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26/09/2011

Basso Valdambrini Quintet

A fotografia ao lado poderia ter sido feita numa das muitas e longas estradas da Califórnia, afinal estamos em 1959 e os dois músicos ao lado estão tocando West Coast Jazz da melhor qualidade. Nada disso. Estamos na Itália, mais precisamente em Milão, cidade situada a noroeste do país, região dominada pelos solos de marga calcária, argila, areia, cascalho e plácer glacial. A topografia da região lembra um pouco a do Barro Vermelho, um dos bairros mais agradáveis de Vitória, ES, com suas abruptas subidas e descidas assustadoras para qualquer enfisematoso ou cardíaco. E foi exatamente ali, na residência do amigo Chico Brahma, que encontrei o álbum Basso Valdambrini Quintet, talvez o único exemplar existente no estado, em forma de long-play. Enquanto cortava generosas lascas de presunto de Parma e de um delicioso stracchino, queijo feito à base de leite de vaca cansada, Chico comentava que, na verdade, o Barro Vermelho não passa de uma das regiões que compõem o bairro mais requintado do Espírito Santo, denominado Praia do Canto, resultado dos esforços do sanitarista Saturnino de Brito. Orgulhoso, Chico afirmava que morava ali desde o tempo em que bunda era palavrão, enquanto servia-me uma generosa taça de LINI 910 Scuro, produzido pela competente Alicia Lini. Sim, o Lambrusco de qualidade, que originalmente possuía um caráter tinto, seco e levemente frisante, ideal para acompanhar o presunto de Parma, adquiriu na década de 1980 o aspecto monstruoso de vinho branco doce e espumante, fazendo grande sucesso junto aos ouvintes de Julio Iglesias e às festas de casamento da classe média brasileira. Com o aumento da demanda, explicava eu para Chico, os produtores passaram a introduzir grandes quantidades desnecessárias de açúcar, além de remover sua coloração tinta original e engarrafá-lo com rosca.

Alicia Lini

Como sempre acontece nestes casos, o nível do vinho caiu drasticamente, bem como seu preço e respeitabilidade. O bom Lambrusco costuma ter procedência no sul de Modena, especialmente o produzido nas encostas da porção norte dos Apeninos, onde a pouca insolação retarda o amadurecimento das uvas, que chegam à vinícola com pouco teor de açúcar e rica acidez. A maceração breve extrai mais cor do que tanino e a fermentação em tanques selados ajuda a preservar o dióxido de carbono, concedendo ao vinho sua leve efervescência característica. O Lambrusco tradicional deve ser produzido preferencialmente com a uva lambrusco, e engarrafado com rolha do tipo cogumelo, apresentando-se quase sempre seco, refrescante, com teor alcoólico moderado e sabor imediato de uva. As DOC's mais tradicionais na produção do Lambrusco são Sorbara e Grasparossa di Castelvetro, situadas em Emilia (Emiliana Romagna).

Nisso, percebi que Chico, um abstêmio convicto, cochilava profundamente com o álbum do quinteto escorrendo lentamente de sua mão. Após alguns minutos de silêncio, Chico levanta assustado e concorda com tudo que eu disse, acrescentando que se Basso e Valdambrini não existissem, o jazz em Milão certamente não seria tão bom. Gianni Basso nasceu no dia 24 de maio de 1931, em Asti, região que produziu o primeiro vinho espumante doce do mundo. Após estudar clarinete no Conservatorio di Asti, passa a trabalhar com diversos grupos norte-americanos que se apresentaram na Europa na década de 1940, sobretudo na Bélgica e na Alemanha. De volta à Itália, trabalha em diversas orquestras de dança até ser contratado para integrar a orquestra de rádio de Armando Trovajoli, em 1956. Entre 1955 e 1960, lidera com o trompetista Oscar Valdambrini um dos melhores combos da Itália, além de acompanhar grandes músicos que visitavam a Europa, entre eles Chet Baker, Buddy Collette, Slide Hampton, Maynard Ferguson, Phil Woods e Gerry Mulligan. Na final da década de 1970, forma a banda Saxes Machine. Suas principais influências musicais foram Stan Getz e, mais tarde, Sonny Rollins. Embora ainda toque em alguns clubes, Basso tem atuado mais como músico de estúdio.



Oscar Valdambrini nasceu em Turin, no dia 11 de maio de 1924. Após estudar violino na infância, opta pelo trompete. Em 1948 tem o privilégio de participar de uma jam session ao lado de Rex Stwart, um dos maiores trompetistas do Swing. Em 1955 forma, com o saxofonista Gianni Basso, um dos melhores quintetos de jazz da Itália, frequentemente ampliado com a presença do trombonista Dino Piana. Atuando também como arranjador e compositor, Oscar trabalharia com uma série de músicos importantes nas décadas de 1960 e 1970, entre eles Giorgio Gaslini, Duke Ellington, Maynard Ferguson, Dusko Goykovich, Kai Winding, Frank Rosolino, Conte Candoli, Freddie Hubbard, Ernie Wilkins e Mel Lewis. É também nesse período que integra a orquestra da Televisão de Roma. Proprietário de um estilo bastante semelhante ao de Art Farmer, visivelmente moldado na linha do West Coast Jazz, com inteligentes fraseados bop e a característica delicadeza de timbre, Oscar foi obrigado a se afastar dos palcos nas décadas de 1980 e 1990 em função de problemas cardíacos. Faleceu em Roma, no dia 26 de dezembro de 1996.

Para os amigos, as faixas Come Out Wherever You Are, Fan Tan, I Wanna Be Kissed, Everything Happens To Me, Lo Struzzo Oscar, Lotar, Like Someone in Love, C'est Si Bon, Gone With the Wind e Ballad Medley (I Can't Get Started e Lover Man), todas retiradas do álbum acima, com Renato Sellani (p), Gianni Azzalini (b) e Gianni Cazzola (d). Saúde!

Basso-Valdambrini by Jazzseen

18/08/2011

O sangue de boi, o racodium cellare e a botrytis cinerea

Budapeste

Em primeiro lugar eu quero agradecer aos amigos e visitantes pelas centenas de e-mails enviados à nossa Redação, fato que muito nos emocionou e terminou por determinar nosso retorno antecipado ao Brasil. É que, como amplamente divulgado na imprensa, a Equipe Jazzseen saiu em férias coletivas pelo centro e leste europeu, como sempre com o duplo objetivo: ouvir jazz e verificar de perto a revitalização da vitivinicultura nessa região assolada pelo comunismo, brincadeira política que quase dizimou todas as videiras e a produção de vinhos de qualidade na Hungria, Romênia, Bulgária, República Tcheca, Eslováquia, Eslovênia e Croácia. Partindo da Áustria, seguimos inicialmente em direção à Hungria, terra de nosso amigo Robi Botos. Pianista consagrado, Robi nasceu na impronunciável cidade de Nyiregyhaza, oriundo de uma família de músicos ciganos de origem romena. Autodidata, Robi iniciou a carreira ainda criança, tocando bateria com o pai e os irmãos. Aos sete anos, passa a tocar o piano, instrumento no qual se destacaria com louvor.

Em 1998, Robi muda-se para o Canadá, afirmando-se como um dos mais importantes pianistas de jazz daquele país. Enquanto trabalhava com músicos como Michael Brecker, Pat Labarbera, Marcus Belgrave, Steve Gadd, Terri Lyne Carrington, James Blood Ulmer, Roberta Gambarini, Joey DeFrancesco, Toots Thielemans, Guido Basso e Avishai Cohen, entre outros, Robi recebia uma série de prêmios em competições de piano, com destaque para o primeiro lugar na International Montreux Jazz Festival's Solo Piano Competition, o terceiro na Martial Solal Piano Competition e o primeiro lugar na Great American Jazz Piano Competition, em Jacksonville, Florida.



