16/10/2007

Montrose ou Monterose?

Sempre fui uma pessoa confusa, complicada e distraída. Uma vez entrei num táxi e, quando o motorista me perguntou ‘pra onde?’ eu lhe pedi um tempinho para refletir. Dizem que isso foi obra do excesso de erva consumida em cachimbos de cedro na primeira adolescência. Eram altas doses, sempre associadas a ensurdecedoras sessões de heavy metal. Sim, confesso que vibrei ao comprar o primeiro lp do Iron Maiden, The number of the beast. Depois de oito audições consecutivas, apaguei no sofá e queimei o dedão do pé, só acordando com a chegada dos bombeiros. Mas o tempo foi passando, as espinhas secando e o jazz, aos poucos, ocupando sorrateiramente minhas prateleiras de música. Sobrou um Quinteto Armorial aqui, um Sivuca acolá, dois ou três Pixinguinhas e alguns Egbertos Gismontis. Sempre seguindo as orientações de Mr. Lester e Vovô Acácio (avô materno de nossa amiga de blog Paula Nadler), percorri fascinado esse oceano negro chamado jazz. Claro que, como sempre, eu aprontava alguma. Certa feita, durante uma exposição de Edmond Kohn no Museu Homero Massena, eu e Mr. Lester comentávamos sobre a modernidade confortável e a beleza fugaz de suas obras. Mr. Lester me contou que Kohn havia sido responsável por uma séria de capas para a Pacific Jazz, lançadas na década de 1950. A mais bonita delas, segundo Mr. Lester, era a capa do álbum Jack Montrose Sextet, com Bob Gordon (bs), Conte Candoli (t), Paul Moer (p), Ralph Pena (b) e Shelly Manne (d). Uma outra capa, a do álbum Trio, de Russ Freeman com Richard Twardzik, lembrava muito o traço de Portinari. Coisas da contemporaneidade ou, talvez, do feliz acaso. E Mr. Lester acrescentou: “Além da linda capa, é um excelente álbum, Roberto. Eu recomendo. Jack é um excelente sax tenor do west coast, um autodidata que aos 14 anos já tinha sua própria banda. Aos vinte e dois já tocava com Jerry Gray e Art Pepper.



Sua sonoridade, embora encorpada, era macia e aveludada, o que, por muito pouco, não encobria sua grande perícia técnica e sua incrível capacidade de improviso. Infelizmente, com o declínio do cool jazz, Jack foi obrigado a tocar em clubes de strip e a trabalhar como músico de estúdio, gravando álbuns de rock! Pode um absurdo desses? Bem, por volta de 1966, Jack partiu para Nevada e Las Vegas, onde podia ganhar a vida tocando jazz em cassinos da região. Depois disso, Jack quase desapareceu, só retornando à cena dua vezes: uma com Frank Butler, na década de 1970 e, outra, com Pete Jolly, em 1986.” Sem comentar com Mr. Lester minha antiga paixão pelo rock, despedi-me de fininho e corri para a internet, onde procurei pelo tal álbum. E lá estava: JR Monterose Quintet. Depois de um clique ou dois, era só aguardar e degustar a iguaria. 15 dias depois, ao abrir o embrulho, fiquei revoltado com a capa do álbum, que não tinha absolutamente nada a ver com a pintura do Kohn. Bem, eu pensei, ao menos vou ouvir um delicioso cool jazz. Ao tocar o cd, sai das caixas de som uma mistura estupefata de Coleman Hawkins com Sonny Rollins, o coro comendo solto, com um trompetista alucinado disparando uma saraivada assustadora de semicolcheias. Mas onde está o Pete Candoli? Cadê a escovinha do Shelly Manne??? Indignado, telefonei para Mr. Lester e contei todo o ocorrido, tim tim por tim tim. Com aquela calma irritante de sempre, ele sugeriu que havia fortes indícios de que eu comprara o quinteto de Monterose, e não o sexteto de Montrose. Logo a seguir, tentou me consolar: “Olhe, não esquente. Esse álbum é excelente também, Roberto, embora não tenha nada de cool. JR Monterose é um dos melhores saxofonistas do hard bop, um filhote dos clubes de New York, tão competente que trabalhou com Charles Mingus, o que lhe rendeu um respeitável aprendizado, além de alguns cascudos do carrancudo contrabaixista. Depois, Roberto, caso concorde comigo, não deixe de ouvir seu precioso solo em Just Friends, do álbum Live in Albany, gravado em 1979. E olhe que gravar álbum de jazz na década de 1970 nos EUA não era pra qualquer um não!”. Mais calmo, segui o conselho de Mr. Lester e, confesso, não me arrependi. Só sei dizer que, até hoje, não sei quem é quem com certeza. Para o amigo deixo a faixa Two can play com Montrose. Ou seria Monterose?

