Dizem que Ahmet Ertegun gostava mais de música que de dinheiro - o que, em se tratando de um indivíduo em cujo interior o sangue turco fluía, é uma situação quase inédita. Ahmet gostava de futebol, mas, nesse caso, o dinheiro falou mais alto: co-fundou o NY Cosmos - sim, aquele que Pelé projetou - e, mais tarde, vendeu-o sem que o coração pulasse de tristeza. No caso da música, a emoção batia em fortissimo. Apadrinhou uma série de músicos e, por conta de muitos deles, ganhou mais dinheiro do que já possuía. Seu grande feito - sua contribuição máxima - foi ter fundado, em companhia de Herb Abramson, a Atlantic, a gravadora que tutelou gigantes do jazz e do rhythm & blues, e que por muito tempo sobreviveu como o selo independente que foi capaz de medir forças com a Columbia e a RCA. Eis que se deu o problema: a marca foi, no início dos 90, incorporada pela Warner e, a partir daí, a coisa degringolou de tal sorte que até os rappers americanos se sentiram no direito de gravar idiotices sob um selo que um dia estampou discos de John Coltrane, Charles Mingus, Duke Ellington, Ray Charles, King Crimson e o Led Zeppelim. Mas isso é outra história e não estou aqui para lamentar. A Atlantic foi fundada há 60 anos e, durante esse tempo, associou-se - em muitos casos como distribuidora - a outros pequenos selos (ou até os criou): Atco, Spark, Lava, Stax e 143, todas elas com "sobrenome" records. Após muitas negociações que iam e vinham, a Warner - que já havia comprado a Elektra Records (da banda psicodélica The Doors, entre outras) - adquiriu a Atlantic e criou a holding WEA - Warner-Elektra-Atlantic. Eis um pequeno histórico que não chega, nem de longe, a esboçar os bastidores das negociações no universo fonográfico norte-americano. E se você assistir a Atlantic Records - The House That Ahmet Built, vai continuar sem saber como as coisas funcionam. Talvez seja até melhor. O devedê é uma homenagem àquele que, na visão dos músicos que com ele trabalharam, uniu a música ao amor, e cuja generosidade ultrapassava os limites do humano. Conhecia música com profundidade abissal, sabia compor (sob o pseudônimo de Nugetre - Ertegun, ao contrário) e sabia, claro, relacionar-se com seus contratados. O disco é narrado por Bette Midler e está cheio de histórias saborosas sobre seu faro muçulmano (nem sempre feliz) para os negócios. Uma delas: Ertegun assinou contrato com o Led Zeppelin sem sequer ter ouvido a banda tocar. Outra: como não tinha bola de cristal, recusou a oferta - uma bagatela - para assinar com os Beatles. E há, claro, os depoimentos dos artistas - Clapton, Phil Collins, Aretha Franklin e outros -, que expõem um justo tributo ao produtor que morreu aos 83 anos, em 2006, após sofrer uma queda poucos momentos antes da apresentação da banda Rolling Stones, que tocaria em comemoração aos 60 anos de Bill Clinton, no Beacon Theater, em Manhattan. Entrou em coma e o resto já se sabe.
11 comentários:
Então fica patente que o turco pensava acima de tudo em grana. misturar Led Zep com John Coltrane é, de acordo com os canônicos, uma heresia das maiores.
Ele foi retratado, no filme Ray, de uma forma muito complacente, como se o respeito e amor à música fossem sua religião. Não tinha a peuliar truculência dos produtores?
delícia de resenha, volte mais vezes grijó!
Wow, já estava na hora de alguém resenhar sobre os produtores de discos, esse grupo tão importante na feitura de uma obra fonográfica. Equivalem aos produtores de cinema, mas esses parecem ter como alvo apenas o dinheiro, caso que não acontecia com Nornam Granz nem com Ahmet Ertegun. Sou frequentador deste blog a pouco tempo e li várias resenhas legais e alguma s esdrúxulas, mas no geral o saldo é positivo. Gostaria de recomendar que se escrevesse mais sobre os bastidores do jazz (produtores, gravadoras).
Vlew.
Os Ertegun , dois homens ,Nesuhi, primogênito e Ahmet ,cinco anos mais jovem, e uma mulher ,Selma, eram filhos de um ex-embaixador turco nos EUA,razão de sua residência no país.Oriundos de uma próspera família cultivavam profundo interesse cultural, ambos os irmãos homens possuíam mais de 15 000 lps de jazz e blues.Após oito anos de funcionamento da Atlantic ,Nesuhi foi convidado, pelo irmão Ahmet, a criar e dirigir o setor de jazz da empresa.Sua experiência anterior no meio fonográfico era seu casamento com a filha do dono de uma loja de discos na Califórnia chamada “The Jazz Man Record Shop”. Morando na costa oeste e trabalhando com o sogro, Nesuhi ocupou boa parte da década de quarenta ouvindo e conhecendo pessoalmente as bandas e artistas de jazz dessa região. Sendo, com o tempo, reconhecido e respeitado como um dos maiores especialistas no estilo.Nesuhi trouxe para o selo Atlantic Jazz: Shorty Rodgers, Jimmy Giuffre, Herbie Mann e Les McCann.Após esse período, enclausurou-se dentro do estúdio produzindo e desenvolvendo projetos com John Coltrane, Charles Mingus, Ornette Coleman, e the Modern Jazz Quartet, a relação mais longa e fecunda de um grupo de jazz com a companhia(29 discos, conferidos,num espaço de 38 anos, e as iniciativas solo de John Lewis e Milt Jackson).Como diretor artístico da empresa, Nesuhi preocupou-se com o aspecto estético e qualitativo do produto disco em sí.Dando importância a uma capa de boa apresentação gráfica, uma matéria-prima de qualidade pra confeccionar os discos e um papel resistente e laminado pra causar ao consumidor uma boa impressão no produto que iria adquirir em comparação a outras “majors” do mercado como Columbia,RCA, Capitol e Decca.Padronizou ,da mesma forma, o emprego do disco com formato de doze polegadas com 33 1/3 rpms, prática adotada pela indústria ao redor do mundo.Com a venda da Atlantic, pelo irmão Ahmet ,a mentalidade financeira da família, e no papel de sócio minoritário, tornou-se diretor internacional da Warner Records até sua aposentadoria em 1987.Vindo a falecer dois anos mais tarde,causando grande comoção no meio do jazz.Segundo Milt Jackson “ele era o mais abençoado e dedicado produtor q um artista poderia sonhar”.Edú
Salim? Salim saiu.
Edú tem de aprender o poder de síntese de grijó!
Prezado Grijó, obrigado por mais uma excelente resenha. E obrigado também ao Edú, pelas imensas e excelentes notas de rodapé.
Grande abraço e até amanhã, no Clube.
JL.
Ler (e ouvir) Jazzseen é muito bom, parabéns pela resenha, Grijó, e tb. Edú, pelos comentários, sempre enriquecedores.
Por Mike Collett-White LONDRES (Reuters) - A banda britânica Led Zeppelin fez na segunda-feira, dia 10, um show eletrizante durante mais de duas horas, alimentando a nostalgia de 20 mil espectadores da Arena O2, em Londres, com 16 músicas, inclusive seus maiores hits. O concerto de segunda, um tributo beneficente ao produtor Ahmet Ertegun, que assinou o contrato da banda em 1968, provocou fervorosas especulações de que o grupo iria fazer uma turnê.Edú
Grande resenha...o grijó acerta em cheio mais uma vez.
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