Frederico Bravante, único integrante do grupo com fluência na língua húngara, foi nosso intérprete através da terra natal de Robi e do Tokaji, vinho doce tão importante para o país que é citado em seu hino nacional. Produzido a partir de uvas podres, atacadas pelo fungo botrytis cinerea ou botrítis para os íntimos, que promove a chamada podridão nobre ou pourriture noble em francês, o Tokaji torna-se mundialmente conhecido em meados do século XVII, sendo denominado por Luiz XIV "o vinho dos reis e o rei dos vinhos". Após 1945, o país é dividido em cooperativas estatais (sistema kolkhoz) que quase levaram à morte o famoso Tokaji. Preocupado em produzir vinho para todos, o comunismo acabou produzindo vinhos de péssima qualidade para todos - mais ou menos como a universidade para todos inventada por Lula - praticamente eliminando os bons vinhos que eram produzidos na Hungria e nos demais países do centro e do leste europeu.

Garrafas de Tokaji atacadas pelo racodium cellare


O tokaji mais nobre é o denominado Aszú*, elaborado exclusivamente a partir de uvas afetadas pela botrítis, colhidas à mão, uma a uma, e colocadas em um puttony (tina de madeira), onde se produzirá o mosto ou vinho base. As principais cepas utilizadas são a Furmint, a Hárslevelu e a Muskotály. Durante o processo, uma diminuta quantidade de vinho extremamente doce vaza das tinas, produzindo a denominada Esszencia (essência), néctar que muito raramente é fermentado separadamente, pois quase sempre é adicionado ao Aszú para ajustar a doçura desejada.

Após serem prensadas, as uvas formam uma pasta (pasta aszú) que é misturada a vinho branco ou mosto em fermentação em barris de 136 litros (gönc). A intensidade da doçura será indicada pela quantidade de tinas vertidas no barril: 3, 4, 5 ou 6 puttonyos (tinas). Após alguns dias de maceração (imersão das cascas no mosto), o líquido resultante é colocado em adegas recobertas pelo fungo racodium cellare, responsável por manter a umidade ideal para o amadurecimento adequado do Tokaji. Além do nobre Aszú, há outros tipos de Tokaji: o Szamorodni, feito a partir de cachos inteiros, podendo conter uvas que não foram beneficiadas pela podridão nobre e produzido em dois estilos: o száras, seco, semelhante ao jerez fino, e o édes, doce. Outros tipos de Tokaji são o Forditás, doce e levemente tânico, feito a partir da pasta de aszú remanescente, que é novamente misturada a mosto e fermentada, e o Máslás, vinho seco obtido a partir da borra de aszú, que é adicionada a mosto e fermentada.

Eger, terra natal do Bull's Blood
   

Despedindo-nos de Tokaj, primeiro local do mundo a criar um sistema de classificação de vinhedos, em 1730, antes, portanto, de Bordeaux e Borgonha, seguimos em direção a Eger, a terra do famoso Bikavér, ou seja, sangue de boi. O curto trajeto cresceu exponencialmente quando o companheiro Roberto Scardua decidiu que viajaríamos a bordo de um carro de madeira, herança tecnológica do comunismo. Colocando no possante rádio-cassete do veículo o álbum One Take Volume Four, de Joe Calderazzo (org), com Robi Botos (p), Phil Dwyer (ts) e Vito Rezza (d), partimos em direção à única cidade do mundo onde existe um Vale da Mulher Bonita, nome que pode ser compreendido pelas fotografias mais abaixo, tiradas em nossa breve visita.

Stalin nunca colocou a bunda num desses, nós sim



A partir da década de 1990, com a queda da cortina de ferro, as pequenas e médias propriedades particulares húngaras voltaram a produzir bons vinhos. Em Eger, com seus solos de loess, tufo e argila, produz-se o robusto bikavér, vinho tinto mais famoso da Hungria. O nome é resultado do cerco à fortaleza de Eger, em 1552. Após ingerirem vários litros de vinho tinto, os soldados húngaros apresentavam-se em batalha com manchas vermelhas na barba e nos uniformes, fazendo com que os assustados turcos dessem no pé, supondo que os húngaros haviam bebido sangue de boi para ficarem mais fortes. O bikavér é um corte de pelo menos três tipos de uvas, sendo a principal delas a kadarka, de difícil cultivo, podendo ser substituída pela kèkfrankos, que é misturada a kékoportó e cabernet sauvignon ou zweigelt. Embora tenha se tornado conhecido em 1945, é a partir da década de 1960 que o bikavér torna-se um dos vinhos baratos mais consumidos na Europa ocidental. Atualmente, produtores como Tibor Gál, têm envidado saudáveis esforços no sentido de conferir qualidade ao sangue de boi, um vinho tradicionalmente simples.

* Aszú significa 'desidratado' em húngaro, termo aplicado à vinicultura para designar uvas com botrítis utilizadas para produzir o tokaji ou, aportuguesando, tócai.










Paula Nadler


Naura Telles


22/07/2011

Lenda Viva - Chris Barber


Quando Vovô Acácio foi convidado por Oscar Niemeyer para projetar Brasília, pouca gente poderia imaginar que deste encontro nasceria uma das mais acirradas polêmicas da história da arquitetura brasileira. Conforme já havia demonstrado no projeto de Welwyn Garden City, inaugurada em 1920, Vovô Acácio era um entusiasta do verde, da coexistência saudável entre árvores, construções, jardins e calçadas. Tendo orientado o arquiteto Louis de Soissons na construção da Welwyn Garden City, a segunda garden city da Inglaterra, Vovô Acácio colocou em prática sua ideia fixa de unir a cidade com o campo, tornando menos inóspita a paisagem urbana, suavizando-a com a presença constante da natureza. Dito isto, claro que seu encontro com o amante brasileiro do concreto foi um desastre. Após a breve reunião, Vovô Acácio perguntava para si mesmo: como é que um comunista pode beber seis garrafas de Château Latour 1934 durante a elaboração de um projeto arquitetônico e, o que é pior, propor a construção de uma cidade totalmente desvinculada de seu entorno?

Nenhum dos apelos de Vovô Acácio junto à imprensa foram ouvidos. Suas reuniões com Juscelino foram em vão. As súplicas ao Papa deram em nada. Brasília nasceu cinza, pesada, sem verde e sem qualquer conexão com os arredores, do que resultou na favelização horizontal da vizinhança, também sem verde e sem jardins, como numa metástase. Visivelmente transtornado, Vovô caminha com dificuldade até a velha estante, de onde retira uma surrada pasta com os projetos originais de Welwyn Garden City, construída quarenta anos antes de Brasília. E cochichava: veja Paulinha, olhe aqui a primeira casa ocupada da cidade jardim, nas vésperas do natal de 1920. Depois, retirando outra foto, disse: está vendo este bebê aqui, é Chris Barber, um dos maiores músicos de jazz da Inglaterra. Sabe onde ele nasceu? Exatamente, em Welwyn Garden City!



Colocando no toca-discos um desconhecido álbum de Chris e apertando entre os dedos a rolha de um dos Château Latour 1934 abertos por Niemeyer durante aquele terrível encontro, Vovô passou a nos contar um pouco mais sobre o músico inglês. Nascido na cidade jardim em 17 de abril de 1930, Chris iniciou os estudos de violino aos sete anos, passando para o trombone aos dezoito e, em 1949, forma sua primeira banda de Dixieland. Entre 1951 e 1954, Chris frequenta a Guildhall School of Music, em Londres, onde estuda trombone e contrabaixo. Nesse período, forma um quinteto e, com a chegada do trompetista Pat Halcox, um sexteto, com o qual se apresenta no Club Creole, também na capital inglesa.

