Mostrando postagens com marcador Clarinetistas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Clarinetistas. Mostrar todas as postagens

20/04/2011

Choro também é ragtime



Faz algumas décadas que defendemos a iconoclasta tese de que samba também é jazz e a quantidade de inimigos que angariamos ao longo dessa incansável luta não foi pequena. Escolas de música clássica, militantes petistas, construtores de alaúde, tribos indígenas isoladas e integrantes das bandas de congo capixabas, todos têm nos acionado judicialmente, tentando evitar que a verdade sobre o tema venha à tona. 

Pois bem: em nossa defesa, apresentamos o álbum Choro Meets Ragtime, trabalho que, se não prova que samba também é jazz, ao menos dá um passo nessa direção, demonstrando claramente que choro também é ragtime. Sendo ambos resultado da influência negra sobre estilos europeus, resta claro que o choro sofreu maior influência da polka, enquanto o ragtime das marchas. No fundo, os dois estilos estão fortemente marcados pelo ritmo sincopado, fruto da herança africana. Os dois foram desenvolvidos independente e paralelamente, em finais do século XIX, sendo que ambos foram inicialmente rejeitados pela sociedade educada, até que alcançassem o respeito e admiração de músicos clássicos, o que autorizou sua audição tanto por prostitutas quanto por senhoritas. Sim, assim como o ragtime, o choro também nasceu nos pu, quer dizer, nas casas de tolerância.

No álbum restam incontestáveis provas das semelhanças entre os dois estilos (veja a interessante tabela abaixo, com a qual discordamos apenas quanto à afirmação de que o ragtime é pai do blues, estilo esse que é obviamente anterior ao ragtime). São 10  ragtimes, 5 deles compostos por Scott Joplin, interpretados com o balanço, ritmo e harmonia do choro. Os solos são também executados com instrumentos típicos do choro: cavaquinho, flauta, clarinete e saxofone. As melodias originais foram rigorosamente respeitadas na apresentação de cada tema, havendo liberdade para as variações típicas do choro em suas repetições, ocasiões em que verificamos alterações para outros estilos, como o maxixe e o samba-canção, o que vem reforçar nossa velha tese.

Como se não bastasse a excelência do projeto em si, a Choro Music ainda disponibilizou para os amantes dos estilos todas as partituras e faixas extras, sem a presença dos solistas, para que o músico ou estudante possa tentar a sorte (play along) em companhia do excelente regional Época de Ouro, formado por Toni 7 Cordas (violão de 7 cordas), André Bellieny (violão), Jorge Filho (cavaquinho) e Jorginho do Pandeiro (advinhe).


O álbum, gravado entre 2007 e 2008 no Rio de Janeiro, São Paulo e Fremont, conta com os seguintes solistas: Tatiana Mazurek: "Dusty Rag", flauta; Nailor Proveta: "Hungarian Rag", clarinete; "Ragtime Dance", sax alto; Mario Sève: "Pine Apple Rag", sax soprano e tenor; Izaías do Bandolim: "Dill Pickles" e "Searchlight Rag", cavaquinho; Harvey Wainapel: "Ophelia Rag" e "The Entertainer", clarinete; Daniel Dalarossa: "Nightingale Rag" e "Spaghetti Rag", flauta. Para os amigos fica a faixa The Entertainer:






CHORO MEETS RAGTIME: SIMILARITIES 
Brazilian ChoroAmerican Ragtime
OriginsEuropean rhythms (polka, tango, schottische, waltz – especially the polka) blended with West African rhythms (especially Lundu)European rhythms (march, quadrille, and waltz – especially the march) blended with West African rhythms.
Time signature2/42/4 (sometimes 4/4)
Structural FormTypically three 16-bar themes in rondo
A B A C A
Typically four 16-bar themes
A B A C D
SyncopationDouble: syncopated beat in both melody (right hand in the piano) and bass (left hand in the piano)Single: syncopated beat in the melody, steady beat in the bass.
Roots from the African influenceLundu, an African rhythm present in Brazil since 1830, presumably from its roots in Angola/ZairePresumably from Afro-Caribbean rhythms and its roots from Yoruba (today’s Nigeria, Togo, Benin) and Dahomean (today’s Republic of Benin) tribes
LyricsMostly instrumental, just a few lyricsMostly instrumental
CradleState of Rio de Janeiro, Brazil - City of Rio de JaneiroState of Missouri, USA – Cities of Sedalia and St. Louis
Main composerErnesto Nazareth (1863-1934).Scott Joplin (1868-1917).
Date of appearance1870’s, when flutist Joaquim Callado formed an ensemble called “Choro Carioca”Chicago World’s Fair of 1893
Social connotations at the timeVulgar, low class, improper music, played in the streets, saloons and brothels. Disreputable genre of music.Low class, improper music played in saloons, cabarets, honky-tonks and brothels.
Disreputable genre of music.
What did it influence?Choro is the forefather of samba, bossa nova and many other Brazilian styles. Brazilian classical composers such as Villa Lobos, Camargo Guarnieri, Francisco Mignone and Oswaldo Lacerda composed their own interpretations of Choros.Ragtime is the forefather of jazz music and blues.
Classical composers, such as Brahms, Stravinsky, Debussy and others wrote their own interpretations of piano Ragtime.

Fonte: Choro Music

12/03/2011

Homecooking & Dixieland

Embora eu já tenha ido três vezes a New Orleans, somente em uma das ocasiões visitei Baton Rouge, a agradável capital do úmido estado da Louisiana. Meus dois principais objetivos eram visitar algumas belas e antigas plantations existentes em torno da cidade, verdadeiros marcos históricos do modelo escravista adotado nos primeiros séculos de ocupação do estado. E, depois, conhecer a Southern University, uma universidade fundada em 1890 e voltada essencialmente para alunos negros - sim, por lá eles se organizam bem. Entre uma visita e outra, a fome bateu e procurei algum local simples, onde pudesse comer uma rápida comida caseira. Por sorte, fui ao lugar certo: Christina's. Após lambuzar-me com um espetacular feijão vermelho com paio, pão de milho e galinha frita, fiz questão de agradecer pessoalmente a Debra Ely,  responsável pela excelente cozinha da casa. Nascida em New Orleans,  a sorridente Debra trabalha há mais de 17 anos para o Christina's, localizado na Rua St. Charles. Foi também durante o almoço que ouvi o álbum Joe Darensbourg and His Dixie Flyers, gravado ao vivo em 1957 no The Lark Club, em Los Angeles. Joe nasceu em Baton Rouge, em 1906. Aos 14 anos já tocava clarinete em bandas locais de New Orleans, ao lado de músicos como Buddy Petit, Fate Marable e Jelly Roll Morton. Aos 19 anos, já em Los Angeles, Joe passa a integrar a banda Jeffersonians, liderada pelo trompetista Mutt Carey. Na década de 1930,  Joe passa a tocar também o saxofone soprano, atuando em diversas bandas de Seattle, Vancouver e da Costa Oeste. Nesse período, tem como aluno o saxofonista Dick Wilson que mais tarde integraria a banda de Andy Kirk. 

Com o revival do jazz tradicional ocorrido na década de 1940, baseado no estilo New Orleans, Joe ajuda a estabelecer os fundamentos do estilo Dixieland, atuando com instrumentistas como Johnny Wittwer, Kid Ory, Joe Liggins e Wingy Manone até que, em 1956, forma sua própria banda, a Dixie Flyers.  Além de presença constante nos shows promovidos na Disneylandia, onde atua com o conjunto Young Men of New Orleans, Joe trabalha durante 3 anos com Louis Armstrong, participando da gravação do álbum Hello Dolly! Embora acometido de problemas cardíacos, Joe trabalhou até sua morte, ocorrida em 1985. Um dos clarinetistas mais formidáveis dos estilos New Orleans e Dixieland, comparável a instrumentistas como Albert Nicholas e Barney Bigard, Joe dominou como poucos a técnica do 'slap-tongue', tornada clássica em sua versão de Yellow Dog Blues, gravado em 1958.

Para os amigos, fica a faixa Blues For Al, retirada do álbum a baixo, com Mike Delay (t), Warren Smith (tb), Harvey Brooks (p), Al Morgan (b) e George Vanns (d).  




