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08/09/2010

A música e a noite

"O ouvido, o órgão do medo, pôde desenvolver-se tanto como se desenvolveu apenas na noite e na penumbra de cavernas e bosques sombrios, consoante o modo de viver da época do medo, isto é, a mais longa época da humanidade: no claro, o ouvido não é tão necessário. Daí o caráter da música, uma arte da noite e da penumbra" (Friedrich Nietzsche. Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 171). Sim: sinto orgulho de poucas coisas. Duas delas são possuir e ter lido toda a obra de Nietzsche, um alemão tão doido que, não tivesse morrido em 1900, certamente teria escrito algumas linhas sobre jazz, e possuir e ter ouvido toda a obra de John Coltrane, um afro-americano tão doido que chegou, assim como Nietzsche, às escrituras sagradas indianas. Mas o que realmente me surpreende hoje é descobrir que Nietzsche também fazia música. Você já sabia? Eu nunca tinha ouvido falar nisso. Um amigo emprestou-me as obras completas para piano compostas pelo filósofo alemão e, confesso, fiquei surpreso com o resultado. Esperava marteladas ensurdecedoras sobre o teclado, algo como um Lizst ensandecido, ou diálogos infindáveis e abruptos, algo como um Mahler com soluço.

Mas que nada. A música de Nietzsche para piano - será que ele compôs para outros instrumentos, câmara ou orquestra? - soa como um encontro cordato entre Chopin e Schubert, ambos com bom humor e, vejam só, otimistas. Da audição completa do álbum será inevitável verificar como Nietzsche utilizava bem o silêncio. Para os amigos fica a faixa Das zerbrochene Ringlein , retirada do álbum Saemtliche Werke fuer Klavier Solo, lançado pelo selo NCA 60189. No piano, Michael Krücker. É o que eu sempre digo: música clássica também é jazz.