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05/12/2009

O jazz morreu: Bernardo Sassetti

Bernardo nasceu em Lisboa em Junho de 1970. Iniciou os seus estudos de piano clássico aos nove anos e, mais tarde, frequenta a Academia dos Amadores de Música. Dedicou-se ao Jazz, estudando com Zé Eduardo, Horace Parlan e Sir Roland Hanna. Aos 17 anos inicia a carreira profissional, participando de concertos e tocando em clubes locais, além de constar em inúmeros festivais, shows e gravações, acompanhando músicos como Al Grey, Art Farmer, Kenny Wheeler, Freddie Hubbard, Benny Golson, Curtis Fuller, Eddie Henderson e Charles McPherson. Em 1994 grava seu primeiro álbum como líder, Salsetti, para a Movieplay, com a aprticipação de Paquito D'Rivera. Ainda na década de 1990 passa a integrar a United Nations Orchestra e o quinteto de Guy Barker, com o qual grava o álbum Into the blue, para a Verve. Em 1997, também com Guy Barker, grava What Love is, acompanhado pela London Philarmonic Orchestra. Em 2002 grava o álbum Nocturno, para a Clean Feed, recebendo o 1º Prêmio Carlos Paredes. Além de excelente pianista, Bernardo destaca-se também como compositor, associando à sua formação clássica elementos folclóricos de Portugal, Brasil e África em peças como as suítes Ecos de África, Sons do Brasil, Mundos, Fragments (Of Cinematic Illusion), Entropé (para piano e orquestra) e 4 Movimentos Soltos (para piano, vibrafone, marimba e orquestra). Igualmente importante são suas diversas composições para o cinema, entre elas a realizada para o filme The Talented Mr. Ripley, de Anthony Minguella. Atualmente Bernardo vem atuando regularmente com seu trio, formado por Carlos Barretto (b) e Alexandre Frazao (d), ou em duo com o pianista Mário Laginha. Ouça aqui a faixa Monkais , em óbvia homenagem, retirada do álbum Nocturno, com Carlos (b) e Alexandre (d). Apesar disso, o nome Bernardo Sassetti permanece absolutamente desconhecido do grande público de jazz norte-americano, embora já tenha sido ouvido ao lado de grandes músicos do jazz e em trilhas sonoras de sucesso. Afastando-se das primeiras influências rítmicas fortemente percussivas das músicas africana e brasileira, em Nocturno Bernardo passa a investigar com mais vagar os aspectos melódicos e harmônicos de seus instrumento, no que é francamente favorecido pela sólida formação clássica. As noções de pausa e silêncio, antes administradas burocraticamente, recebem agora atenção cuidadosa, do que resulta uma tensão especialmente sedutora, além de composições mais inventivas melodicamente que, necessariamente, nos remetem a Chopin ou Satie. Gravado na residência e com o instrumento da formidável pianista Maria João Pires, Nocturno estabelece com nítidez os dissimulados contornos da noite, como que descritos com o auxílio de amigos como Bill Evans, Keith Jarrett ou Horace Parlan, este último um dos professores do bardo. Dignas de nota são as atuações dos excelentes Carlos Barretto e Alexandre Frazao, acompanhantes precisos e estimulantes. Boa audição.