19/03/2010

Oldies - Omer Simeon


Se você não for bonito aos vinte, forte aos trinta, esperto aos quarenta e rico aos cinquenta, não espere ser tudo isso aos sessenta anos. Foi exatamente assim que, intimado a dizer algumas palavras, John Lester iniciou seu discurso de inauguração da Associação da Terceira Idade de Vila Velha. Embora não possa ser considerado um cidadão politicamente correto, Lester sempre foi reconhecido por sua sinceridade e por seu alto grau de objetividade. Após o discurso, durante o animadíssimo baile, consultado por um ancião, Lester tranquilizou-o, lembrando que o homem é tão velho quanto se sente, já as mulheres são tão velhas quanto parecem. As risadas espalhavam-se pelo imenso salão enquanto um vacilante porém convicto Frederico Bravante encaminhava-se até sua vitrola portátil Philips vermelha, pondo a tocar Omer Simeon, um dos melhores clarinetistas do estilo New Orleans. Embora tenha nascido em New Orleans, no dia 21 de julho de 1902, Omer somente aprendeu o clarinete em Chicago, para onde sua família havia se transferido em 1914. Após algumas lições com Lorenzo Tio, Jr, Omer incia a carreira profissional ao lado do irmão, o violinista Al Simeon. Em 1923, ingressa na orquestra de Charlie Elgar, onde conhece Jelly Roll Morton, com quem gravaria importantes faixas do estilo New Orleans em 1926 e 1928, tornando-se seu clarinetista predileto. Em 1927, Omer passa a trabalhar com King Oliver. No ano seguinte, integra em Chicago a Vendome Orchestra, de Erskine Tate, até que, em 1931, passa a trabalhar para Earl Hines, com quem toca também o saxofone tenor. Após seis anos com o grande pianista, Omer associa-se a diversos líderes, como Horace Henderson, Walter Fuller, Coleman Hawkins, Jimmie Lunceford e Kid Ory. Em 1946, já morando em New York, Omer passa a integrar a New New Orleans Jazz Band, liderada por Wilbur de Paris, atividade que manteria até sua morte, no dia 15 de setembro de 1959. Embora tenha sido um dos mais hábeis clarinetistas nascidos em New Orleans, Omer gravou muito pouco como líder, o que faz do álbum Jazz Archives Nº 55 - Omer Simeon 1926/1929 um verdadeiro documento de seu talento como sideman. Acompanhando músicos como Kid Ory (tb), Jelly Roll Morton (p, arr), John Saint-Cyr (bjo), Barney Bigard (cl), King Oliver (c), Luis Russell (p), Paul Barbarin (d), Jabbo Smith (t, v) e Earl Hines (p), podemos constatar todo seu potencial. Incitado pelos convivas, John Lester lançou o slogan da Associação da Terceira Idade de Vila Velha: Entre enquanto há tempo! Para os amigos, deixo a interessante faixa Shreveport Stomp, gravada em 1928 com o trio de Jelly Roll Morton. Saúde!



.