Em 1953, Pat Halcox é substituído por Ken Colyer, talvez o mais importante divulgador do jazz tradicional na Inglaterra. No ano seguinte, com a saída de Colyer, Halcox retorna ao sexteto que, em pouco tempo, alcança grande popularidade e é reconhecido pela crítica especializada como um dos melhores conjuntos de Dixieland da Inglaterra. Em 1954, a cantora Ottilie Patterson passa a integrar a banda e, em 1959, casa-se com Chris, união que duraria até 1983, quando se divorciam. Na década de 1960, com o revival do jazz tradicional na Europa, a banda de Chris tem suas forças revigoradas, além de aproximar-se de outros estilos, como o Swing, o blues e o ragtime. São memoráveis seus encontros com grandes mestres norte-americanos, como Muddy Waters, Sonny Terry, Brownie McGhee, Albert Nicholas, Sidney De Paris, Edmond Hall, Hank Duncan, Russell Procope, Wild Bill Davis e Louis Jordan.



Também o rock e a música clássica são investigados por Chris, músico que já atuou ao lado de lendas como Eric Clapton, Mark Knopfler e Dr. John, além de compor um concerto para trombone e orquestra e gravar como solista com a London Gabrieli Brass. Enfim, um músico comparável ao vinho Château Latour: quanto mais velho, melhor! Nas faixas acima você ouve C Jam Blues (com Albert Nicholas), The Sunny Side of The Street (com Jools Holland), Ragtime Piece (com Mark Knopfler) e Do Lord, Do Remember Me (com Ottilie Patterson, Sonny Terry e Howard McGhee). Quem gostar, plante uma árvore.

09/07/2011

Voz - Luciana Souza

Como diz em seu próprio site, Luciana Souza é uma das mais expressivas e importantes cantoras de Jazz da atualidade. Vencedora do Grammy junto a Herbie Hancock em seu aclamado disco “River – The Joni Letters” em 2008, Luciana também foi nomeada ao prestigioso prêmio com quatro de seus próprios discos: "Brazilian Duos" em 2002, "North and South" em 2003, and "Duos II" em 2005, e seu ultimo disco, “Tide” de 2009. Todas as suas gravações foram aclamadas pela crítica mundial, incluindo “Neruda” de 2004, e seu famoso “The New Bossa Nova” de 2007, produzido por seu esposo, o talentoso Larry Klein, e considerado pela Billboard Magazine como “Latin Jazz Album of the Year”. Luciana Souza nasceu em São Paulo, em 1966, filha dos compositores Walter Santos e Tereza Souza. Cresceu num ambiente extremamente musical, e já era veterana de estúdios aos dezesseis anos, tendo participado em mais de 200 jingles.   

Premiada com bolsas de estudo, Luciana graduou-se no renomado Berklee College of Music, de Boston, em composição, e fez seu mestrado no New England Conservatory. Como professora, Luciana lecionou na Unicamp, Berklee College of Music, e na Manhattan School of Music, de New York. Seu trabalho como cantora transcende barreiras tradicionais de estilo, oferecendo sofisticação e profundidade musical tanto em Jazz, como em Música Popular Brasileira, bem como música clássica, tendo cantado com as maiores orquestras dos Estados Unidos (New York Philharmonic, Boston Symphony Orchestra, Los Angeles Philharmonic, Chicago Symphony) e do mundo, incluindo a OSESP, em repertório que inclui Manuel de Falla, Jobim, Osvaldo Golijov, entre outros.

Seu último lançamento, “Tide”, na Universal Records, apresenta Luciana como compositora e intérprete sem igual. Seu canto é considerado “perfeito” pela Billboard Magazine, que declarou que “Tide” é um dos melhores discos de 2009. Produzido por seu esposo, Larry Klein, “Tide” conta com a participação dos veteranos Romero Lubambo, Cyro Baptista, Vinnie Collaiuta, Larry Goldings, Larry Koonse, e Rebecca Pidgeon. Luciana consegue fazer definitivas interpretações de “Adeus América” e “Sorriu Para Mim”. O grande poeta Brasileiro Paulo Leminski é homenageado, bem como o Americano e.e.cumming, em belas canções musicadas por Luciana.

Luciana Souza já participou de concertos e gravou com músicos do calibre de Herbie Hancock, Paul Simon, Bobby McFerrin, Milton Nascimento, Maria Schneider, Danilo Perez, John Patitucci, Hermeto Pascoal, e Chris Potter, entre outros. Em 2005, Luciana foi premiada como Melhor Cantora De Jazz pela Jazz Journalists Association.

Para os amigos, deixo as faixas Corcovado e Chega de Saudade, retiradas do álbum Norte e Sul, lançado em 2003 pela Sunnyside. Com ela estão Fred Hersch (p), Donny McCaslin (ts), Scott Colley (b) e Clarence Penn (d).



E, aproveitando o friozinho, seguem cinco dicas de vinhos nacionais a bons preços:

Aurora Reserva Tannat 2009 - Após dez meses em barricas de carvalho francês e americano, este tinto da Serra Gaúcha surpreende com seus aromas de frutas vermelhas, embora seus taninos selvagens impressionem as bocas mais sensíveis. Na faixa de R$28,00.

Pequenas Partilhas Carmenère 2009 - Outro bom vinho da Aurora, dessa vez com taninos mais comportados e bom volume após meia hora de decantação. Por volta de R$37,00.

Merlot Reserva Pizzato 2006 - Também da Serra Gaúcha, mais precisamente do Vale dos Vinhedos, este tinto passa sete meses em barris de carvalho, o que lhe fornece bom equilíbrio, com taninos suaves e acidez correta. Na faixa de R$37,00.

Dal Pizzol Touriga Nacional 2009 - A cepa portuguesa saiu-se bem neste tinto nacional, de cor profunda, persistente na boca com seus elegantes taninos. Por volta de R$45,00.

Pizzato DNA99 2005 - Merlot de boa safra produzido em Bento Gonçalves, com especiarias e bom equilíbrio. Na faixa de R$110,00.

Bom inverno a todos!


13/06/2011

Jazz Criollo - Argento Parrilla

                                                                                
É com grande prazer que recebemos em Vila Velha, Espírito Santo, o primeiro restaurante genuinamente argentino, situado na Rua Afonso Pena, 677, na Praia da Costa. O Argento Parrilla é comandado pelo simpático casal Fernando e Carol, sempre dispostos a nos acolher e servir da melhor maneira possível. A amizade foi, digamos, imediata. Após uma breve visita do casal à Casa Bonita, resolvi que deveria responder à altura ao espetacular lomo ao molho de malbec que o casal havia servido em minha última visita ao restaurante. Perguntando a Fernando se gostava de jazz, prometi a ele duas surpresas: apresentar-lhe um músico de jazz e um vinho argentinos que ele não conhecesse. Ele sorriu e disse que não acreditava que isso pudesse acontecer, dada sua vasta experiência sonora e etílica na terra das milongas. Preocupado, resolvi vasculhar minha desorganizada estante, em busca de algum músico bem estranho, sem esquecer de provar antes uma garrafa do vinho escolhido, um Bramare 2006, malbec produzido pela Viña Cobos, envelhecido 18 meses em barris novos. Ele já não é encontrado no site da Grand Cru, onde somente comparece o da safra 2008 que, acredito, deve manter o surpreendente equilíbrio entre elegância e potência, com a poderosa explosão de framboesa que pode até mesmo destruir narinas mais delicadas. A safra 2006 estava perfeita, agora só faltava o tal músico de jazz argentino...



