Quando eu dava aula de Psicologia aplicada à Administração, usava o desvairio que assola o futebol brasileiro como exemplo para explicar a perspectiva tecnocrática de administração. De um tempo pra cá (no mesmo período que passou a predominar a noção de reengenharia, qualidade total e o escambau) o nosso futebol caiu na esparrela discursiva dos engomadinhos de Wall Street. O técnico passou a ser tudo no time: ele decide quem joga o quê, como, em qual posição, e se o gajo sair da linha perde o emprego. Se o jogador diz que não é canhoto, mesmo que fosse o melhor atacante do mundo, iria aprender a chutar com a esquerda ou... rua. Retranqueiros, acham que o resultado não sendo negativo está de bom tamanho - e tome zero a zero ou, como aconteceu com a Argentina, faz unzinho e tome retranca até a vaca ir pro brejo. O nosso mestre maior é o babaca do Zagalo e, ao seu lado, o baba ovo Parreira. Eles imitam o que os europeus fazem. Só que os europeus o fazem por saberem que seus atletas são ineficientes nos quesitos habilidade, imprevisibilidade, irreverência, enfim, são incapazes de improvisar. Para eles, então, só resta a retranca. Nós, não, nós nos damos ao luxo de sufocar aquilo que o mundo inteiro espera ver e tem gente disposta a pagar mil euros para isso. Os nossos atuais jogadores, por outro lado, envolvidos pelos milhões, abdicam daquela indisciplina básica que fez com que chegassem ao topo da fama. Graças a Deus, as duas pragas citadas acima, espero eu, nunca mais dirigirão a seleção brasileira. Sugiro que a partir de hoje não tenhamos mais técnicos. O jogo se resolverá como resolvíamos nas peladas: um chama a atenção do outro, corre atrás, dribla, passa a bola, se alguém não estiver jogando bem o próprio time se encarrega de botar pra fora. Foi assim na copa de setenta. Ou alguém acredita que o bunda mola do Zagalo (o primeiro ponta recuado da história) tinha peito para encarar a rapaziada? A irreverência, meu Deus!, a única coisa que nos resta está indo pro buraco. Ligo, agora, o dvd e rodo um disco com cenas das copas que eu amo: 70 e 82. Abaixo o som e, como trilha sonora, deixo rolar Booker Ervin batendo um bolão com Dexter Gordon nas duas primeiras faixas do cd Setting de pace. São quarenta e dois minutos de puro entrosamento. Não tem passe errado, não tem bola fora. Bastaria que essa molecagem, que no futebol é só nossa, pousasse sobre nossos atletas durante esse mesmo tempo para a francesada jogar o chapéu.
PS: Como sempre, deixarei a faixa-título (que bem poderia ser traduzida como Acertando o passe) ali no Gramophone by Salsa
3 comentários:
Boa bola Salsa!
O maestro zidane não me pareceu pouco hábil, imprevisível e irreverente. Ao contrário: o chapéu que ele deu no Ronaldo foi o improviso mais bonito do jogo.
Achei 1 a 0 pouco.
pra você ver: eles só tinham um que sabia improvisar. O suficiente para fazer 1 x 0. Nós, supostamente, tínhamos seis ou sete que, submissos à tecnocracia, não fizeram porcaria nenhuma.
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