26/10/2009

King of Swing - Parte II

Como não há bem ou mal que dure para sempre, o cancelamento do programa de rádio, em 1935, obrigou Benny a aceitar um longo roteiro de turnês para manter o grupo sobrevivente. Uma delas estabelecia passagem pela costa oeste americana, região que a intelectualidade do meio leste rotulava como “à espera da civilização”. Pela distância e a quantidade de acidentes geográficos em seu relevo natural. Sem conseguir alugar um ônibus para esse propósito, parte em três ou quatro automóveis alugados, lembrando os emigrantes que povoaram aquela região inóspita séculos antes. No caminho, atingem as menores cidades e encontram uma platéia indisposta à apreciar a intensidade e energia do swing - o ritmo que trazia novamente o país à trilha do otimismo. Aos berros tinham as apresentações interrompidas por promotores locais que indagavam “por que vocês não tocam valsas?”. Ao chegar em Los Angeles (maior centro da costa oeste dos EUA), ponto final da turnê, Goodman havia decidido encerrar as atividades do grupo. Uma multidão de milhares de jovens fãs, no entanto, o esperava, fazendo fila de quarteirão no Palomar Ballroom, em 21 de agosto 1935. Exigiam ouvir aquilo que a rádio tinha transmitido aos sábados à noite. Ao pisarem naquele palco, os músicos da banda foram recebidos aos urros e uma sucessão quase inesgotável de aplausos a cada entrada. Segundo a revista Time, Goodman, a partir daquela exata hora, independente da coroa, cetro ou casaca, tornava-se “The King of Swing”. Dois anos depois, em 1937, Benny Goodman, aos 28 anos de idade, embolsava 15 mil dólares semanais, tornando-se o primeiro músico de jazz a ficar milionário e um dos raros a permanecer nessa condição até o final de seus dias. Capaz, por capricho próprio, de aspirar, se quisesse, os melhores aromas que o dinheiro poderia comprar num tempo ainda em que centenas de profissionais qualificados lutavam com unhas e dentes para abandonar a moradia da caixa de papelão e as refeições da sopa paroquial. Fazia participação em filmes, gravava dezenas de discos e aparecia nas capas de revistas. Colocava milhares de pessoas em várias sessões semanais no Paramount Theather em Nova Iorque. Interrompendo a temporada somente para apresentar-se em outros locais por força de contrato. Auxiliava a impulsionar novamente a indústria fonográfica com a venda de quase 50 milhões de discos por ano de Swing. Tendo a aparente petulância, mesmo se borrando de medo, em integrar músicos brancos e negros de forma pública na banda. Introduzia ainda, em 1939, a guitarra amplificada no jazz para grandes platéias com o guitarrista negro Charlie Christian. Nunca antes, em nenhum momento anterior da história dos EUA, o jazz esteve tão associado à música popular americana. Nunca, na verdade, em nenhum momento anterior da história musical, o jazz, especificamente o swing, tornou-se, como ocorria naqueles pares de anos, a real música popular da América. Por interferência do empresário de divas e músicos eruditos, Sol Hurok, recebe proposta para apresentar-se no solene palco da música de concerto e da ópera em Nova Iorque – o Carnegie Hall. A primeira reação de Goodman diante da proposta foi de descrédito. Seu público majoritário, na época, era de jovens que entravam em êxtase ao vê-lo curvar o corpo solando na clarineta ou, nas garotas, preferencialmente, tinham alterado seu nível de estrogênio após os solos de bateria ou o balançar do topete de Gene Krupa – segunda estrela da banda. Após algum tempo de reflexão, acolheu a idéia. Segundo as más línguas, foi a única ocasião na vida em que não se importou o quanto iria receber por um trabalho. Músicos dos grupos de Count Basie e Duke Ellington, praticamente a nata, foram emprestados para esse fim, como: Johnny Hodges (as), Cootie Williams (t), Lester Young (ts), Buck Clayton (t), Harry Carney (bs) e o próprio Basie ao piano. Duke, porém, declinou o convite para juntar-se à patota. O projeto do show estabelecia demonstrar ao público fiel à musica de concerto e canto lírico uma pequena panorâmica dos vinte primeiros anos da história do jazz, com homenagens ao Dixieland, Bix Beiderbecke, Armstrong e Ellington (motivo do empréstimo de alguns de seus músicos e razão do convite) e certas jam sessions “devidamente ensaiadas”. Além do repertorio tradicional da banda de Goodman, com arranjos de Fletcher Henderson, Jimmy Mundy e Edgar Sampson. Ao ser consultado pela produção do espetáculo sobre quantos minutos precisava para ajustar o palco ao conforto dos músicos, respondeu: “sei lá, o mesmo que Toscanini” (regente da Filarmônica de Nova Iorque). Em 16 de janeiro de 1938, Goodman e vinte e cinco músicos aguardavam no palco, com cortinas fechadas, a ocupação de todos os lugares da platéia. A venda de ingressos tinha sido precedida de grande sucesso com lugares adicionais colocados nos corredores, degraus laterais e até mesmo nas margens do palco. Observando pela fresta da cortina, o trompetista Harry James proclamava : “me sinto uma prostituta na igreja”. Ao abrir das cortinas, munido da sua clarineta e um impecável fraque, Goodman dava os primeiros sinais de entrada num repertório que pecava pela ausência de ousadia. As primeiras palmas foram praticamente protocolares de vários fãs que haviam se infiltrado na platéia de forma pagante. O espetáculo transitava pelo caminho da mesmice até que um insubordinado Gene Krupa inicia quase uma convocação tribal percussiva – tamanha energia e força com que surrava os tambores com suas baquetas. Era a senha para a orquestra relaxar e fazer o que sabia: divertir seu público, no melhor sentido, colocando as pessoas para dançar. Observando as imagens daquela noite temos a visão do palco tomado pelo maior agrupamento de talentos da história do jazz reunido num mesmo evento, segundo o historiador do Jazz, James Lincoln Collier. Uma curiosa coreografia, num desorganizado balé, composto pelo deslizar no chão de diversos tipos de pés calçados, ritmados por insensatos joelhos do público que, da cintura pra cima, lutava intimamente para manter a serenidade se abundando ao seu assento. Rápido, algumas respeitáveis senhoras largavam suas estolas na poltrona e de pé balançavam o quadril sem medo do efeito do reumatismo no dia seguinte. Benny Goodman observava altivo toda essa catarse. Milhares de fatos talvez tenham habitado suas lembranças naquele exato instante. Teria, enfim, melhores lembranças para sepultar as antigas de sua passagem pelos fétidos guetos de Chicago na infância. Um solitário microfone apenas, instalado um pouco abaixo do teto, direcionado ao centro da orquestra, enviou o som emitido para os estúdios da CBS onde foi armazenado numa série de acetatos. Duas cópias foram retiradas. Uma enviada para a biblioteca do Congresso Americano. O outro acetato, considerado perdido, foi descoberto apenas em 1950 na casa de Goodman por sua filha num canto de armário. O conjunto dos dois formou a íntegra do disco que registrou a totalidade do concerto e que tornou-se por seguidas décadas o álbum de jazz mais vendido do século XX. Goodman, de músico, líder de banda, passava a ser celebridade. Com vida registrada num filme, ruim e inverídico, chamado “The Benny Goodman Story” em 1955 com sua participação especial e de alguns de seus mais conhecidos colaboradores. Com o envolvimento dos EUA na Segunda Guerra, a partir de 1942, o grupo foi submetido comercialmente às sanções da redução das cotas de combustível para uso civil: o que limitava a extensão das turnês. E o prejuízo da convocação a rodo dos músicos para alistamento nos serviços de entretenimento militar nas frentes de batalha. Cumpria o itinerário de seus espetáculos escorando-se na maior parte em baladas vocais para prazer do público conservador e desprazer daqueles que o conheceram pelo ritmo do swing. Realizado financeiramente, Goodman voltava seu interesse para aulas de música erudita com o clarinetista Reginald Kell e pelos compositores eruditos como Bela Bartok e Aaron Copland. Tornava-se uma espécie de grife musical nos anos cinquenta e figurava, ao lado de outros músicos, em espetáculos na forma de convidado. O empresário de jazz, Norman Granz, idealizou em 1953 uma turnê reunindo Louis Armstrong e seus All Stars com Benny Goodman e alguns músicos disponíveis no meio como Charlie Shavers, Zigg Elman (t), Georgie Auld (ts), Gene Krupa (d), Teddy Wilson (p) e a cantora Helen Ward, entre outros. A excursão passaria por algumas cidades importantes e se encerraria com dois espetáculos épicos no Carnegie Hall. A princípio Benny manifestou entusiasmo pela idéia movido pelo borderô de vendas dos discos do Concerto de 1938 e na tentativa de resgatar o swing atirado quase no limbo. Louis Armstrong começava a sofrer problemas na embocadura do trompete, conseqüência da retirada das peles ressecadas em seus lábios, de forma irresponsável, por encardidas giletes. Fazia, numa avaliação severa crítica, um espetáculo de vaudeville de grande sucesso e carisma. Tocando pequenas frases no instrumento e apoiando-se, na maior parte, em interpretações com a característica voz rouca. O final do espetáculo contemplaria essas duas lendas tocando juntos alguns temas conhecidos de cada. Porém, no desenvolvimento da produção, enquanto Armstrong cumpria disciplinadamente seu cronograma de ensaios, Goodman aparentava maior dependência ao álcool. Dificultando de sua parte - pelo perfeccionismo e teimosia - a evolução do novo grupo em temas que dominava “acorrentado” décadas antes. Um colapso de saúde foi alegado para sua retirada da turnê. Com Granz, inclusive, ameaçando processá-lo por quebra de contrato. A rotina de apresentações não o empolgava tanto e nem fez sucesso o programa de TV em que tentaram colocá-lo chamado Swing Into Spring. Em 1957, o Departamento de Estado o leva ao Leste Europeu onde milhões de socialistas o tinham como o inventor do Jazz, perante a audição frequente do serviço internacional da Voz da América. Todavia, Urbie Green (tb) era efetivamente o líder do grupo na turnê. Em 1978 comemora os 40 anos do Concerto no Carnegie Hall, no mesmo local. Recebendo diversas comendas e homenagens nos seguidos anos. Mantém uma relação de proximidade com a Universidade de Yale, instituição que recebe a doação de seu acervo após sua morte por ataque cardíaco em 13 de julho de 1986. Havia se tornado uma figura semi-reclusa no final. Um jornalista interessado em saber sua opinião a respeito de Gene Krupa, considerado seu amigo mais próximo, consegue levar ao telefone sua secretária na ante-sala do escritório na universidade. Ao prosseguir a ligação e para quebrar o gelo afirma alegremente: “ufa! pensei que fosse mais fácil falar com Deus”. A resposta seca foi “telefone antes ao seu destino original”. Para os visitantes e colocando nossa homenagem à passagem dos 100 anos do maior clarinetista do jazz, deixo a faixa Life Goes to a Party , de Benny Goodman e Gene Krupa, retirada da histórica noite do Concerto do Carnegie Hall em 16 de janeiro de 1938 com B Goodman (cl), Harry James, Ziggy Ellman, Chris Griffin (t), Vernon Brown, Red Ballard (tb), Hymie Schertzer (as), George Koenig, Babe Russin, Artur Rollini (ts), Allan Reuss (g), Jess Stacy (p), Harry Goodman (b), Gene Krupa (d).

21/10/2009

King of Swing - Parte I

Após trabalhar 12 horas diárias retirando banha da gordura das carcaças de animais mortos num frigorífico, o imigrante polonês de raízes russas, David Goodman, nem precisava bater com força extra à porta de entrada do lar para anunciar sua presença. Por mais que seus doze filhos estivessem dormindo naquele horário da noite ou fingindo sono. David, sem intenção, espalhava no ambiente o odor de suor do intenso cansaço físico impregnado aos restos de carne, ossos e sangue. Provocando o desagradável cheiro que transpirava pelos poros e infestava o cômodo. Para seu filho Benjamin David – nono na escala da dúzia – não haveria cheiro mais insuportável que aquele. Se houvesse também outra sensação na vida deveria ser diferente do ronco de fome na barriga e que perturbava sua tentativa de dormir. E mesmo pressionando com firmeza seus olhos na penumbra, haveria, certamente, outro ambiente melhor que os diversos cortiços que a família se instalava desde que se conhecia por gente. Apenas um caminho levaria distância daquele emaranhado de dificuldades e desesperança. Indicava um sentido a seguir: ser um sucesso na vida. Benjamin David Goodman, nascido em 30 de maio de 1909 em Chicago, não se dirigia à sinagoga apenas para orar e cumprir o rito de judeu praticante. Seu pai percebeu que mesmo a pesada custa de cinqüenta centavos, dos cinco dólares do salário mensal, valia à pena investir nas aulas de música para os filhos. Jovens de incipiente preparo musical recebiam uns cobres tocando em ocasiões festivas nos subúrbios de Chicago. Assim o menino Benjamin – que o jazz viria a coroar como Benny Goodman – aos 10 anos de idade, recebia aulas de clarineta na Kehelah Jacob Synagogue visando formar um grupo juvenil chamado Jane Addam´s Hull House. Como se revelou logo um talento promissor foi adotado para ensino pelo clarinetista clássico Franz Schoepp. Aos treze anos de idade se desconhecia em Chicago jovem com imenso talento no instrumento e facilidade absoluta em imitar seu ídolo, o clarinetista Ted Lewis. Com catorze obtém a carteira do sindicato dos músicos tamanha evolução do aprendizado, sendo contratado adolescente pela banda de canções populares do baterista Ben Pollack pelo salário de quinze dólares mensais: três vezes mais do que seu pai recebia no abatedouro. Mesmo sendo a segunda figura mais importante naquele grupo, o adolescente Benny trazia fama de arrogante e indisciplinado e sem insegurança alguma de ser despedido. Era responsável pelo sustento dos onze irmãos e a mãe já aos catorze anos de idade, em virtude da trágica morte prematura do pai, atropelado por um táxi. No período dos quatro anos de convivência no grupo de Pollack faz suas primeiras gravações com os colegas e jamais solicita qualquer colaboração do baterista para tanto. Após ser repreendido pelo uso de sapatos mal engraxados encontra motivo para dar adeus ao grupo. Nos cinco anos seguintes Benny torna-se um solicitado músico “free lance”, identificado como virtuose, em razão da magistral sonoridade que extraía da clarineta que soprava sem dificuldades tanto nas regiões graves ou agudas em qualquer tempo, velocidade ou ritmo.