Decidi por Barbieri. Ao chegar no restaurante, Fernando sorriu a valer, dizendo que possuía toda a obra de Leandro 'Gato' Barbieri, que adorava o saxofonista, etc e tal. Foi então que lhe perguntei se apreciava também a música do irmão do saxofonista, o trompetista Rubén Barbieri. Visivelmente surpreso, Fernando disse que nem sabia que Leandro tinha um irmão e muito menos que era um trompetista de jazz. Sacando do bolso o álbum Radio Auditions & El Perseguidor, solicitei ao amigo dos pampas que o colocasse a tocar. Partindo em direção ao meu segundo gol, coloquei sobre a mesa o tal malbec, identificado imediatamente por Fernando como um dos melhores produzidos na argentina. Jogo empatado em 1x1, só restou-me contar um pouco sobre a estória desse esquecido músico argentino.

Rubén nasceu em Rosario, no dia 12 de dezembro de 1928. Após algumas aulas com Alfredo Serafino, aos treze anos já apreciava o jazz (as primeiras influências ficaram a cargo das orquestras de Glenn Miller e Duke Ellington, líderes que fizeram com que se apaixonasse completamente pelo jazz) e aos quatorze já estava apto a tocar na orquestra de Adolfo de los Santos, onde conhece os trompetistas Tomás Lepere e Rafael Morelli. Em seguida, Ruben é convidado a tocar com René Cóspito, em Buenos Aires. Na década de 1950, ele e o irmão passam a frequentar o Bop Club de Buenos Aires, onde colocam em prática, respectivamente, os estilos lançados por Miles Davis e Lee Konitz, então considerados pioneiros do estilo cool jazz. É nesse ambiente fértil que conhecem grandes músicos argentinos, como o saxofonista Luis Horacio 'Chivo' Borraro e o trompetista Roberto Branca.

Além de apresentar o cool jazz à Argentina, Ruben manteve-se toda a vida na vanguarda, sobretudo por sua participação na Agrupación Nueva Música, também denominada Agrupación Nuevo Jazz, formada na década de 1960. Além de excelente instrumentista, Ruben destacou-se também como professor (Leandro foi seu primeiro aluno) e como compositor, chegando a compor a trilha sonora do filme El Perseguidor, de Osías Wilenski, baseado num conto homônimo de Julio Cortázar sobre Charlie Parker.

Embora atuante tanto como músico quanto como professor, Rubén nos deixou em 17 de março de 2006, em Buenos Aires. Para os amigos, as faixas La calle del delfin verde, Recordaré abril e Vida fácil. Com Rubén estão Rodolfo Alchourron (g), Jorge 'Negro' Gonzalez (b) e Norberto Minichillo (d). Imaginem ouvir esse som no Argento Parrilla, um restaurante que, respeitadas as normas básicas sobre o tema, não cobra a rolha! 

  

27/02/2011

Jazz criollo - Enrique Mono Villegas

A grande dúvida: o espetacular corte Cuvelier Los Andes 2006 deveria ter sido desarorolhado ou não? Seus 70% de malbec, com 10% de cabernet sauvignon, 10% de merlot e 10% de syrah estariam ou não prontos para beber? Paula Nadler objetou que, embora seus taninos já estivessem devidamente aparados e contidos, o corpulento corte argentino certamente envelheceria bem por mais um ou dois anos. Eu, após sorver até a última gota do escuro  e sedoso néctar, percebi que não havia qualquer sedimento na garrafa de rótulo simples e discreto. Fiz notar apenas que pagamos R$70,00 num vinho que é vendido por R$198,00 no Brasil, trazido pela Expand. Se erramos, saberemos apenas ano que vem, quando será aberta a garrafa de mesma safra que Paula contrabandeou para o Brasil em seu estojo de maquiagem. Perambulando pela cidade, passamos a conversar sobre outra grande paixão argentina: livros. Desconhecemos bibliografia disponível mais completa sobre o jazz argentino que El jazz criollo y otras yerbas, escrito por Walter Thiers e publicado pela Corregidor. Embora haja um bom número de livrarias em Buenos Aires, não é um livro fácil de ser encontrado. Da mesma editora, mas impossível de ser localizado, exceto, talvez, em sebos, é Memorias del jazz argentino: décadas del '40 e del '50, escrito por Ricardo Risetti. E, na era do mp3, formidável a quantidade e qualidade de lojas de cd's na capital porteña. Uma das melhores que conheci foi a Miles, localizada na Rua Honduras, em Palermo, um bairro agradável, muito arborizado, repleto de lojas, cafés, sorveterias e livrarias interessantes, como a Prometeo. E foi na Miles que encontrei uma fartura surpreendente de álbuns de jazz argentino. De pouco em pouco, fui distraidamente selecionando aqueles que considerei mais próximos a meu estilo predileto, o Hard Bop. Quando dei por mim, carregava 40 cd's nas mãos sedentas, ocasião em que fui abordado por gentil vendedora, oferecendo-me ajuda e perguntando se gostaria de uma cesta. Percebendo a situação absurda em que me encontrava, dirigi-me rapidamente ao caixa, aguardando a profunda punhalada em minha carteira. Mas que boa surpresa verificar que, em média, cada cd custava em torno de 25 pesos, algo equivalente aos nossos R$10,00, coisa inacreditável para quem está acostumado aos preços aviltantes do cd no Brasil. Feliz da vida, corri para o hotel, onde certamente poderia ouvir alguns álbuns antes de terminada a viagem.

Comecei pelo álbum Enrique Mono Villegas Vol. 2, lançado pelo selo Melopea, um dos melhores selos de jazz da argentina, reunindo em seu extenso catálago muitos dos principais músicos do estilo. Villegas nasceu em Buenos Aires, no dia 3 de agosto de 1913.  Órfão cedo, foi criado pelas tias, que sempre lhe deram muita liberdade para fazer o que quisesse. Aos sete anos, já tocava Mozart corretamente. Aos nove, conhece o jazz através do professor Alberto Williams, que lhe permitia tocar todos os estilos, desde o tango até o stride. Em 1932, estréia o Concerto para piano e orquestra, de Ravel, no Teatro Odeón, em Buenos Aires.  Por essa época, dedica-se mais seriamente ao jazz, tendo por norte músicos como Art Tatum, Fats Waller, Duke Ellington e Louis Armstrong, influências que mais tarde seriam complementadas por músicos do Bebop. Também em 1932, estréia Rhapsody in Blue, de Gershwin. Na década de 1940, Villegas compõe (Jazzeta, primer movimiento) e lidera uma série de formações, como o Santa Anita Sextet (com o trompetista Juan Salazar, o clarinetista Panchito Cao e o saxofonista tenor Chino Ibarra) e o combo Los Punteros (com o saxofonista Bebe Eguía).

Em 1955, segue para New York, onde gravaria com Milt Hinton e Cozy Cole, para a Columbia. Apaixonado pelo cinema, permanece nesta cidade, assistindo a todos os filmes que pode, além de tocar em diversos bares de jazz, onde trava contato com músicos como Cole Porter, Count Basie, Nat King Cole e Coleman Hawkins. Em 1957, em Cleveland, teve o privilégio de ouvir Duke Ellington, uma de suas primeiras influências. Na década de 1970, já de volta à Argentina, apresenta-se para um público de 20.000 pessoas, interpretando novamente a Rhapsody in Blue, no clube Vélez Sarsfield. Em 1975, apresenta-se no Teatro Cólon, tocando jazz. Sua estranha figura encurvada, com olhos penetrantes e mãos ariscas, foram os responsáveis por uma série de apelidos, tais como quasímodo, duende e mono (macaco). Apaixonado também pelas mulheres e pela noite, Villegas foi um dos artistas mais importantes de sua geração, daí suas amizades com gente como o escritor Jorge Luis Borges, o pintor Xul Solar e Astor Piazzola, que lhe dedicou o tema Villeguita. Embora ricamente influenciado pela música folclórica, seu estilo demonstra um domínio perfeito da inteligência delicada de um Bill Evans e da genialidade rude de um Thelonious Monk. Para os amigos, deixo a faixa Blue Orchids , retirada do álbum acima citado.