11/01/2009

Jazz Covers

Lançado no final do ano pela prestigiosa editora alemã Taschen, o livro Jazz Covers é um fenômeno. Esgotou rapidamente a primeira edição e tem edição importada em espanhol à venda no Brasil. Organizado pelo produtor, editor radialista e colecionador de discos português Joaquim Paulo, o livro tem 496 páginas e reproduz 696 capas de álbuns de jazz dos anos 40 aos 90. O ponto de partida da pesquisa foi a própria coleção pessoal de Joaquim Paulo, fundador da editora Mad About Records, e que possui cerca de 25 mil discos. Além da seleção, o produtor - que vive pelo mundo garimpando preciosidades da música - ouviu testemunhos de personagens-chave da produção musical jazzística, como Rudy Van Gelder (engenheiro de som que gravou álbuns para a Blue Note e para a Prestige), o produtor e trompetista Creed Taylor e o designer Bob Ciano. Joaquim apresentou o projeto ao editor Benedict Taschen, que abraçou o projeto e viabilizou a edição. Há discos de todo o mundo no volume (Argentina, Brasil, Polônia, Romênia e Reino Unido), muitos jamais editados em CD. Na galeria de discos escolhidos estão álbuns de mitos como Miles Davis, Chet Baker, Thelonious Monk, John Coltrane, Ornette Coleman, Count Basie, e ainda Claus Ogerman, Vince Guaraldi, Moacir Santos e Maurice Vander. Para fechar, DJs escolhem os seus Top 10, gente como Gilles Peterson, Ed Motta, King Britt ou Rainer Trüby. Joaquim Paulo concedeu entrevista ao Estado. A sua intenção com esse livro é ressaltar o trabalho gráfico das capas ou há também orientação musical? Tive esta ideia do livro há muitos, muitos anos. Pela minha formação, incompleta, na área das artes, por desde sempre me interessar por design, eu olho para um disco de vinil também como objeto de arte. O jazz desde sempre foi uma área musical que produziu capas lindíssimas e esteve sempre ligado a grandes ilustradores como o Jim Flora, grandes designers como o Reid Miles ou fotógrafos como o Francis Wolff, Chuck Stewart ou o grande William Claxton. O jazz sempre teve essa imagem de grande glamour, estilo, a pose "cool". Portanto, desde sempre que pego num vinil de jazz tenho o prazer físico e mental de olhar para a capa, sentir o cheiro, ler as liner-notes, ver quem desenhou ou fotografou e procurar mais. O jazz em vinil, para mim, é um objeto de arte. Depois, há o meu amor ao jazz. É a minha música. A primeira coisa que faço quando chego em casa é pegar um disco e colocar no meu toca-discos. O meu iPod é o meu melhor amigo. A música está sempre na minha vida. Com este livro procurei prestar uma homenagem a quem construiu o jazz, musical e graficamente. Este é um projeto muito pessoal. São as minhas escolhas. Não pretendi fazer uma enciclopédia ou algo do gênero. Tive a grande felicidade de a Taschen me ter dado essa liberdade. A seu ver, o que revelam as capas dos discos de jazz nesses 70 anos que o sr. abarca? Uma espécie de "história social do jazz"? Sem dúvida. Grande parte das capas que incluí dos anos 70 são de editoras underground, na sua maior parte altamente politizadas ligadas a movimentos cívicos. Havia um grande relação com os tempos conturbados dos anos 70, principalmente nos Estados Unidos. Algumas editoras como a Strata East, a Black Jazz estavam intimamente ligadas à contracultura americana, e em alguns dos casos com ligações diretas a movimentos como os Black Panthers. Graficamente esses discos são também de uma grande força e impacto visual. Pessoalmente, qual é a sua capa preferida, e por quê? A minha capa e disco preferido é o A Love Supreme do John Coltrane. A música é de uma espiritualidade quase religiosa. É um disco que pacifica, que liberta. E acho que a capa é a captação certeira do estado de espírito do John Coltrane nessa fase da sua vida. Depois de ter passado alguns anos a combater demônios internos, problemas com drogas, ele finalmente estava em paz. Gosto do jeito como a forma capta o olhar melancólico e profundo do John Coltrane. É uma capa de disco comovente.Os comentários ao estilo verbete que o sr. faz nas páginas do livro muitas vezes traem uma visão crítica. Tem exercido o ofício de crítico de jazz? Nunca quis fazer crítica de jazz com este livro. Nunca fiz. A minha atividade profissional foi ligada ao rádio durante 22 anos. Agora estou noutro percurso profissional através da minha editora Mad About Records especializada em reedições de jazz, soul-funk e música brasileira. Enfim, minhas grandes paixões musicais. Como tem sido a recepção a esse livro nos Estados Unidos, berço do jazz? Excelente. Recebi algumas críticas muito carinhosas de gente que respeito muito, como o Michael Cuscuna ou Ashley Khan. E a própria vendagem do disco é um indicativo da boa acolhida. Como um admirador do gênero, o sr. poderia me dizer o que acha do jazz que se faz hoje? Acha que o gênero está estagnado?De forma alguma. Sou atento ao que se produz hoje em dia. Não é fácil ser músico de jazz nos dias de hoje, mas isso me parece não ser uma limitação nem impedimento de inovação. Aliás, acredito que a dificuldade é sempre motivadora para as grandes revoluções. Mesmo em Portugal , um país pequeno e com um mercado muito difícil, existem editoras, como por exemplo a Clean Feed, que faz um trabalho notável. Abriu-se ao mundo e hoje é uma das editoras de referência a nível mundial. Do novo jazz, basta ouvir músicos como Ken Vandermark para percebermos como está viva esta música.O sr. disse, ao jornal português Público, que boa parte dessas capas não teve a participação dos músicos no conceito e na confecção, e que muitas vezes eram boladas por estagiários de agência de publicidade. É verdade?O que eu contei ao jornal Público foi que perdi muito tempo a tentar descobrir quem desenhava as capas da editora Impulse!, uma das minhas preferidas, musical e graficamente. Todos os discos eram assinados com Robert Flynn/Viceroi. Nunca descobri quem era. Nem o próprio fundador da Impulse!, o senhor Creed Taylor, fazia ideia de quem era. Mais tarde, confirmaram-me que Viceroi era uma companhia de design e as capas da Impulse! eram entregues a quem estivesse mais disponível na empresa. O que é estranho, pois a Impulse! é uma editora com uma linha gráfica muito marcada, muito personalizada. (Fonte: Jotabê Medeiros, para O Estado de São Paulo). A Livraria Cultura está vendendo a coisa por módicos R$193,00. Na Amazon você paga bem menos, cerca de US$45.00 já com frete e lembrando que livro é imune.