Em 1929, morando em Nova Iorque, participa de programas radiofônicos e toca com Red Nichols, seu ídolo Ted Lewis, Paul Whiteman e na orquestra dos musicais da Broadway - Strike Up e Girl Grazy. Nas horas livres frequenta sem cautela ou medo as boates do Harlem durante as madrugadas para assistir as bandas de Fletcher Henderson e do baterista Chick Webb ou levar Billie Holiday para a cama depois de seu set. Em 1933 o empresário Billy Rose, em resposta à suspensão da Lei Seca, inaugura uma boate para mais de mil freqüentadores e precisa de uma banda de porte para animar o empreendimento. Para o ambicioso jovem Goodman era, enfim, a oportunidade da vida. Forma um grupo de doze figuras e instaura um clima ditatorial e rígido na gestão dos colegas músicos que revela sua personalidade. Para alguns: complexa. Outros, tirânica. Nem tão isentos, simplesmente abominável. Benny proibia o fumo, mascar chicletes, cruzar as pernas no palco. Atitudes incompreensíveis num meio profissional em que muitos, na maioria dos casos, tinham como melhor amizade o “cachorro” engarrafado por doze anos na Escócia. Caso alguma decisão fosse contrariada seu olhar sobre a armação ovular das lentes era apelidada de raio – antecipando a dispensa. A música que o grupo de Goodman executava no Rose´s Music Hall começou a ser transmitida ao vivo pela cadeia de rádios da NBC como forma de promoção da casa. Pelos índices de audiência, a NBC vende à Nabisco a idéia do patrocínio de um programa semanal de três horas chamado “Let´s Dance” (vamos dançar) com três bandas diferentes tocando 3 estilos de música ao vivo por exatas uma hora cada: a valsa, a rumba e o estilo que antes mantinha-se restrito às comunidades negras e que se convencionou chamar de swing pelo frenesi e entusiasmo com que mandava os casais esbaldarem- se na pista de dança. O swing já era executado pelos grupos de Cab Calloway, Don Redman, Erskine Hawkins e Duke Ellington – todos líderes negros e impedidos de tocar, pela segregação racial, em lugares da chamada elite nos anos 30. Distante de ativista social e não apenas exímio clarinetista, Benny era hábil na identificação de brilhantes músicos (independente da raça ou credo) como os pianistas Teddy Wilson e Mary Lou Williams, o saxofonista Benny Carter, o vibrafonista Lionel Hampton, o baterista Gene Krupa e o trompetista Harry James.

Na opinião da cantora Mildred Bailey, amiga de Benny e negra, a banda, naquela ocasião, era incapaz – por inexperiência e ausência de personalidade - manter uma hora de interesse da audiência pelo prazo de várias semanas – a duração do contrato com a NBC. A solução sugerida pelo cunhado do clarinetista - John Hammond (descobridor de Billie Holliday e Count Basie e membro da aristocracia financeira estadunidense) foi comprar o songbook de arranjos do band líder Fletcher Henderson que sofria – apesar de chefiar o melhor grupo organizado de músicos do mercado nova iorquino - a discriminação racial e os efeitos desastrosos de uma nação empobrecida dia a dia pela recessão econômica. Para Henderson não foi necessário engolir a seco a vaidade. Além de ser bem pago pela cessão dos arranjos, foi contratado como diretor musical para escrever novos e, o mais importante, sua música seria afinal conduzida para uma grande audiência. Se o costume de reunir a família para freqüência aos cultos religiosos nos domingos era sagrado, no sábado à noite, reunia-se novamente ela em torno do aparelho de rádio para ouvir música. Num período pré-histórico à banda larga e às malhas da internete se disseminava nas ondas da radiodifusão acordes, notas e o balanço contagiante do swing pelos limites de um país inteiro. Nos intervalos de Let´s Dance, a maioria dos músicos de Benny descansava seus instrumentos nas estantes e estojos. Surgia – quase do nada - uma pequena “costela” do grupo: uma trinca formada por Benny, Krupa e Teddy Wilson com seus respectivos instrumentos. Na disfarçada intimidade do envidraçado estúdio exerciam a coesão musical de idéias que faziam desnecessária qualquer carga adicional de naipes e palhetas. A banda de Goodman – através da sensação das ondas radiofônicas – causava a impressão de um vigoroso avião, solidamente construído, capaz de atravessar o horizonte aproximando às extremidades de leste à oeste. Essa pequena trinca – de dois brancos (Benny e Krupa) e um negro (Wilson) - dialogava em alto nível nos seus instrumentos em absoluto pé de igualdade. Causando, nessa particular experiência do trio, a impressão de que se caminhava sobre as nuvens ao sentir o efeito que sua música trazia. Essa minúscula solução prática, mas de retumbante efeito, mais tarde foi ampliada na forma de quarteto até chegar ao limite de sexteto. (Fim da primeira parte de King of Swing). Para os amigos visitantes deixo a faixa “Everything I Got Belongs to You tema de Richard Rodgers e Lorenz Hart com Goodman (cl), Mel Powell (p) e Eddie Grady (bt), gravada no Riverside Plaza Hotel em Nova Iorque no dia 28 de janeiro de 1954.