31/01/2011

Taras - Michel Donato & Guillaume Bouchard

Certa vez meu amigo John Lester comentou que, de todas as taras sexuais, a que mais lhe causava ojeriza era a abstinência. Tem coisa mais nojenta que o celibato, perguntava-me Lester enquanto engolia ostras vivas e sorvia uma bela taça de La Gitana, um espetacular manzanilla produzido pela bodega Hidalgo, localizada na úmida cidade de Sanlúcar de Barrameda, na região de Jerez. Sim, Jerez, além de ser um dos vinhos mais importantes do mundo, somente comparável em complexidade ao Champanhe e ao Porto, é também uma região da Andaluzia, minha terra natal. Nascido em Cádiz, ainda criança aprendi a ser homem, ou seja, gostar de touradas, dançar flamenco, fumar charuto e ingerir jerez que minha avó embebia no pão. Depois vieram outras diversões menores, como os cavalos e as mulheres andaluzes, os primeiros com suas crinas imensas, as segundas com seus buços fartos, talvez pela proximidade com Portugal, vai saber. Estávamos na Casa Bigote, na praia de Bajo de Guía, onde se pode comer os melhores gambas al ajillo (camarões ao alho) do mundo. Estávamos ali para que Lester compreendesse melhor o labiríntico processo de produção do jerez, elaborado mediante um sistema denominado solera, que consiste em fileiras de velhos barris sobrepostos. Normalmente, a solera possui uma pilha formada de quatro ou cinco fileiras e os barris são de carvalho americano, com capacidade para 600 litros cada um. Cada vez que se retira o vinho pronto dos barris da fileira mais baixa, esta recebe o vinho contido nos barris da fileira imediatamente superior e assim sucessivamente, até que o vinho mais novo é colocado nos barris da fileira mais alta. Como, em média, os barris da solera têm mais de cem anos e considerando que nenhum deles jamais é esvaziado completamente, é impossível determinar a idade exata de um jerez, uma vez que é produzido por uma complexa mistura de vinhos com idades diversas. Sabe-se apenas que o jerez é produzido somente a partir de uvas brancas, sendo a mais importante delas a Palomino. O vinho novo, aquele que será colocado na fileira superior da solera, é feito normalmente, exatamente como se produz vinhos brancos: após esmagadas as uvas, o mosto é colocado para fermentar em tanques de cimento ou de aço inoxidável. Depois de ser fortificado com aguardente de uva, o vinho é colocado em barris separados por cerca de um ou dois anos, para que adquira complexidade. Este é o vinho novo, conhecido como añada (vinho do ano), pronto para ser colocado na fileira mais alta da solera. Quando Lester ameaça perguntar sobre os vários tipos de vinho jerez, chega nossa deliciosa porção de angulas, diminutas enguias brancas, do tamanho de palitos de fósforo, salteadas no azeite fervente e alho. Uma iguaria, murmurava Lester.

Solicitamos então uma botija de Inocente, um fino produzido pela Bodega Valdespino e famoso pelo acentuado aroma de musgo, e prosseguimos: há diversos tipos de jerez, desde os do tipo fino, que são leves, secos e vivos, até os do tipo oloroso, que são encorpados, mais escuros, com sabor sabendo a nozes e, em alguns casos, doces. Poderíamos citar ao menos sete tipos de jerez: manzanilla, fino, amontillado, palo cortado, oloroso, cream sherry e Pedro Ximénez. Diante disso, decidimos visitar uma bodega, onde Lester efetivamente participaria da produção de jerez, rolando barris (ver foto) e compreendendo melhor o papel da flor na definição de um jerez. A flor, expliquei a Lester, é uma levedura natural que se forma nos barris e quase sempre causa problemas ao vinho. Mas, na úmida região de Jerez, a flor beneficia a produção do tipo fino, alimentando-se dos açúcares, do óleo fúsel e outros resíduos, além de impedir o contato do vinho com o ar, evitando a oxidação. Assim, os barris que desenvolvem muita flor, vão para a solera de fino; os outros irão para a de oloroso. Quando já cansados e bêbados retornávamos para casa, o sempre inusitado Lester perguntou-me: amigo, qual a tara musical que mais lhe atormenta? Respondi de imediato: os duos de contrabaixo! Sei, aquiesceu Lester compreensivo, pedindo-me detalhes mais sórdidos. Contei-lhe que tudo começou com o álbum Oscar Peterson And The Bassists, gravado ao vivo em Montreux em 1977 e lançado pelo selo Pablo Live. Com o pianista de mil dedos estavam Niels Pedersen e Ray Brown. Começava ali essa minha tara absurda, ainda que em forma de trio. Mais tarde experimentei algo similar, com o álbum Double Bass, de Niels Pedersen e Sam Jones, lançado pela SteepleChase em 1976. A sensação perdeu-se em virtude da presença de Philip Catherine na guitarra e , sobretudo, de Billy Higgins na bateria. Somente fui encontrar o que desejava realmente no álbum Happy Blue, de Michel Donato e Guillaume Bouchard, lançado em 2007 pelo selo Zig Zag Territories. Era isso! Um álbum de jazz com apenas dois contrabaixistas! 

Michel Donato nasceu em Montreal, no dia 25 de agosto de 1942, no seio de uma família musical. Seu avô tocava violino, o pai saxofone, flauta e piano e o tio contrabaixo. Aos dez anos, inicia por conta própria os estudos de acordeão, passando para o piano aos doze. Somente aos dezesseis volta-se para o contrabaixo, contrabass ou double bass, como dizem por aí. Durante os três anos de estudos formais na Academia de Música de Quebec, Donato toca em alguns clubes de jazz com o pai. Depois, passa alguns meses estudando com a Orquestra Sinfônica de Montreal. Sua carreira profissional deslancha na década de 1960, quando chega a tocar com Art Blakey e Carmen McRae, além de atuar como músico de estúdio e integrar a orquestra da CBC em Montreal. Na década de 1970, visita os EUA, Europa, Ásia e Nova Zelândia, passando a integrar durante dois anos o trio de Oscar Peterson. De volta ao Canadá, Donato passa  a tocar em clubes, como o House Rhythm Section, em Toronto, e atuar como freelance em concertos e festivais, acompanhando músicos notáveis, como o pianista  Bill Evans. Como todo generoso mestre, passa a lecionar na McGill University e na Montreal University, mantendo-se até hoje em plena atividade, inclusive na produção de trilhas sonoras. Para os amigos fica a faixa Nuages , retirada do álbum Happy Blue.  Sonolento, Lester ainda chegou a resmungar: poderia ser pior meu velho; poderia ser um álbum de contrabaixo solo...



