, tiradas em nossa breve visita.

Stalin nunca colocou a bunda num desses, nós sim



A partir da década de 1990, com a queda da cortina de ferro, as pequenas e médias propriedades particulares húngaras voltaram a produzir bons vinhos. Em Eger, com seus solos de loess, tufo e argila, produz-se o robusto bikavér, vinho tinto mais famoso da Hungria. O nome é resultado do cerco à fortaleza de Eger, em 1552. Após ingerirem vários litros de vinho tinto, os soldados húngaros apresentavam-se em batalha com manchas vermelhas na barba e nos uniformes, fazendo com que os assustados turcos dessem no pé, supondo que os húngaros haviam bebido sangue de boi para ficarem mais fortes. O bikavér é um corte de pelo menos três tipos de uvas, sendo a principal delas a kadarka, de difícil cultivo, podendo ser substituída pela kèkfrankos, que é misturada a kékoportó e cabernet sauvignon ou zweigelt. Embora tenha se tornado conhecido em 1945, é a partir da década de 1960 que o bikavér torna-se um dos vinhos baratos mais consumidos na Europa ocidental. Atualmente, produtores como Tibor Gál, têm envidado saudáveis esforços no sentido de conferir qualidade ao sangue de boi, um vinho tradicionalmente simples.

* Aszú significa 'desidratado' em húngaro, termo aplicado à vinicultura para designar uvas com botrítis utilizadas para produzir o tokaji ou, aportuguesando, tócai.










Paula Nadler


Naura Telles


17/05/2008

Grencsó Kollektíva – Plays Monk


Jazz: Grencsó Kollektíva – Plays Monk – 1995 – Pannon Jazz –Se você pensa que todos os tributos já foram prestados ao mestre Monk, engana-se. É certo que muitos músicos – como Steve Lacy, que prestou três magníficos tributos a Thelonious Monk – têm mantido vivo e atualizado o fantástico legado do estranho pianista. Mas como conter a surpresa diante do trabalho do Grencsó Kollektíva, um quarteto húngaro apresentando versões extremamente originais e inteligentes do mestre? Curiosamente, não há piano – o que deixa a condução harmônica da coisa a cargo do guitarrista, excelente por sinal. Quase todo o resto fica a cargo dos sopros percussivos dos saxofones e clarinete, alimentados e confirmados pela bateria. Realmente surpreendente o trabalho do quarteto, cujo álbum foi gravado em 1995 e lançado em 1996 pela Foundation for Jazz Education and Research in Hungary. Recomendo o álbum com ênfase aos amantes de Monk, em especial para aqueles que não têm medo de aventuras. Músicos: István Grencsó (Alto and Tenor Saxophone), Béla Ágoston (Bass Clarinet) - 1-6,8, István Gyárfás (Guitar) - 1-6,8, György Jeszenszky (Drums and Metalophon) - 1-5,7,8, Faixas: 1. In Walked Bud (Thelonius Monk) 4:19, 2. Bemsha Swing (Thelonius Monk) 3:54, 3. Misterioso (Thelonius Monk) 6:28, 4. Epistrophy (Thelonius Monk) 6:15, 5. Rhythm-A-Ning (Thelonius Monk) 3:36, 6. Blue Monk (Thelonius Monk) 3:24, 7. Well You Needn't (Thelonius Monk) 3:45, 8. Straight No Chaser (Thelonius Monk) 3:56, 9. 'Round Midnight (Thelonius Monk/Bernie Hanighen/Cootie Williams) 6:55. Para quem se interessar sobre jazz na Hungria, vale conhecer o Jazz Guide.