19/10/2009

Barrica

E nós gostamos de vinhos envelhecidos em barrica de carvalho Mr. Lester? Sim Mr. Scardua, nós gostamos muito do envelhecimento em barril. Não que não haja bons ou excelentes vinhos que não passam em barrica, mas temos de convir que, sem ela, muitos dos melhores vinhos do mundo não existiriam, como os grandes Bordeaux, Borgonhas, Barolos, Barbarescos, Brunellos, os grandes espanhóis e alguns dos melhores tintos e brancos do Novo Mundo. Mas então os vinhos brancos também podem se beneficiar com o envelhecimento em carvalho, Mr. Lester? Sim, podem sim, Mr. Scardua. Nada impede isso, embora alguns produtores entendam que, para manter a expressão da fruta, o vinho deve ser vinificado à moda antiga, em tanques de cimento, como ocorre com os vinhos produzidos por Telmo Rodriguez na Galícia. Sei, mas o que o carvalho faz exatamente, Mr. Lester? Bem, na verdade, a utilização do carvalho é uma arte, devendo ser cuidadosamente manipulada. Existe uma infinidade de tipos de carvalho, e os mais utilizados para acolher vinhos de qualidade são o francês, sutil e elegante, e o americano, intenso e com característico aroma de baunilha. Isso sem levar em conta a tostagem do carvalho, que varia em graus, de acordo com a intenção do produtor. Na verdade, além do envelhecimento propriamente dito, alguns vinhos sofrem fermentação em barrica, o que faz do barril de carvalho um instrumento (ressaltando as qualidades já existentes no vinho) e, ao mesmo tempo, um ingrediente (fornecendo novos sabores ao vinho). Interessante Mr. Lester. E como isso ocorre? Bem, como o carvalho é poroso, há uma pequena e controlada passagem de ar, o que promove uma série de reações químicas lentas e graduais, tornando o vinho mais complexo e fazendo com que os taninos fiquem mais macios e elegantes. Além disso, o carvalho fornece ao vinho seus próprios taninos, estabilizando a cor dos tintos e dando maior equilíbrio e concentração ao produto final. Que beleza Mr. Lester! Então é só colocarmos um vinho em carvalho para melhorá-lo, correto? Não é bem assim, Mr. Scardua. Não são todos os vinhos que se beneficiam com o carvalho. Para que um vinho vá ao barril, é necessário que possua estrutura e corpo suficientes para isso, sob pena de que o carvalho predomine, tornando o vinho desequilibrado. Como disse, a utilização do carvalho é uma arte, não devendo ser aplicada indiscriminadamente. Somente com sabedoria é que se determina que tipo de carvalho usar, a tosta, em que porcentagem, se o barril deve ser novo ou antigo e quanto tempo deverá guardar o vinho, de modo a torná-lo mais complexo, elegante e ampliando-lhe o potencial de guarda. Veja, por exemplo, o trabalho desenvolvido pelo australiano Chris Ringland em sua bodega El Nido, na árida região de Jumilla, na Espanha. É ali que ele produz o incrível e raro El Nido, um corte de cabernet sauvignon com 30% de monastrell. Trata-se de um tinto musculoso, quase mastigável, onde potência e exuberância são combinados com ótima acidez, o que o torna perfeitamente fresco e equilibrado, sem perca de concentração, complexidade e potencial de envelhecimento. Pois bem, este vinho é envelhecido 26 meses em barricas novas de carvalho, fato que certamente faz dele o que é. Vejam só! Não é esse vinho que Robert Parker considera um divisor de águas na região de Jumilla, Mr. Lester? Sim, Mr. Scardua. Parker atribuiu nota 99 para a safra de 2004 e 98 para 2005, afirmando que o El Nido é o melhor vinho que a região pode produzir, devendo ser provado para que se possa compreender sua qualidade. E esse som estranho aí no fundo, Mr. Lester, o que é? Um C melody sax? Exatamente, Mr. Scardua. Estamos ouvindo Daniele D'Agaro, saxofonista tenor italiano que também se aventura ao clarinete e ao C melody sax, aquele estranho saxofone em dó.
.
Nascido em Spilimbergo, em 1958, começou a trabalhar profissionalmente aos 21 anos, integrando a Mittel Europa Orchestra, big band italiana formada por músicos convidados de várias nacionalidades e dedicada àquilo que se tem chamado de 'música improvisada', uma espécie de free jazz bem comportado, devidamente envelhecido em barrica. Após alguns anos em Berlin, Daniele parte para Amsterdam, onde vive desde 1983. Também envolvido com o jazz, trabalha com uma série de bandas holandesas, como J.C. Tans Orchestra e Sean Bergin's M.O.B., além de acompanhar a banda caribenha Sunchild, de Frankie Douglas. Ainda na década de 1980, forma o Lingua Franca Trio com o violoncelista norte-americano Tristan Honsinger e o contrabaixista holandês Ernst Glerum. Com os saxofonistas Sean Bergin e Tobias Delius, forma o Trio San Francisco, combinando elementos da música folclórica e do jazz no contexto da 'improvised music'. É nesse período que, além do saxofone, explora outros instrumentos, como o clarinete, a flauta e a concertina. Em 1991, participa do festival October Meeting, com o conjunto étnico da Itália oriental Val Resia e diversos músicos improvisadores. Em 1993, parte em turnê com seu novo grupo, formado pelo Lingua Franca Trio, além da cantora africana Mola Sylla, do especialista em computação e eletrônica Richard Teitelbaum, do percussionista Paco Diedhiou e da dançarina Issa Sow. Em 1996, viaja com seu novo projeto, Hidden Treasures, apresentando composições inéditas de Don Byas, agora em quinteto, contando com a participação do trompetista veterano Benny Bailey e do baterista Han Bennink. As composições de Byas foram encontradas por Daniele no Ducth Jazz Archive, em Amsterdam. No mesmo ano, retorna à Itália, fixando-se em Udine, onde forma um duo com o organista de igreja Mauro Costantini, interpretando obras sacras de Duke Ellington, música pós-gregoriana e, sempre, a tal música improvisada. Em 1998, sai em turnê e grava com o contrabaixista norte-americano Mark Helias. No século XXI, apresenta em Chicago mais algumas composições inéditas de Don Byas e, em 2002, grava em Cologne o álbum ao vivo Strandjutters, com Han Bennink (d) e Ernst Glerum (b), para o selo hatOLOGY. Ouça aqui a faixa I Wish You Sunshine. Entre 2002 e 2005, viaja pelos EUA, apresentando-se e gravando com seu quarteto, que inclui o baterista Robert Barry, que trabalhou com Sun Ra na década de 1950, o trombonista Jeb Bishop e o contrabaixista Kent Kessler. Desde então, Daniele tem gravado para diversos selos, como El Gallo Rojo e ArteSuono, trabalhado com músicos importantes como Franco D'Andrea e Alexander von Schlippenbach, além de desenvolver interessantes projetos, como a Adriatics Orchestra, o Tempest Trio, com o organista Bruno Marini e Han Bennink (gravando o álbum The Tempest, inspirado na obra de Shakespeare) e o trio formado com o trombonista Mauro Ottolini e o sanfoneiro Vincenzo Castrini, com os quais grava o álbum Gipsy Blue. Além disso, Daniele integra a prestigiosa The Globe Unity Orchestra, sendo eleito em 2007 e 2008 o melhor saxofonista italiano pelo Poll Top Jazz. Atualmente vem atuando com seu Wild Bread Quartet, com Mauro Ottolini, Stefano Senni e Christian Calcagnile, apresentando composições próprias, sempre na base da free improvisation. Gostei do som, Mr. Lester. Até estranhei o Bennink, bastante comportado com suas baquetas. Eu também, Mr. Scardua. Note como o saxofone parece um jovem tinto, sendo domado e moldado pelo contrabaixo, verdadeira barrica do jazz.

16/09/2009

Ave Maria Mater dei, Ora pro nobis pecatoribus

Como não agradecer a Mr. Lester? Com generosas mochilas às costas e todas as articulações perfuradas por mosquitos indomáveis, chegamos finalmente ao cume mais alto dos Pontões Capixabas, recanto considerado por Burle Marx como uma das mais lindas manifestações aleatórias da natureza. Sim, há dezenas de pequenos e médios ‘pães-de-açúcar’ espalhados a esmo ao longo de um belo descampado recortado pelas águas do Rio Pancas, um dos afluentes do Rio Doce, nas imediações do município de Colatina. Enquanto acariciava as reticentes bolhas adquiridas durante a colossal caminhada, ouvi Lester comentar: “foi aqui, disse saudoso, que Burle Marx descobriu a bela e curiosa Merianthera burle-marxii, um arbusto atarracado dotado de flores violetas, pertencente à família das Melastomataceae (bocas-negras), a mesma das Quaresmeiras.” Retirando de sua mochila o clarinete, Lester inicia solene uma emocionante interpretação de Ave Maria em ritmo de samba. Uma homenagem, segundo ele, a essa obra de arte natural esquecida por Deus e maltratada pelo homem. Em 2002, a área foi transformada em Parque Nacional e, recentemente, em Monumento Natural, permitindo, assim, a manutenção dos moradores na bela região, hoje palco cafeicultor. Todas estas deliciosas e tristes recordações vieram fáceis enquanto eu ouvia o álbum Worldbeat Bach, do clarinetista Richard Stoltzman, gravado em 1999 e que apresenta uma série de composições do barroco alemão em ritmo de jazz, samba e bossa nova. Além do domínio técnico exigido pelo rigoroso repertório clássico, que domina tranquilamente, Richard possui aquela rara sensibilidade do improvisador, que lhe permite frequentar o ambiente do swing ou do choro, graça concedida apenas a alguns poucos eleitos. Para os amigos fica a faixa Ave Maria - com Richard estão Gary Burton (vib), Peter John Stoltzman (p), Jeremy Wall (key), Romero Lubambo (g), Paul Meyers (g), Eddie Gomez (b) e Cyro Baptista (d) — e algumas informações adicionais sobre os Pontões Capixabas, retiradas do site Século Diário: “A região dos Pontões Capixabas, de Pancas a Ecoporanga - são oito municípios no total - tem área de 110 mil hectares. A área dos Pontões Capixabas já foi considerada a mais bela do planeta pelo paisagista Burle Marx, mas está devastada: perdeu a quase totalidade de suas matas nativas e, portanto, não tem mais água em abundância. Os predadores agora devastam os seus monumentos em granito.Cientistas e ambientalistas defendem a criação de um mosaico de unidades de conservação para os Pontões Capixabas. Entre as entidades que defendem esta proposta está o Conselho Natural da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CN-RBMA). Até agora não houve empenho em discutir um projeto para toda a região. O MMA e o governo do Estado sequer chegaram a liberar os recursos necessários para que a região fosse inteiramente fotografada do ar durante os estudos da área. A documentação aérea, passo essencial para saber o que resta de cobertura vegetal, só cobriu 90 mil hectares dos Pontões Capixabas. No processo de criação da unidade, o Ibama destacou a importância dos Pontões Capixabas. "A região noroeste do Espírito Santo foi, até o final da década de 1920, inteiramente coberta pela floresta atlântica. Com a cafeicultura, iniciou-se a ocupação mais intensa e a quase total transformação da área, fazendo com que hoje os remanescentes de vegetação nativa sejam muito raros. Uma particularidade regional ajudou a preservar alguns destes fragmentos, em locais quase inacessíveis: a presença de centenas de inselbergs, aqueles morros com formato de pão-de-açúcar, que conferem à região uma beleza singular.