06/08/2010

Delícias da África


Por muito pouco minha aventura na África não terminou em tragédia: incentivado por alegres nativas, besuntei todo o corpo com uma mistura estimulante de casca pulverizada de akyie fofo com pimenta moída: após 16 horas ininterruptas de folguedos e cópulas, pude perceber os primeiros sintomas do vômito jamaicano, doença causada pelos peptídeos hipoglicina A e B, ambos altamente tóxicos, encontrados na akyie fofo ou, como é mais conhecida no Brasil, akee ou castanheira-da-áfrica. Logo eu, tão acostumado a preparar um bacalhau refogado em akee, gordura de porco, cebolas, pimentão e tomates, fui esquecer que apenas o arilo das sementes da castanheira-da-áfrica é comestível, sendo todas as demais partes da planta altamente tóxicas, causando queda da glicose do sangue, vômitos, lesão hepática, crises convulsivas e até mesmo a morte. Por sorte, estávamos acompanhados por Gil Felippe, Ph.D. em botânica pela Universidade de Edimburgo, Escócia, professor da Unicamp e membro titular da Academia de Ciências de São paulo: não fosse sua astúcia e agilidade, fazendo-me engolir de uma só vez 63 jenipapos selvagens, provavelmente eu teria sido abraçado por Exu.

Reabilitei-me ouvindo o saxofone barítono de Virgil Gonsalves , em companhia de Bob Enevoldsen (vtb), Buddy Wise (ts), Lou Levy (p), Harry Babasin (b) e Larry Bunker (d), álbum gentilmente cedido por Jacques enquanto viajávamos sobre confortáveis corcovas de camelos em direção ao norte da África. Minha amizade com o advogado Jacques Vergès, mais conhecido como l'avocat de la terreur, começou em minha primeira viagem ao norte da África. Através dele conheci um outro lado do ex-delinqüente Gérard Depardieu, grande ator que encontrei em meio às videiras de St. Augustin, na Argélia, onde produz um encorpado tinto.

Nem todos sabem que o narigudo francês é co-proprietário com Alain Paret de uma decente vinícola em Condrieu, norte do Rhone, onde produz um agradável branco a partir da viognier, variedade gaulesa de alta qualidade e baixo rendimento. Foi somente em minha segunda viagem ao norte da África, que descobri com Gérard que Marrocos, Tunísia e Argélia eram responsáveis, na década de 1950, por 2/3 do comércio internacional de vinhos, muito por conta da exportação para a França. A Argélia, por exemplo, chegou a ser o maior exportador de vinho do mundo por ampla margem. Após a independência, com o bloqueio francês, toda a região deteriorou-se, aniquilando a vinicultura no país. Por sorte, mais de 50 anos livres da opressão colonialista, alguns países estão conseguindo lentamente reerguer sua vocação vinícola, como é o caso do Marrocos que, após sua libertação da França, em 1956, e mesmo tendo perdido 82% de suas videiras, já consegue produzir alguns vinhos bastante honestos, como é o caso do Ksar Rouge, um corte de merlot, carignan, cabernet sauvignon e syrah, produzido pela Les Celliers de Meknès.

E assim foi. Prometo aos milhares de assíduos leitores do Jazzseen retornar em breve, assim que terminar de ler o Dicionário de Fernando Pessoa, lançado pela Leya, e após redigir uma pequena orelha de um grande livro que já está no prelo. Notícias em breve!


22/05/2010

Diversa Estação

Sempre fui atacado por afirmar que a Third Stream é como um encorpado tinto californiano semelhante a um grand cru borgonhês. É certo que o vinho da California, assim como o jazz ali produzido, sempre demonstrou singular apreço pelos modelos europeus clássicos, muito embora a produção de jazz e vinhos varietais possa dissimular, num primeiro momento, essa inegável empatia histórica. E, na tentativa de comprovar nossa teoria, já traçamos breves notas anteriores sobre a Third Stream em nosso blog, o que demonstra não somente nosso apreço pelo vinho californiano, como também nossa simpatia por esse estilo de jazz menos festejado. Quando falamos em Third Stream logo nos vêm à cabeça os álbuns que Jacques Loussier gravou na década de 1950 com seu trio, onde temas de Bach serviam de pretexto para seus improvisos. A expressão 'third stream' fora inventada por Gunther Schuller em 1957, tendo como principais protagonistas músicos como John Lewis, pianista do Modern Jazz Quartet, J.J. Johnson e Bill Russo, além do próprio Schuller. A difícil associação entre a música clássica européia e o jazz tem sofrido de males estruturais que, dadas suas envergaduras, condenaram o movimento quase que exclusivamente ao improviso sobre temas clássicos famosos, muito embora sejam louváveis os esforços no sentido de uma combinação menos óbvia. Assim como no famoso julgamento de Paris, onde especialistas de renome foram incapazes de diferenciar os vinhos californianos dos vinhos franceses, há casos em que não somos capazes de distinguir nitidamente se aquilo que ouvimos é ou não third stream. Vejam o caso da faixa a seguir - - que é o primeiro andamento do segundo concerto de As Quatro Estações, de Vivaldi, interpretado pelo Roma Trio: Luca Mannutza (p), Gianluca Renzi (b) e Nicola Angelucci (d). Saúde!      

02/05/2010

Age Gets Better with Wine

Can drinking red wine save your life? Scientific breakthroughs within the past several years suggest that it may not be an unreasonable question. Red wine s miracle molecule, resveratrol, has been proven to extend life dramatically in experimental animals, and in the short time since the first edition of Age Gets Better with Wine it has practically become a household word. But resveratrol is only one of a family of compounds called polyphenols that may hold the key to preventing Alzheimer s disease, heart disease, and everything from cancer to the common cold. With new discoveries come new controversies though; Age Gets Better with Wine explores the question of whether the benefits of healthy drinking can be put into a pill, and delves into the science behind the secret to living longer and living better with wine. Dr. Baxter is a well-known plastic surgeon in the Seattle area. He has been interested in the topic of wine and anti-aging for several years and lectured extensively on wine and health. He is a Medical Director for Healthy Aging magazine for physicians, and has published original research on resveratrol and the anti-aging properties of wine. O livro está a venda aqui na Amazon. Segundo a Revista Adega "De acordo com o cirurgião plástico Richard A. Baxter, a mais nova prática contra o envelhecimento não necessita de injeções ou cremes faciais, mas apenas uma taça. O autor de Age Gets Better with Wine garante que, com uma taça de vinho tinto por dia, as mulheres podem ficar mais bonitas. Para Baxter, a causa deste pequeno "milagre" são os antioxidantes presentes no tinto.

Durante um encontro anual dos cirurgiões plásticos dos EUA, ele afirmou que os antioxidantes conseguem "enxugar" os radicais livres que desempenham papel crucial no envelhecimento e no desenvolvimento de doenças relacionadas à velhice. O cirurgião também afirmou que, apesar de não estar comprovado, acredita que o stress tem papel importante nisso. "O vinho faz parte da dieta mediterrânea, que ainda conta com frutas e vegetais, e foi comprovado que esta dieta está associada à longevidade e hábitos mais saudáveis", o que torna a pessoa menos estressada e combate o envelhecimento precoce. "Quem seguir esses conselhos, de uma taça de vinho por dia para mulheres e duas para homens, vai ficar mais bonito, com a pele mais viva e brilhante", concluiu dr. Baxter. Para acompanhar a taça, Rhythm-A-Ning, com Branford Marsalis (as), Joey Calderazzo (p), Eric Revis (b) e Jeff Tain Watts (d). Que solo é esse de Joey? O álbum é o recente Metamorphosen. Tim tim!



