25/09/2007

Jazz en Chile

Não seria exagero dizer que a história do jazz no Chile começa por volta de 1924, com a formação da Royal Orchestra, liderada pelo violinista e compositor Pablo Garrido (1905-1982). Inspirada na famosa orquestra de Fletcher Henderson – que iniciou os revolucionários arranjos ‘em seções’, a Royal Orchestra seguia o modelo, sendo composta por ‘filas’ de três violinos, três saxofones e dois trompetes, além de clarinete, trombone, tuba, banjo, piano e bateria. Era voltada à dança, satisfazendo as necessidades de um público sofisticado que frequentava Valparaíso. O improviso praticamente inexistia, salvo em fugazes solos de um ou outro músico mais habilidoso e arisco o suficiente. Sua natureza melódica e comportada definiu o primeiro estilo do jazz chileno, denominado ‘jazz melódico’, que vai de 1924 até 1940, onde orquestras similares (Lorenzo Da Costa, Rafael Hermosilla, Bernardo Lacasia, etc) dominavam a cena jazzística. Dessa primeira fase, digamos, romântica, surgem os primeiros músicos interessados num elemento, repito, quase inexistente até então no jazz chileno: o improviso. Cansados de tocar todas as noites as mesmas rígidas melodias, é mais uma vez influenciado pelo modelo norte-americano (agora pelas bandas de New Orleans e Chicago - sobretudo por Louis Armstrong e pelo Austin High School Gang do cornetista Jimmy McPartland) que surge em 1941 o The Chicagoans, formado por Tito Rodríguez (c), René Eyhrealde (cl), Luis Barragán (p), Carlos Morgan (g) e Lucho Córdova (d). Tocando ‘em garagem’, logo outros músicos se interessaram pela nova proposta estética, entre eles Luis "Huaso" Aránguiz (t), que formaria seu famoso Santiago Stompers, Mario Escobar (ts), Ángel Valdés (tb), Hernán Prado (p) e Víctor "Tuco" Tapia (d). Essa fase costuma ser denominada como o ‘jazz hot’ chileno. Em 1943, Rodríguez, Eyhreald e Córdova fundaram o primeiro clube de jazz do Chile, o Club de Jazz de Santiago, em funcionamento até hoje. Em seguida, nos anos 1950, surge o ‘swing’ chileno, bastante influenciado pelas imigrações do período. Assim, chegam ao Chile o pianista polonês Józef Hosiasson e o pianista italiano Giovanni Cultrera, responsáveis por uma releitura caseira do trabalho de músicos como Count Basie, Duke Ellington, Art Tatum e Teddy Wilson. Além de atuarem como músicos, promoveram a realização de programas de rádio e a criação de novos clubes de jazz. Cultrera, talvez a figura mais importante desse período, chegou a tocar com Bud Freeman, durante o período em que o famoso saxofonista morou no Chile. Outros músicos relevantes dessa fase são os saxofonistas Alfredo Espinoza e Alvaro Vicencio, os trompetistas Daniel Lencina, Sergio Acevedo e Eugenio "Yuyo" Rengifo, além de Roque Oliva (cl), e Hugo Valdebenito (d). Como não podia deixar de ser, na década de 1960 surge o jazz moderno no Chile, considerado por muitos veteranos como um ruído sem sentido, perpetrado por músicos incompetentes. Sem dar ouvidos às críticas, o pianista Omar Nahuel (1936-1969) liderou o movimento, estabelecendo a partir de John Coltrane, Lennie Tristano, Bill Evans e Art Blakey o novo modelo a ser perseguido. Seus maiores colaboradores foram os saxofonistas Sandro Salvati, Mario Escobar Jr. e Patricio Ramírez, os pianistas Mariano Casanova e Roberto Lecaros, os contrabaixistas Boris Castillo e Alfonso Barrios e os bateristas Sergio Meli e Waldo Cáceres. Com seu Nahuel Jazz Quartet, grava o primeiro long-play de jazz chileno, um marco da até hoje reduzida discografia chilena de jazz. Na década de 1970 verificamos a implacável influência do jazz rock de Miles Davis, cujas sementes daninhas floriram no trabalho de músicos como Pablo Lecaros (b) e Alejandro Escobar (g). É aqui que o elemento fusion permitiu que fosse adicionado ao jazz elementos da música chilena, criando uma sonoridade que deveria ser denominada, mais propriamente, de world music. Com o advento da ditadura militar, com toda a sua truculência e estupidez, vários músicos saem do Chile, desenvolvendo seu trabalho em outros países. Esse é o caso, por exemplo, do pianista Manuel Villarroel (1944), um dos raríssimos músicos chilenos a se dedicarem ao free jazz. Villarroel mora na França desde a década de 1970. Somente no início da década de 1990 vamos observar um renascimento do jazz no Chile, o que resultará na conformação de uma fase denominada de ‘bop contemporáneo’. Um de seus maiores expoentes é o trompetista Cristián Cuturrufo (1972), detentor de sólida formação clássica e que se dedicou seriamente a aprender a música de Dizzy Gillespie e de Arturo Sandoval (sim, ele tem um pé no latin jazz). Trabalhou com Ignácio González, Pancho Molina e Valentín Trujillo. Cuturrufo é um dos jazzmen chilenos com maior número de álbuns lançados. Bem, seriam essas as breves considerações acerca do jazz chileno que posso repassar aos amigos do Jazzseen. Agora é aguardar as impressões in loco prometidas por Mr. Lester. Boa viagem amigo!