Os maciços se distribuem por uma ampla região entre os municípios de Pancas e Ecoporanga. São compostos principalmente por granitos muito antigos, que originaram solos pobres e ácidos. Os rios que drenam a área são afluentes do Rio Doce e do rio Cricaré. O clima é do tipo tropical semi-úmido, com estação chuvosa no verão e seca no inverno. Dezembro e janeiro são os meses mais quentes e junho e julho os mais frios. A vegetação original é a floresta estacional semidecidual submontana. Esta floresta, onde parte das árvores perde as folhas na estação seca e fria, foi praticamente dizimada em sua área de ocorrência no Espírito Santo, substituída por agricultura e pastagem. Os remanescentes correspondem a áreas de maior declividade ou acesso difícil, como o topo dos pontões rochosos. Estes pontões formam vales fluviais alongados e encaixados, com relevo bastante abrupto, que criam condições peculiares para a floresta, em função de sombreamento, profundidade variável do solo e disponibilidade de água. A vegetação varia em pequenas extensões desde floresta subperenifólia de várzea e de encosta até florestas inteiramente caducifólias (onde a maior parte das árvores perde as folhas no inverno), nos sopés dos afloramentos, e vegetação rupestre sobre os afloramentos, criando condições que favorecem a existência de alta diversidade biológica. A fauna do noroeste capixaba foi muito pouco estudada e fortemente impactada pela ocupação humana e alteração do ambiente. Ainda são citados para a região a ocorrência da preguiça-de-coleira, da paca, do gato-do-mato, do gato-maracajá, do tamanduá-de-colete, do barbado, do sagui-de-cara-branca e da lontra, entre os mamíferos. Mais de 118 espécies de aves foram registradas.

28/07/2009

Hank's Holiday

Sem dúvida um dos mais fluentes clarinetistas do swing, Hank D'Amico morreu jovem, aos 50 anos. Nascido em Rochester, no dia 21 de março de 1915, Hank iniciou tocando violino, trocando-o pelo clarinete no colégio. Em 1936 inicia a carreira profissional, trabalhando com Paul Specht e Red Norvo. Nos anos seguintes atuaria no rádio e participaria de outras bandas, entre elas as de Bob Crosby, Les Brown, Jess Stacy e Benny Goodman, de quem absorve clara influência. Na década de 1940 gravaria com uma série de músicos importantes, como Lester Young, Rex Stewart, Coleman Hawkins, Tommy Dorsey e Charlie Shavers. Além de liderar seus próprios grupos, Hank trabalha para a CBS e a ABC, ambas de New York. Nas décadas de 1950 e 1960 mantém-se atuante, tocando em pequenas formações, inclusive ao lado de Jack Teagarden, Ella Fitzgerald e Erroll Garner. Embora tenha atuado bastante como sideman, infelizmente Hank gravou pouco como líder, deixando apenas um registro para o selo National, gravado em 1944 e dois registros para o selo Bethlehem, gravados em 1954. Para os amigos fica a faixa Bernie's Tune, retirada do álbum Holiday with Hank, lançado pela Bethlehem, com Billy Triglia (p), Milt Hinton (b) e Charlie Smith (d).

15/06/2009

Hall's Family ou da redução do quantum despótico

Quando cheguei, vovó Tícia zangava com vovô Acácio. Fazia semanas ele prometera marceneirar alguns bilros em madeira sabiá e noz de tucum que, segundo ela, são os mais adequados para rendar. Na grama, o compasso amarelo do sol traçava generosa sombra sob a copa ancestral da quaresmeira roxa, debaixo da qual dormia Lester. Vovô estava na garagem, onde mantinha sua centenária mesa de marceneiro e suas ferramentas. Embora gastas pela insistência dos anos, ainda apresentavam bela aparência, com seus cabos de jacarandá escurecidos e conservados pelo suor do manuseio. O aço perdera o brilho incômodo, mantendo apenas a dureza necessária ao corte, compressão, tensão, flexão e torção, gerando aquele acomodamento de que lhe falara o velho amigo Pontes de Miranda, em seu clássico Sistema de Ciência Positiva do Direito, tomo III, página 56. Sim, vovô tinha a obra completa daquele mestre que, segundo ele, constitui um dos raros homens de gênio eleitos para a Academia Brasileira de Letras. De toda sua gigantesca obra, o conceito que mais fundamente influenciou vovô foi o do princípio da redução do quantum despótico, processo de acomodação e evolução pelo qual caminha a humanidade. Quanto à família, Pontes tinha lá suas ponderações e, na mesma obra, tomo I, página 307, cita as palavras de Ernst Mach: “Cada um de nós tem dois pais, quatro avós, oito bisavós, e, a continuar o cálculo para alguns séculos, chega-se a uma tão considerável população que nenhum país a poderá conter. Por isso que cada um não pode ter seus honestos ancestrais particulares, deve, forçosamente, haver parentesco entre os antepassados comuns, dos quais lhe é preciso aceitar as heranças psíquicas.” 

Lester, ainda sonolento e comendo um pedaço fumegante de bolo de laranja com grapete, aproxima-se e conclui que, então, somos todos parentes de Edward Hall, Sr., clarinetista nascido em 1875 na cidade de Reserve, Louisiana. Sim, é claro que somos todos parentes dele, confirmou vovô Acácio, contando que Edward pai tocou na banda Onward Brass Band, não a de New Orleans, mas a de Reserve. Produziu oito filhos, cinco dos quais se tornaram músicos profissionais. Edward Hall, Jr. (1905-?) tocou tuba em orquestras de dança. Robert Hall nasce em Reserve (1899-?) e, embora tenha começado com a guitarra, passa para o clarinete e os saxofones alto, tenor e barítono em diversas formações, entre elas as bandas de Hypolite Charles, Louis Dumaine, Gus Metcalfe e na famosa Original Tuxedo Orchestra, liderada primeiro por William ‘Baba’ Ridgley e, depois, por Papa Celestin, com quem grava em 1927. Clarence Hall (1903-?), também nascido em Reserve, começa tocando guitarra e banjo até que resolve dedicar-se ao saxofone. Após trabalhar com Kid Thomas, passa a integrar a banda do trompetista Kid Augustin Victor em Baton Rouge, atual capital da Louisiana e cidade onde se come atualmente um excelente filé no Chicago’s Steaks, Bar & Grill. Partindo para New Orleans, passa a trabalhar na banda de seu irmão Herb. Em seguida, integra a Original Tuxedo Orchestra de Papa Celestin para, mais tarde, associar-se à banda de Dave Bartholomeu, com quem realiza diversas gravações. 