26/04/2010

A insuportável leveza do ser

Se John Lester não resolvesse comentar, eu nunca saberia que o terceiro país mais alto da Europa era a Espanha, minha terra natal. Seus 600m de altitude média são ultrapasssados somente por Suíça e Áustria que, vocês sabem, são países alpinos. E isso é bom para os vinhos, resmungava Lester enquanto caminhávamos pelas calcáreas trilhas de Montsant, região de Tarragona, vizinha do Priorato. Montsant está situada na Cataluña, sendo uma de suas DO (Denominación de Origen). Sim, na Espanha temos a seguinte classificação para os vinhos:

1) Vino de Mesa (VM), é o mais simples, equivalente ao Vin de Table francês - não pode indicar no rótulo safra nem uva; 2) Vino de la Tierra (VdlT), é um pouco melhor que o Vino de Mesa, mas sem guardar pretensões mais sérias de qualidade - equivale ao Vin de Pays francês; 3) Vino de Calidad con Indicación Geográfica (VCIG), terceiro degrau de qualidade, deve manter-se cinco anos nessa classificação para que possa reivindicar a DO - equivale ao Vin Delimité de Qualité Supérieure francês; 4) Denominación Específica (DE), invenção da legislação espanhola pouco utilizada na prática, baseada no método de produção, que deveria ser aplicada aos espumantes, tais como Cava e Granvás - atualmente, essa classificação não mais existe na legislação espanhola e todo Cava equivale a um DO; 5) Denominación de Origen (DO), abrange a maioria dos vinhos espanhóis de qualidade, sendo equivalente à italiana Denominazione di Origine Controllata; 6) Denominación de Origen Calificada (DOCa), honraria concedida a vinhos de qualidade excepcional, equivalente à italiana Denominazione di Origine Controllata e Garantita - somente Rioja e Priorato a detêm; 7) Denominación de Origen de Pago (DOP), outra invenção espanhola, destina-se a vinhos produzidos em pequenas propriedades, cujas características de clima e solo conferem personalidade única ao vinho ali produzido.

Pois bem. Paramos numa taberna simples e acolhedora da região, na expectativa de descansar e beber. Foi grande a surpresa quando percebemos que a música ambiente era Ted Curson. Animado, Lester resolveu abrir uma garrafa de Flor de Englora 2006, um belo corte com 63% de Red Grenache, 32% de Carignen, 2% de Merlot, 2% de Syrah e 1% de Ull d'llebre, produzido pela Cellers de Baronia, localizada em Montsant. Apesar do envelhecimento em inox, recebeu 92 pontos de Robert Parker, um confesso admirador do envelhecimento em barricas de carvalho, responsável em boa parte pelo potente estilo californiano. Enquanto apreciávamos o solo de Herb Bushler ao contrabaixo, Lester afirmou que certamente foram lançadas lascas de carvalho francês aos tanques de inox que acolheram o interessante vinho, prática que, embora seja condenada veementemente por alguns ortodoxos, inegavelmente concede caráter e timbre ao tinto espanhol de preço bastante honesto: R$50,00 na Casa Bonita. Mordiscando uma torrada encharcada em azeite nativo, Lester disse nunca compreender a crítica quando atribuía à música de Ted um caráter abstrato e incompreensível: trata-se, dizia Lester, de um Hard Bop da melhor qualidade, claro que com um tempero de liberdade e experimentação que, se não chega a Avant Garde propriamente dita, aproxima-se bastante do melhor jazz produzido na década de 1960, como, por exmplo, o de John Coltrane.

Ted Curson nasceu em 3 de junho de 1935, na Philadelphia. Aos 12 anos, já tocava em festas e, após algumas aulas com o saxofonista Jimmy Heath, parte para New York, onde trabalharia com excelentes músicos, entre eles Mal Waldron, Red Garland e Cecil Taylor. Entre 1959 e 1960, Ted integra o grupo de Charles Mingus, período em que atua ao lado de músicos como Eric Dolphy, Booker Ervin, Yusef Lateef e Joe Farrell. Em seguida, Ted forma seu próprio conjunto, ao lado do saxofonista Bill Barron, com quem grava Tears For Dolphy, em 1964. Após trabalhar com Max Roach, em 1965 Ted parte para a Europa, atuando na Dinamarca, França e Suíça, onde integra a orquestra Zurich's Playhouse. Na década de 1970, Ted divide-se entre Paris e New York, trabalhando com diversos músicos, entre eles Andrew Hill e Kenny Barron. Interessado na divulgação do jazz, Ted apresenta-se e participa de workshops em diversas universidades, entre elas a UCLA, a University of Vermont e a Vallekilde Music School, na Dinamarca. Além de apresentar um programa de rádio na década de 1980, Ted continua atuando e gravando, sempre com sua técnica impecável e seu fraseado veloz e complexo. Para os amigos fica a faixa East 6th Street, retirada do álbum Tears For Dolphy. Com ele estão Bill Barron (ts), Dick Berk (d) e Herb Bushler (b). Saúde!





08/04/2010

Os benefícios da segunda fermentação

John Lester ainda nem era nascido quando comecei a trabalhar na Hanzell, no final da década de 1950. Localizada em Sonoma, California, essa pequena vinícola foi o berço da revolução que, duas décadas mais tarde, colocaria os vinhos californianos em pé de igualdade com os franceses, até então tidos como o padrão indiscutível de excelência. Foi ali, atuando como auxiliar direto de Bradford Webb, bioquímico graduado em Berkeley que dirigia a vinícula sob o título de maître de chai (mestre de adega), que aprendi os rudimentos da vitivinicultura. Sim, quando desembarquei na California, como mais um clarinetista de jazz desmpregado, eu não entendia absolutamente nada sobre vinhos ou videiras e admito que cheguei a plantar algumas mudas de cabernet sauvignon de cabeça para baixo, no que fui prontamente advertido por Peter Mondavi, o famoso vinicultor da Charles Krug Winery, meu primeiro empregador na região. Mas aprendi rápido de que lado brotam as uvas e caí nas graças de James Zellerbach, empresário de sucesso que eu havia conhecido durante a execução do Plano Marshall, que promovia a reconstrução da Europa após a Segunda Guerra. Cavaleiro da Confrérie des Chevaliers du Tastevin, associação que enaltece o vinho da Borgonha, Zellerbach aprendeu a admirar os dois vinhos mais respeitados da região: o pinot noir e o chardonnay, especialmente o tinto Romanée-Conti e o branco Meursault. Foi ali, tocando Debussy durante um desses encontros, que Zellerbach convidou-me a tocar cool jazz na California, estilo que, segundo ele, eu certamente aprovaria.

Retornando aos EUA, Zellerbach decide que produziria na California seus dois vinhos favoritos, contando para isso com sua vinícola (foto) construída em madeira e telhas de ardósia, nos moldes da Clos de Vougeot, na Borgonha, onde aconteciam as reuniões da Confrérie. Seu objetivo era o de produzir vinhos tão bons quanto os franceses e para isso contou com a ajuda dos pesquisadores da Universidade de Davis e os conhecimentos dos maiores especialistas em vinhos da California e da França, entre eles Ivan Schoch, Louis Latour, André Tchelistcheff, Harold Berg e John Ingraham. Foi com a ajuda dessas pessoas que Zellerbach trocou os grandes barris de sequóia ou carvalho americano, comuns na California, pelo envelhecimento em pequenos barris de carvalho francês. Além disso, construiu imensos tanques de aço com parede dupla, por entre as quais fazia circular água resfriada, mantendo assim a temperatura ideal para a fermentação, o que mantinha o sabor frutado dos vinhos, eliminando o característico sabor 'queimado' dos vinhos californianos, quase sempre fermentados muito acima das temperaturas européias. Foi também na Hanzell que se evitou o escurecimento do vinho branco, decorrente da oxidação resultante do excessivo contato com o ar, o que lhes retirava o sabor e os tornava acastanhados. O problema foi eliminado colocando-se uma camada de nitrogênio sobre os tanques.

