26/09/2011

Basso Valdambrini Quintet

A fotografia ao lado poderia ter sido feita numa das muitas e longas estradas da Califórnia, afinal estamos em 1959 e os dois músicos ao lado estão tocando West Coast Jazz da melhor qualidade. Nada disso. Estamos na Itália, mais precisamente em Milão, cidade situada a noroeste do país, região dominada pelos solos de marga calcária, argila, areia, cascalho e plácer glacial. A topografia da região lembra um pouco a do Barro Vermelho, um dos bairros mais agradáveis de Vitória, ES, com suas abruptas subidas e descidas assustadoras para qualquer enfisematoso ou cardíaco. E foi exatamente ali, na residência do amigo Chico Brahma, que encontrei o álbum Basso Valdambrini Quintet, talvez o único exemplar existente no estado, em forma de long-play. Enquanto cortava generosas lascas de presunto de Parma e de um delicioso stracchino, queijo feito à base de leite de vaca cansada, Chico comentava que, na verdade, o Barro Vermelho não passa de uma das regiões que compõem o bairro mais requintado do Espírito Santo, denominado Praia do Canto, resultado dos esforços do sanitarista Saturnino de Brito. Orgulhoso, Chico afirmava que morava ali desde o tempo em que bunda era palavrão, enquanto servia-me uma generosa taça de LINI 910 Scuro, produzido pela competente Alicia Lini. Sim, o Lambrusco de qualidade, que originalmente possuía um caráter tinto, seco e levemente frisante, ideal para acompanhar o presunto de Parma, adquiriu na década de 1980 o aspecto monstruoso de vinho branco doce e espumante, fazendo grande sucesso junto aos ouvintes de Julio Iglesias e às festas de casamento da classe média brasileira. Com o aumento da demanda, explicava eu para Chico, os produtores passaram a introduzir grandes quantidades desnecessárias de açúcar, além de remover sua coloração tinta original e engarrafá-lo com rosca.

Alicia Lini

Como sempre acontece nestes casos, o nível do vinho caiu drasticamente, bem como seu preço e respeitabilidade. O bom Lambrusco costuma ter procedência no sul de Modena, especialmente o produzido nas encostas da porção norte dos Apeninos, onde a pouca insolação retarda o amadurecimento das uvas, que chegam à vinícola com pouco teor de açúcar e rica acidez. A maceração breve extrai mais cor do que tanino e a fermentação em tanques selados ajuda a preservar o dióxido de carbono, concedendo ao vinho sua leve efervescência característica. O Lambrusco tradicional deve ser produzido preferencialmente com a uva lambrusco, e engarrafado com rolha do tipo cogumelo, apresentando-se quase sempre seco, refrescante, com teor alcoólico moderado e sabor imediato de uva. As DOC's mais tradicionais na produção do Lambrusco são Sorbara e Grasparossa di Castelvetro, situadas em Emilia (Emiliana Romagna).

Nisso, percebi que Chico, um abstêmio convicto, cochilava profundamente com o álbum do quinteto escorrendo lentamente de sua mão. Após alguns minutos de silêncio, Chico levanta assustado e concorda com tudo que eu disse, acrescentando que se Basso e Valdambrini não existissem, o jazz em Milão certamente não seria tão bom. Gianni Basso nasceu no dia 24 de maio de 1931, em Asti, região que produziu o primeiro vinho espumante doce do mundo. Após estudar clarinete no Conservatorio di Asti, passa a trabalhar com diversos grupos norte-americanos que se apresentaram na Europa na década de 1940, sobretudo na Bélgica e na Alemanha. De volta à Itália, trabalha em diversas orquestras de dança até ser contratado para integrar a orquestra de rádio de Armando Trovajoli, em 1956. Entre 1955 e 1960, lidera com o trompetista Oscar Valdambrini um dos melhores combos da Itália, além de acompanhar grandes músicos que visitavam a Europa, entre eles Chet Baker, Buddy Collette, Slide Hampton, Maynard Ferguson, Phil Woods e Gerry Mulligan. Na final da década de 1970, forma a banda Saxes Machine. Suas principais influências musicais foram Stan Getz e, mais tarde, Sonny Rollins. Embora ainda toque em alguns clubes, Basso tem atuado mais como músico de estúdio.