Herb(ie) Hall (1907-?) também nasce em Reserve e inicia a carreira tocando banjo na Niles Jazz Band. Mais tarde, torna-se um competente clarinetista e saxofonista alto, substituindo o irmão Clarence na banda de Kid Augustin, em Baton Rouge. Seguindo para New Orleans, trabalha com Sidney Desvigne e Don Albert. Na década de 1930, parte com Don Albert para San Antonio, onde permanece até 1937. Segue então para Pittisburgh, Cincinnat, Cleveland, Philadelphia, New York e Boston, onde toca com Doc Cheatham. Em seguida, parte em turnê pela Europa com Sammy Price. Retornado aos EUA, passa algum tempo em New York, trabalhando nos clubes de Jimmy Ryan e Eddie Condon. E as turnês prosseguem, primeiro em Toronto, com Don Ewell, depois com a banda World of Jelly Roll, de Bob Greene e, por fim, pela Europa novamente, dessa vez como solista. Músico competente, com pleno domínio de seu instrumento e considerável inventividade melódica, Herb possuía tonalidade mais pura e estilo mais lírico que seu famoso irmão, também clarinetista, Edmond Hall (1901-1967). Nascido em New Orleans, é nessa cidade que inicia sua carreira profissional, tocando em uma série de bandas, entre elas a de Buddy Petit. Partindo para o norte, trabalhará em diversas bandas de swing, como a de Claude Hopkins e a de Teddy Wilson. Em 1942 é considerado bom o suficiente por Duke Ellington para substituir Barney Bigard em sua banda, mas descarta a oportunidade e resolve vencer por conta própria, fazendo grande sucesso no Café Society de New York, em 1944, fase em que grava com Eddie Condon. Na condição de mais festejado clarinetista do dixieland depois de Pee Wee Russell, Edmond preferia ver-se como um músico do swing, muito mais próximo de um Benny Goodman do que de um Johnny Dodds, genial clarinetista do estilo New Orleans. 

Seja lá como for – na verdade Edmond dominava plenamente tanto o blues quanto o jazz clássico e o swing – em 1950 estava tocando no clube de Eddie Condon e, em 1955, passa a integrar o All Stars de Louis Armstrong, além de seguir tocando como freelance até sua morte. Enquanto Lester lia e relia na velha Larousse quanta compressão, tensão, flexão e torção suporta um batiscafo – sim, Lester era absolutamente obcecado pelo estranho artefato marinho – vovô Acácio colocava no toca-discos as memoráveis gravações feitas por Edmond em 1941, com Meade Lux Lewis na celesta, Charlie Christian numa raríssima intervenção na guitarra acústica e Israel Crosby no contrabaixo. Essas e outras gravações históricas - ouça aqui Night Shift Blues - estão contidas no cd da Classics The Chronological Edmond Hall 1937-1944, verdadeiro documento do estilo New Orleans e local onde podemos constatar o estilo “cantante” de Edmond, com seu vibrato dirty e curto e sua inventividade nata. Nisso chega vovó Tícia, com seu café forte e sua mais nova renda de bilro.

09/06/2008

Masters of Jazz, the label

Nosso amigo Sérgio Scarpelli, do Jazzmasters, comenta que "O vinil teve sua morte anuciada no final dos anos 80 por causa do CD. Agora é o CD que tem pouco tempo de vida. Pois bem, estes dois inimigos de antes acabam de unir os trapos.Um cd que é ao mesmo tempo um vinil para ouvir no toca-discos A alemã Optimal Media Production anunciou a criação do VinylDisc, como o nome sugere, um hibrido de cd e disco de vinil. O disco tem dois niveis interligados - um com a gravaçao digital para ser ouvido no cd player e outro para ser ouvido no toca-discos. Será que os dois vão morrer juntos e abraçados? Ou renascer de vez? Resta esperar." Veja mais fotos da coisa. Mas não viemos até aqui para falar sobre a morte do vinil ou do cd mas sim para falar sobre a morte de um excelente selo de jazz: Masters of Jazz. Não sabemos quando o selo morreu, nem se de morte morrida ou matada. Também sabemos muito pouco sobre os loucos proprietários que resolveram lançar em cd as gravações completas de grandes figuras do jazz, tudo em ordem rigorosamente cronológica. A empresa responsável pelo selo é a francesa Média 7, situada em Nanterre, número 15 da Rue des Goulvents. Telefonamos para lá (4724-2411) e atendeu uma senhora que vende uva passa e fala muito mal o português. Acreditamos que não há qualquer rastro sobre seus produtores Pierre Carlu e Alain Tercinet, nem do diretor musical Christian Bonnet, nem do consultor musical Philippe Baudoin. Sumiram todos da Média 7 e estão trabalhando em outros projetos. No site All About Jazz houve até uma discussão acerca do tema, que pouca luz trouxe ao mistério. Um tal de Clandy, pergunta de Washington (às sete e meia da manhã!) se alguém sabe de alguma coisa sobre o selo Masters of Jazz. O melhor informado parece ser o tal de PDEE, de Woodinville, que anota alguma coisa: o selo só conseguiu lançar um projeto completo: foi o do guitarrista Charlie Christian, em nove volumes. O ambicioso projeto pretendia lançar nada mais nada menos do que TODAS as gravações dos grandes mestres, em ordem absolutamente cronológica, aí incluídas as gravações em shows, rádio, TV e, em alguns casos, como no de Sidney Bechet, algumas gravações privadas. Onde eles conseguiam essas coisas, fiquei me perguntando. Bem, vasculhando a net verifiquei que alguns espécimes da série ainda podem ser encontrados em alguns sites, como nos 'sellers' da Amazon que vendem álbuns usados. Corram os colecionadores e cuidado para não se confundirem com a série homônima da Storyville ou com a série Jazz Masters da Verve - na verdade, não há como fazer confusão porque as capas da série Masters of Jazz lançadas pela Média 7 são todas brancas, contando apenas com a foto de rosto do músico correspondente. Não encontrando nada da Masters of Jazz outra boa escolha são os cd’s da Classics, também em ordem cronológica (veja aqui). Para os amigos fica ( ) retirada do cd Lester Young Volume 1 – 1937-1939 – The Complementary Works (MJCD 46), num dos raros solos do Presidente ao clarinete.

17/11/2007

Way down south in New Orleans: Jacques Gauthe

Ouvindo Mr. Marvilla falar em Paris, lembrei imediatamente de New Orleans, cidade fundada em 1718 por Jean Baptiste La Moyne, Sieur de Bienville. Duzentos e oitenta anos depois, estava eu pela primeira vez naquelas terras em forma de lua crescente onde, em 1724, promulgou-se o famoso Código Negro, legislação destinada a regular a vida dos negros na Louisiana, preocupada especialmente em evitar a mistura de raças, proibindo qualquer tipo de relação formal entre negros e brancos, seja através do matrimônio, seja do concubinato. Mas foi somente em minha terceira visita a Nórlins, em 2005, que tive o prazer de conhecer um francês naquelas bandas, o clarinetista Jacques Gauthe. Ele tocava no bar mais bagunçado que já conheci no French Quarter, um tal de Fritzel’s, no 733 da Bourbon Street. Escuro e apertado, os músicos espremiam-se uns contra os outros, enquanto os freqüentadores conversavam alto e bebiam algumas das cervejas mais geladas do quarteirão francês. O tipo de música que se ouvia, e até onde sei ainda se ouve, é basicamente o dixieland, com algum swing comportado. Após o primeiro set, perguntei a Jacques o que era dixieland afinal. Ele me disse que não sabia. Ele apenas tocava aquela música maravilhosa e ficava muito feliz com isso. Lembrava ter lido em algum lugar que, segundo o musicólogo Hans Nathan, o termo dixieland, significando ‘sul negro’, apareceu impresso pela primeira vez em 1860, na edição da canção Johnny Roach, composta por Dan Emmett. Outros autores atribuem o termo ao fato da região sul dos EUA ficar abaixo da linha de Mason e Dixon. Há quem diga, ainda, que a palavra se originou das notas francesas emitidas em New Orleans, chamadas dix (dez). O fato é que tudo indica que o termo dixieland surgiu na região norte, sendo usado para designar a região sul.