Two Can Play.mp3

15 comentários:

Anônimo disse...

Mr. Scardua, queria agradecer a informativa resenha. Mas, afinal, quem está tocando?

Cinéfilo disse...

Roberto Scardua, vc, como bom italiano, escreve bem à beça (termo lusitano).
Gostei do post. E da homenagem a Monterose, que corrompeu o próprio nome para homenagear o pai.
É uma boa mistura mesmo: Parker, Coltrane, Rollins e Stan Getz. Quatro em um, claro que consideradas as proporções.
Em Pithecantropus Erectus, do Mingus, ele manda bem no sopro musculoso. Mas bom mesmo é o T.T.T., que saiu pela Storyville e que me custou os olhos na Modern Sound, há uns dois anos.
Ali é que são elas.
Mais uma vez, parabéns pelo post.

Cinéfilo disse...

É uma pena que Luiz Romero de Oliveira Salsa saia de cena à Meteorango Kid. Espero que retorne com boas novas. Assim que ele der as caras novamente, meu caro jazzman JL, postarei neste digníssimo blog sobre dois discos fusion do Miles.
Posso ou não?

Abraço, amigo.

John Lester disse...

Por mim, a casa é sua e nem é necessário confirmar. Aguardo o post.

ReAl disse...

parabéns pelo blog. Estou iniciando um e conto com sua visita.

Anônimo disse...

estou na 3a.linha do texto, e já dei umas boas gargalhadas aqui...

Anônimo disse...

Boa lembranla Lester, esses dois merecem mesmo uma boa resenha. Edi.

Anônimo disse...

mó perverso o jack!

Anônimo disse...

Não sei se vai adiantar alguma coisa estes esclarecimentos:
1) Jack Montrose, tenorista, west coast(cool jazz), nascido 30-dez-1928, falecido 07-fev-2006, principais albuns= The Jack Montrose sextet, The horn's full, Jack Montrose with Bob Gordon.
2) J.R.Monterose, tenorista, hard bop, nascido 19-jan-1927, falecido 16-set-1993, principais albums= The Message, J.R.Monterose, Straight Ahead. A música "Two can play" é com Jack Montrose.
Outro assunto: o sr. Grijó está proibido de publicar ou comentar qualquer coisa neste "sítio" sobre Miles Davis. Salsa dando as caras ou não. Ainda mais de discos fusion. Sr. Grijó: vá caçar um bode na pedreira de Paul(via Leopoldina)!

Anônimo disse...

Sr. Scardua( Baixog�anduense?), Sr. Lester:
Assisti ontem ao document�rio canadense Metal. Very heavy, por sinal. Uma aula da trajet�ria do Metal, desde os hard-rock de Led Zepellin at� o Black Metal noruegu�s que � uma barra pesada, queimando igrejas luteranas por todo o pa�s, passando pelos cl�ssicos Black Sabbath, Kiss, Iron Maiden.Um g�nero machista ( ser�?) , mas, com uma r�tmica arrepiante,dos diabos. Esqueceram do Tarkus do Emerson, Lake & Palmer,mas, o tupiniquim Sepultura estava l�. Aqui, Vit�ria, t�nhamos o Porrada. E eles afirmam que a m�sica deles � uma �pera wagneriana. Entre n�s, temos o Pedro Nunes um admirador, ali�s, tamb�m do Deep Purple, um dos precursores.

Anônimo disse...

Pô, que susto!!!! Pior que mesmo repetindo , levei susto de novo!!!...( estou me referindo ao vídeo ao lado ).

Anônimo disse...

Valeu gente, até a próxima!

Anônimo disse...

Tbm fui (e ainda sou) roqueiro. Talvez pq não me iniciei com Iron Maden e seu muppet-show-bate-cabeça, mas com o outro Iron, o Buterfly o Led Zep, Purple e o ícone máximo Hendrix. Daí que o único Montrose que conhecia era o Ronnie Montrose, roqueiro e guitarreiro - se vivo, véio de guerra.

O Jack, terei o prazer assim que o soulseek começar a despejar-lhe a obra. Como diria o cinéfilo, Vinvenders e aprendenders... Valeu a dica, Scandurra, digo Scardua!

figbatera disse...

Como a internauta véia, eu tb levei susto 3 vezes seguidas...rsrsrs! É um barato!

figbatera disse...

Ei Salsa, VOLTA LOGO....

O JL promete acertar com vc os "atrasados".