22/07/2006

Não há caos sem disciplina

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A característica mais marcante do free jazz é não possuir nenhuma característica marcante. Pegue todos os músicos que criaram e produziram música nesse estilo e tente enumerar ao menos uma. Podemos tentar dizer que quase todos os músicos desse estilo pregavam a liberdade musical absoluta: na verdade isso nunca ocorreu. Toda obra do free jazz possuía e ainda possui uma cota mínima de ordem e disciplina. Somente muitos anos mais tarde, com o que veio a se denominar free improvisation, é que algo dessa natureza foi tentado. Ainda assim, alguns limites mínimos à liberdade persistem, ditando a elaboração daquilo que se costuma chamar de game rules. Ou seja, John Zorn e alguns outros concluíram que, para se atingir o caos, precisamos de severa disciplina. Apesar da aparente liberdade que a música de Julius Hemphill possa nos transmitir, há nela uma lógica rígida e bastante coerente: esse compositor e mestre do sopro conseguiu evoluir dentro do intrigante mundo da liberdade vigiada, associando ao passado recente um conjunto de propostas novas, onde as regras do jogo poderiam, elas mesmas, ser alteradas durante o desenrolar do jogo. Coisa de gênio? Sim, acredito que Julius representa uma parcela considerável daquilo que melhor se produziu na esteira do free jazz. 

Infelizmente nos deixou muito novo, com tanto fôlego para criar e tantas idéias por conceber. Numa singela homenagem, deixamos ali no Jazzseen Salad – acima, à direita – uma pequena mostra do trabalho original desse gigante do free. A faixa The Hard Blues, composta por Julius, foi retirada do álbum The Hard Blues: Live In Lisbon, gravado em agosto de 2003, com Marty Ehrlich (ss, as), Sam Furnace (ss, as), Andy Laster (as), Aaron Stewart (ts), Alex Harding (bs). Boa audição!