O termo dixie, por sua vez, era utilizado inicialmente para designar o negro do sul, passando, mais tarde, a ser utilizado como sinônimo de dixieland. O mais curioso é que essa origem nada tem a ver com o estilo de jazz denominado dixieland, uma espécie de versão branca dos estilos new orleans e chicago. Quando surgiram, os termos dixie e dixieland eram utilizados por compositores brancos de negro minstrels, estilo de música popular que atingiu seu ápice nas décadas de 1830, 40 e 50. Pintando o rosto com cortiça queimada, músicos brancos, como Dan Emmett, apresentavam nos teatros lotados composições que exploravam o lado mais patético e humilhante da vida e da cultura do negro caipira. As composições, embora elaboradas a partir dos fundamentos da música popular irlando-escocesa, eram recheadas com elementos característicos dos negro spirituals e das plantation songs. Somente cem anos depois a expressão dixieland passaria a denominar um estilo particular de jazz, também denominado de revival, nos anos 1940 e 1950. Terminado o intervalo, Jacques voltou ao seu banquinho e dilacerou mais uma boa meia dúzia de clássicos de New Orleans, além de uma homenagem ao seu grande ídolo e mentor, Sidney Bechet. Para o amigo visitante, fica a faixa Blues for Bechet, retirada do álbum Echoes of Sidney Bechet, lançado pela Good Time Jazz, em 1997, centenário de nascimento do mestre. O amigo Jacques nos deixou em 10 de junho (1939-2007).

Jacques Gauthe - B...


  • Jazzseen News - London Jazz Festival





  • 10/09/2007

    Vovô Acácio em Paris

    Meu primeiro contato com o jazz foi através dos velhos lp’s 78rpm de vovô Acácio. Além das belas capas de seus álbuns bem conservados, que sempre estavam tocando, eu adorava suas estórias, precisas e muito divertidas. Uma das que me lembro com maiores detalhes foi a de sua primeira viagem à Paris, em fevereiro de 1953. Eu a ouvi sentada atentamente em sua generosa cadeira de couro envelhecido e cheiroso, e foi assim. Vovô, ao desembarcar, nem quis ouvir falar de Louvre ou de exposição de Picasso. Sem deixar sua pequena mala no hotel, partiu direto do aeroporto para o Vieux-Colombier, onde se apresentava Sidney Bechet, segundo vovô o primeiro grande mestre do clarinete e do sax soprano do jazz. Ele havia nascido em 1897, em New Orleans, informava vovô com orgulho nos lábios. Naquela noite Bechet se apresentava acompanhado pela orquestra de Claude Luter, um dos muitos músicos franceses apaixonados pelo jazz. A casa era pequena, mas os preços eram proporcionais. Vovô ficou impressionado pela aparência jovem de Sidney, embora já contando com seus 56 anos de estrada esburacada. Impressionou-se também pela paixão dos músicos da orquestra de Luter, que tocavam com muita vibração e alegria, ao contrário dos músicos brasileiros, que tocavam e liam gibi ao mesmo tempo. Vovô Acácio dizia que nunca se esqueceria daquele ataque fabuloso, repleto de vibratos estremecedores, sustentado por um volume de som impensável. Ao todo foram seis números: Muskat Ramble, Wild Man Blues, I Found a New Baby, Jazz in Blues, Sister Kate e Milenberg Joys. Vovô sentiu-se no céu!

    Mais tarde, em outra noite abençoada, dessa vez no Metro-Jazz, encontraria Big Bill Broonzy, segundo vovô o maior cantor de blues vivo naquele tempo. Acompanhado apenas por sua guitarra, o cantor ficou surpreso quando vovô lhe pediu que cantasse Blues in 1890. Atendeu ao pedido, mas depois correu lentamente até a mesa para conferir que tipo estranho era aquele e de onde vinha. Vovô disse que era do Brasil, e um largo sorriso se abriu no rosto de Big Bill, que logo se sentou à mesa e aceitou uma dose gentil de uísque. Enquanto isso, subia ao palco uma mulata gorda, que vovô reconheceu tratar-se de Lil Armstrong. Ao piano seu estilo havia mudado completamente desde os tempos dos Hot Five e Hot Seven de Louis, seu famoso ex-marido. Agora Lil tocava uma espécie de boogie woogie e cantava. Vovô, que sempre a chamara de Lil ‘Manitas de Piedra’ Armstrong, pede Perdido Street Blues, que ela havia composto por volta de 1922, quando King Oliver ensaiava suas primeiras gravações. Outra surpresa, outro uísque e logo vovô estava sentado com Big Bill de um lado e Lil do outro. Cumprimentando-a por Mrs. Armstrong, ela resmungou certo desconforto, alegando que Armstrong era apenas um de seus ex-maridos. Vovô corrige para Miss Hardin, mas nota que, lá fora, o letreiro na fachada escrevia Lil ARMSTRONG. Mudando de assunto e percebendo que a madrugada parisiense já perseguia seu destino gelado na neve, surge na porta Sidney com seu pequeno estojo de soprano. Após vários convites, sobe ao palco e começa uma jam com Lil e Big Bill. Por uma dessas obras maravilhosas da tecnologia, vovô registra em seu velho Mohawk Recorder o tema Really the Blues. A noite não poderia ter sido melhor, poderia? Um beijo pra todos e até a próxima!

    Sidney - Really Th...

    15/07/2007

    Buddy 10, Argentina 0

    O clarinetista virtuoso Buddy DeFranco, nascido em 1923 em New Jersey, passou boa parte da vida tentando convencer os críticos de que não era um músico frio e mecânico. Para alguns, sua técnica absoluta transformava suas intervenções em tediosas demonstrações de habilidade, sem qualquer swing. Até onde meus ouvidos puderam verificar, não existe verdade nessas ásperas críticas. O que de fato parece ter afastado Buddy do sucesso e da fama foi a infeliz escolha do instrumento, o clarinete, numa época em que o jazz estava sendo dominado pelo trompete e pelo sax tenor: o bebop praticamente exterminou o clarinete do jazz. Na verdade Buddy é um desses poucos músicos que podem se dar ao luxo de ter parte da obra editada pela Mosaic (seus quartetos com Sonny Clark), mesmo sem vender quase nada (a coisa encalhou nas estantes da gravadora). Também não é justo que o nome de Buddy não apareça em quase nenhum guia de jazz ou livro sobre o bebop. São bem poucos os críticos que lhe dão a atenção que merece, entre eles Scott Yanow, do All Music Guide. Para os amigos deixo a faixa Billie’s Bounce, retirada do álbum Buenos Aires Concerts, gravado em 1980. Buddy dá um banho nos argentinos Jorge Navarro (p), Ricardo Lew (g) e Jorge Lopez Ruiz (b). Show de bola!

    Buddy DeFranco_The...

    13/09/2006

    A Day In New York - Tony Scott

    .

    Tony Scott talvez seja um dos poucos clarinetistas de jazz que alcançaram algum destaque no bebop, estilo que, por sua própria natureza, exigia a violenta agilidade que somente o trompete e os saxofones alto e tenor poderiam fornecer adequadamente. Apesar disso, Tony, um apaixonado pela música de Charlie Parker, insistiu em fazer bop com seu delicado instrumento. Para reforçar sua voz, Tony aprendeu também a tocar o sax barítono com bastante competência, além de brincar com o tenor, a flauta e o piano. Antes de mergulhar no nebuloso mundo da world music trazido pela década de 1960, Tony produziu excelentes álbuns dentro da escola branca do bop. Assim foi em novembro de 1957, ano em que gravou três excelentes álbuns lançados pelos selos Seeco, Carlton e Perfect, todos reunidos no excelente cd duplo A Day In New York, lançado pela Fresh Sound. Contando com a presença de um jovem e desconhecido pianista denominado Bill Evans, além de Clark Terry (t), Sahib Shihab (bs), Jimmy Knepper (tb), Henry Grimes (b) e Paul Motion (d), Tony mostra a insuspeita viabilidade do clarinete no ambiente bop. Aos argonautas mais incrédulos deixo as faixas There Will Never Be Another You e Blues For Three Horns no Gramophone By John Lester (acima, à direita) para uma rápida conferida no talento de Scott.