6 comentários:

Anônimo disse...

Lester, numa boa, comendo caranguejo do pacífico, daqueles de mais de kilo, e conhecendo todas as vinículas do pedaço. Vidão.

John Lester disse...

Depois do workshop sobre Gershwin: entre o jazz e a música clássica européia, na Universidade do Chile, o pianista Martin Joseph se apresenta no Thelonious, um dos melhores clubes de Santiago. Estaremos lá para conferir.

Até, JL.

Anônimo disse...

¿ta frio ai maluco?

Anônimo disse...

Por decisões imperativas tenho q interromper a minha licença médica e retomar minhas atividades profissionais nos quadros da Procuradoria Geral.Assim, com pesar , abandono meu compromisso assíduo de “espiar” e , atrevidamente municiar de palpites , dúvidas e conhecimentos limítrofes esse espaço nobre.Justo agora q o Editor-Chefe, o mais obstinado conhecedor de jazz q encontrei na minha vida, foi participar do Encontro Mundial de Fã Clubes de Violeta Parra ,em Vinã Del Mar. Agradeço a gentileza das imerecidas citações e a enorme simpatia dos confrades e do Editor-Executivo, sujeito q a distância, se enquadra naquelas pessoas indispensáveis de se conhecer na vida.Volto a minha condição de ocasional visitante com a convicção q o maior blog de jazz e, importantíssimo, com letras grandes, do Brasil mantenha essa condição por longo tempo.Edú

figbatera disse...

Putz, então o Lester, mal chegado do festival de Ouro Preto, já viajou de novo?
Este blog tem sido bem "rendoso", né Salsa?

John Lester disse...

Prezados, nao há til no teclado nem palavras em meu vocabulário para expressar meu pesar com o abrupto retorno de Mr. Edú âs atividades profissionais. Ao menos, retorna porque saudável.

Quanto ao Chile, também nao encontro no vernáculo o termo correto que possa exprimir a emocao de, ao vagar pelas madrugadas enluaradas de Bellavista, ouvir, de algum canto do fundo de um bar, um trio tocando Twelve Bars, de Herbie Nichols, pianista ja devidamente celebrado em resenha por Mr. Salsa. Ao entrar, a surpresa: Mr. Joseph trio, o pianista inglês sobre o qual resenharemos futuramente.

A primeira madrugada de jazz em Santiago terminou tarde, e após várias botijas de vino. Para os amigos visitantes, levarei um álbum do interessante quarteto Sin Filtro, jovens que percorrem as possibilidades do post bop sem esquecer as herancas euclideanas da geometria bebop.

Grande abraco, JL.