Oscar Valdambrini nasceu em Turin, no dia 11 de maio de 1924. Após estudar violino na infância, opta pelo trompete. Em 1948 tem o privilégio de participar de uma jam session ao lado de Rex Stwart, um dos maiores trompetistas do Swing. Em 1955 forma, com o saxofonista Gianni Basso, um dos melhores quintetos de jazz da Itália, frequentemente ampliado com a presença do trombonista Dino Piana. Atuando também como arranjador e compositor, Oscar trabalharia com uma série de músicos importantes nas décadas de 1960 e 1970, entre eles Giorgio Gaslini, Duke Ellington, Maynard Ferguson, Dusko Goykovich, Kai Winding, Frank Rosolino, Conte Candoli, Freddie Hubbard, Ernie Wilkins e Mel Lewis. É também nesse período que integra a orquestra da Televisão de Roma. Proprietário de um estilo bastante semelhante ao de Art Farmer, visivelmente moldado na linha do West Coast Jazz, com inteligentes fraseados bop e a característica delicadeza de timbre, Oscar foi obrigado a se afastar dos palcos nas décadas de 1980 e 1990 em função de problemas cardíacos. Faleceu em Roma, no dia 26 de dezembro de 1996.

Para os amigos, as faixas Come Out Wherever You Are, Fan Tan, I Wanna Be Kissed, Everything Happens To Me, Lo Struzzo Oscar, Lotar, Like Someone in Love, C'est Si Bon, Gone With the Wind e Ballad Medley (I Can't Get Started e Lover Man), todas retiradas do álbum acima, com Renato Sellani (p), Gianni Azzalini (b) e Gianni Cazzola (d). Saúde!

Basso-Valdambrini by Jazzseen

10 comentários:

Danilo Toli disse...

Que delícia!

Roberto Scardua disse...

Não sei quanto ao lambrusco, mas o quinteto é formidável. Valeu Lester!

John Lester disse...

Prezados amigos, obrigado pelas generosas palavras.

Grande abraço, JL.

PREDADOR.- disse...

Ótimo esse álbum do Valdambrini mr.Lester. Italianos tocando "jazz west coast" da melhor qualidade. Favor colocá-lo na minha famosa e extensa listinha.

Carioca da Vila disse...

Vaca cansada, Lester? Sei não...

Mas os músicos,que espetáculo!

Parabéns!

pituco disse...

master lester,

embora abstêmio convicto, como o sr.chico...por dna.lini não hesitaria em entornar lambruscos...ainda mais se acompanhado pelo som bacanudo do quinteto de 'carcamanos mascabrodos'...

mas o prazer maior é reler textos de vossa verve, nos presenteando com estórias e descobertas surpreendentes...grazie mille

abraçsonoros e segue a vida...

Érico Cordeiro disse...

Volare, ô ô
Cantare, ô ô ô ô
Nel blu dipinto di blu
Felice di stare lassù
E volavo, volavo felice più in alto del sole
Ed ancora più su
Mentre il mondo pian piano spariva lontano laggiù

John Lester disse...

Prezados amigos e amigas, novos e antigos, obrigado pelas carinhosas palavras.

Grande abraço, JL.

Internauta Véia disse...

Chico é abstêmio?
Isso explica ele ainda ter o delicioso LINI 910 Scuro...( sorte sua! )

Quanto à resenha e ao Basso Valdambrini Quintet, ótimos!

Ouvindo a tarde toda...

Faltou um pedacinho do raro stracchino. o que eu tinha já acabou!

coloda disse...

a italia é berço de muita coisa boa...até jazz
obrigada pelas maravilhosas dicas
bjs