Contudo, a maior inovação trazida pela Hanzell foi o controle da fermentação malolática, isto é, a segunda fermentação pela qual passa o vinho, tornando-o mais suave e maduro. A fermentação malolática ocorre normalmente nos vinhos da Borgonha feitos a partir da pinot noir e da chardonnay, enquanto descansam nos barris. Mas, na California, as coisas não eram assim tão simples. A segunda fermentação raramente ocorria em barril e, em certas ocasiões, dava-se no vinho já engarrafado, fornecendo-lhe uma efervescência que poderia fazê-lo explodir. Sabendo que a segunda fermentação era responsável pela eliminação do terrível ácido málico, sendo fundamental para atingir o nível de excelência francês, Zellerbach e seus colaboradores persistiram em conseguir uma segunda fermentação induzida por leveduras, até que, em 1959, a Hanzell produziu o primeiro vinho da história a ter uma segunda fermentação controlada. Em Roma, servindo como embaixador na Itália, Zellerbach servia seus vinhos aos convidados, sem lhes contar a procedência. E imaginem como ficava feliz quando alguém lhe dizia que seus pinot noirs e chardonnays eram certamente borgonhêses. James Zellerbach morreu em São Francisco, no dia 3 de agosto de 1963. Infelizmente, sua esposa nunca demonstrou interesse pela vinícola e a safra de 1963 sequer chegou a ser produzida. Meu único consolo é ter bebido com James um maravilhoso Hanzell Pinot Noir 1962, durante o show de Albert Ayler na Finlândia, no dia 30 de junho de 1962. De tão bom o vinho, até Ayler soava mais macio e sedutor. Para os amigos fica Summertime, faixa que certamente foi beneficiada pela segunda fermentação. Com Ayler estão Heikki Annala (b), Herbert Katz (g), Martti Äijänen (d) e Teuvo Suojärvi (p).

03/04/2010

Big Al

Foi grande a correria até o supermercado Perin quando soubemos que o espetacular Marchigüe Private Collection Cabernet Franc 2004 estava em promoção: de R$130,00 por R$90,00. Não é um bom desconto, perguntava-me Lester enquanto carregava seu carrinho com o maior número de garrafas que seu bolso permitisse pagar. E o que seria de nosso bom e velho Cod Gadus Morhua sem um acompanhamento adequado, continuou resmungando Lester, visivelmente satisfeito com os vinhos da família Errázuriz Ovalle, proprietária de mais de 2.000 hectares no Valle de Colchagua, região de clima e solo extraordinários que fornecem alguns dos melhores vinhos chilenos, como o Alpha M, da Viña Montes e o Clos Alpata, da Casa Lapostole. E assim foi a semana santa, com Lester pronunciando blasfêmias como "quanto mais próximo da Igreja, mais longe de Deus" ou "o diabo é um otimista se pensa que pode piorar as coisas". A única alternativa capaz de acalmá-lo foi um álbum de Al Sears, saxofonista do Swing pelo qual Lester guarda sincera simpatia. Albert Omega Sears nasceu no dia 21 de fevereiro de 1910, em Illinois. Após algum tempo tocando saxofone alto e barítono por estados do nordeste dos EUA, aos dezoito anos Al muda-se para New York e passa a tocar o saxofone tenor, sendo prontamente recrutado pelas melhores bandas da cidade, como as de Chick Webb, Zack Whyte, Elmer Snowden, Andy Kirk e Lionel Hampton. Em 1944, substitui Ben Webster na banda de Duke Ellington, onde permaneceria por cinco anos, sendo substituído por Paul Gonsalves. Nesse mesmo ano, começa a trabalhar na banda de Johnny Hodges, que alcança grande sucesso com Castle Rock, composição de Al. Além de montar suas próprias bandas, Al apresenta-se em conjuntos de R&B, passando a adotar o nome Big Al Sears, e montando sua própria editora musical em parceria com Budd Johnson. Lembrado como um vigoroso saxofonista tenor, de tonalidade áspera, poucos sabem reconhecer em seu toque a sofisticação que permeia seu forte e amplo fraseado. Para os amigos, fica a faixa Sweet Georgia Brown, retirada do excelente álbum Jazz Archives Nº 210 - Big Al Sears: The Rocking & Honking Tenor. Com ele estão Emmett Berry (t), Lawrence Brown (tb), Johnny Hodges (as), Leroy Lovett (p), Barney Richmond (b) e Sonny Greer (d).

30/11/2009

Elas também tocam jazz: Paula Shocron

Na Argentina, nem só de malbec vive o vinho, nem só de tango vive a música. Em Luján de Cuyo, região de Mendoza, certos dias permitem a belíssima visão de brancas montanhas congeladas sobre um imenso tapete verde formado por centenários vinhedos, alguns deles contendo excelentes cepas de cabernet franc, essa prima mais leve e suave da cabernet sauvignon, utilizada nos cortes de Bordeaux e nos varietais do Vale do Loire. Há também jazz na Argentina. Paula Shocron nasceu em Rosário, no dia 17 de março de 1980. Inicia seus estudos de piano clássico em sua cidade natal, ao mesmo tempo em que se interessa pela música popular e, aos dezesseis anos, conhece o jazz. Após estudar na Escuela de Música de la Universidad Nacional de Rosario, Paula decide-se pelo jazz e, aos vinte anos, passa a se apresentar em Buenos Aires. Em 2001, recebe uma bolsa de estudos da Berklee, mas permanece na Argentina em virtude da crise econômica que assola o país. Incentivada pela bolsa, segue trabalhando com o jazz, participando dos grupos Fuga de Cerebros (trio) e La Revancha (quarteto), com quem grava o álbum La intensidad del jogo. Em 2003, forma um trio com Ada Rave (ts) e Daniela Horovitz (v), recebendo elogios da crítica. É nesse período que consolida sua colaboração com o guitarrista Marcelo Gutfraind, com quem grava o álbum Percepciones, pelo selo BlueArt, em 2004. Além de atuar como sidewoman, Paula lidera seu próprio trio, formado por Jerónimo Carmona (b) e Carto Brandán (d). Em 2005, Paula grava La voz que te lleva, primeiro álbum de piano solo de uma pianista de jazz argentina, recebendo boa acolhida pela crítica internacional. Nesse mesmo ano, recebe o prêmio Clarín, na categoria revelação. Para os amigos fica a faixa Evidence , de Monk, retirada do álbum La voz que te lleva, que traz três composições de Thelonious Monk, interpretadas de maneira absolutamente sensível, inteligente e original. Para quem tem interesse no piano Post-Bebop, obviamente repleto de sotaque porteño, Paula é uma gratificante opção. Seu domínio técnico não chega a manifestar-se de forma opressiva, oferecendo um inteligente suporte quando atua como acompanhante, enriquecendo o discurso solista com discretas frases ora solenes, ora repletas de humor. Mas é como solista que sua presença marca, exatamente pela tensão que consegue descrever, seduzindo o ouvinte de maneira quase imperceptível. Quando damos conta, já estamos entregues aos jogos harmônicos dessa moça que, embora seja leve e suave como uma cabernet franc, tem a persistência típica dos melhores malbecs de Mendoza. Quanto ao vinho argentino que recebeu 96 pontos de Robert Parker, trata-se do Pulenta Estate Gran Cabernet Franc 2006, produzido na pequena vinícola dos irmãos Hugo e Eduardo Pulenta, em Luján de Cuyo, região irrigada pelo degelo da Cordilheira dos Andes e submetida a uma magnífica amplitude térmica. Recomendo ambos, pianista e vinho.