26/07/2008

Jazz, vinho e terroir

E lá se foi Johnny Griffin. E então Mr. Lester, nós gostamos de vinho francês? Claro, Mr. Scardua, nós gostamos muito de vinho francês. Mas, Mr. Lester, é verdade que na França se produz também muito vinho de baixa qualidade? Sim, Mr. Scardua, infelizmente é verdade. Embora França e vinho ainda sejam sinônimos, França e vinho já foram mais sinônimos no passado. Ficou a tradição, a cultura, o respeito ao terroir, mas a sinonímia diversificou-se. Hoje podemos afirmar sem medo que Chile e Califórnia também são vinho. E países como Argentina, Nova Zelândia e África do Sul, também são vinho Mr. Lester? Sim, Mr. Scardua. Um fato concreto, que muito aborrece os franceses, são os inúmeros resultados das incômodas ‘degustações às cegas’, onde vinhos chilenos e californianos têm vencido vinhos franceses clássicos. Não há como refutar esta situação. Embora a França continue sendo a referência, sobretudo por sua excelência na produção de uma enorme variedade de vinhos – perdendo apenas para alguns vinhos brancos alemães e os vinhos fortificados de Portugal, o fato é que, em algumas cepas, a primazia francesa está bastante abalada. E como são essas ‘degustações às cegas’ Mr. Lester, os degustadores são vendados? Não exatamente, Mr. Scardua. O que ocorre é que os vinhos submetidos à degustação são apresentados em garrafas sem rótulos ou em taças numeradas aleatoriamente, sem a necessidade, portanto, de vendas. É célebre a degustação desse tipo promovida em 1976 pelo inglês Steven Spurrier, negociante de vinhos que reuniu em Paris alguns dos mais respeitados vinhateiros de Bordeaux e Borgonha, além do Inspetor-Chefe do Institut National dês Appellations d’Origine. Diante de garrafas sem rótulos, aos jurados, todos franceses, foram oferecidos os melhores tintos e brancos da Califórnia e da França, saindo vencedores o tinto Stag’s Leap 1973 (cabernet) e o branco Château Montelena 1973 (chardonnay), ambos do Napa Valley. Não é preciso dizer que o alvoroço foi grande, é claro. Mas, como antiguidade é posto, em qualquer lugar do mundo aonde exista a paixão pelo vinho, a referência continua sendo o vinho francês, nem que seja para considerá-lo inferior a algum outro. Imitada durante tantos anos, a qualidade do vinho francês vem sendo igualada e, em certos casos recentes, ultrapassada por vinhos de outros países.

Mas, Mr. Lester, considerando a enorme quantidade de vinhos franceses diferentes, algum país pode ser comparado à França no quesito variedade? Bem, nesse caso Mr. Scardua, não há mesmo como comparar a França a nenhum outro país, pelo menos por enquanto. Estamos diante de um problema de geografia: a extraordinária variedade de cepas francesas se deve a uma rica variedade de solos e climas que convivem naquele país, daí tanta importância dada pelos franceses ao conceito de terroir. Daí porque somente na França temos coisas como Bordeaux, Médoc, Graves, Sauternes, Saint-Émillion, Pomerol, Borgonha, Chablis, Côte d’Or, Beaujolais, Champanhe, Alsácia, Loire, Sancerre, Pouilly-sur-Loire, Vale do Rhône, Jura, Saboia, Provence, Córsega, Languedoc-Roussillon, Bergerac, Duras, Marmandais, Buzet, Gaillac, Pirineus, Marcillac e tantas outras regiões com seus climas e solos muito particulares. Então terroir é clima e solo, é isso Mr. Lester? Bem, de forma muito resumida, poderíamos dizer que sim Mr. Scardua. Mas terroir não é apenas isso, há outros elementos nesse conceito, alguns de caráter científico, outros de caráter artístico. É como no jazz: porque o trompete de Fabrizio Bosso ( ) soa tão distinto e ao mesmo tempo tão semelhante aos trompetes de Chet Baker e Chris Botti? Será o terroir italiano? E, é certo, somente nos EUA existe um terroir capaz de produzir um Lester Young, um Charlie Parker, uma Billie Holiday e um John Coltrane. Mas, Mr. Lester, antes que nosso tempo acabe, existe algum vinho francês bom e barato à venda por aqui? Bem, considerando frete e tributação, fica difícil para os vinhos franceses competirem com similares chilenos e argentinos, com frete e tributação bem inferiores. Mas, ainda assim, encontramos vez ou outra coisas com preço honesto. Veja, por exemplo, o tinto Côtes du Rhône Belleruche 2006, de M. Chapoutier, um produtor tradicional do Rhône, respeitado inclusive por Hugh Johnson, que lhe dá três estrelas em seu guia 2008. Não é varietal (feito com uma só uva) como estamos acostumados, mas segue a tradição francesa das poções mágicas dos druídas: 80% Grenache e 20% Syrah, como gostava Obelix, a partir de vinhedos selecionados na região do Rhône, cultivados da forma orgânica. A colheita é manual, na maturação ótima das uvas, o que só lhe permite 5 anos de guarda. A vinificação é tradicional, com controle de temperatura, uvas 100% desengaçadas, com 15 dias de maceração. Não há envelhecimento em barris de carvalho (também ao contrário dos vinhos chilenos e argentinos com os quais mantemos contato), mas em tanque de aço inoxidável. Tudo por razoáveis R$48,00. E para acompanhar, Mr. Lester? Alguns solos de Johnny Griffin, Mr. Scardua.

9 comentários:

Anônimo disse...

Tim tim!

Salsa disse...

Dia desses eu comprei um Côtes du Rhône - só por causa do nome - e me dei mal. Muito ruim. Em cada região prolifera bons vinhos e muitos outros detestáveis. Não sei se terei coragem de encarar outro - a não ser que seja convidado...
Ah, o trompetista: preciso de mais uma dose para um ponderado veredito

figbatera disse...

Adorei a "aula"; através deste esclarecedor diálogo nós, leigos apreciadores de jazz e vinhos, vamos aprendendo um pouquinho mais com nossos mestres.
Parabéns!

Sandra Leite disse...

que delícia de tim-tim com vcs...

Anônimo disse...

Sou mais um bom tinto argentino, com excelente relação custo/benefício. E o trompetista italiano está muito longe de Chet.

Marília Deleuz disse...

Conheço esse vinho Lester. Se alguém comprá-lo esperando encontrar um tinto encorpado, rico em taninos, com os aromas típicos de vinhos envelhecidos em barris de carvalho francês, como os chilenos e argentinos, vai se decepcionar.

Anônimo disse...

Prezado JL, descobrimos ,agora, que Johnny Griffin teve sua biografia lançada esse ano por Mike Hennessey.Este redigiu que Griffin morava há 24 anos num belo “chateau” em Availles-Limouzine.O autor afirma que se contava num dedo da mão os mestres saxofonistas do jazz que tiveram tamanha qualidade de vida em seus anos de velhice.Edú.

Anônimo disse...

Versão de música para se ouvir em elevador, trumpetista burocrático. Sem comparações com Chet Baker, que era 10 mil vezes melhor.

Danilo Toli disse...

Ei amigos, eu tenho o álbum do Bosso e posso dizer que é excelente. Uma faixa nao e capaz de dizer tudo.