Após a resenha em forma de denúncia oferecida por nosso amigo Grijó, fiquei perplexo diante de outra atrocidade cometida contra o jazz: John Coltrane também não vem à Vitória! A eliminação gradativa da expressão individual faz parte de um amplo projeto de imbecilização das massas, da padronização das ofertas, das opções e das escolhas culturais, tornando, assim, o mercado consumidor de cultura previsível, acrítico e indefeso diante dos imensos monopólios econômicos que enlatam cultura. O fim do Estado, com a degradação crescente e acelerada das escolas, hospitais, praças, presídios, bibliotecas, museus e principalmente dos banheiros públicos, reflete bem a imagem de abandono em que vivemos. Somente alguns poucos espaços privados, reservados a um número decresente de privilegiados, funcionam satisfatoriamente. E não estamos nos referindo apenas ao Brasil ou à África: quadro idêntico vem se modelando também na Europa e nos EUA. Cultura diversificada, oportunidade de expressão, liberdade de escolha, direitos assegurados e outros bens que nossa civilização demorou séculos para estabelecer, estão sendo lentamente destinados a alguns poucos eleitos, de acordo com sua conta bancária e não com sua capacidade de ouvir jazz.
Nesse quadro neo-medieval nada mais politicamente correto do que abaixar a cabeça, submeter-se à força do capital, aplaudir o rei nu e reeleger indivíduos que vendem o sonho da igualdade a uma população desvalida cultural, nutricional e economicamente. O aniquilamento do jazz, nesse cenário, é fenômeno mais do que natural e previsível, ainda mais quando reconhecemos que a expressão individual deve ceder espaço ao padrão cultural da maioria que, se analisado cuidadosamente, não constitui padrão algum, uma vez que para cada opinião individual existe uma arte, tão válida quanto qualquer outra. A questão não é essa, a questão é o aniquilamento de certas formas de arte pelo simples fato de serem mais elaboradas, mais exigentes, mais caras ou menos compreensíveis num primeiro contato.
Arte e democracia, sabemos bem, sempre tiveram uma convivência difícil. Ainda assim, mal ou bem, sempre conviveram e frutificaram. Já arte e ditadura não são compatíveis, não conseguem conviver e frutificar. Ou vence a arte, ou vence a ditadura. A arte tem dessas manias, não tolera amarras, não tolera modelos, não tolera falta de sensibilidade e emoção. No caso específico da ditadura dos imbecis, como a existente hoje no Brasil, a única arte capaz de sobreviver é aquela alimentada por clamores populares ingênuos, desinformados e pouco articulados intelectualmente. Ora, quem pode, em sã consciência, aceitar satisfeito a falência das orquestras sinfônicas Européias e aplaudir a proliferação de bandos de tocadores de tambor e de duplas caipiras plantando tomate? Bem, é verdade que o bumbo, o berimbau e a viola caipira possuem seu valor cultural incontestável, é certo. E podemos até aceitar que surja, em tese, alguns concertos para agogô e orquestra na terra do pau-brasil. Mas lamento ver que, nesse processo, o piano e o órgão, as sinfônicas e as filarmônicas, os trompetes e os saxofones estejam sendo aniquilados em nome do acesso à cultura.
E não me venham dizer que não existe cultura melhor que a outra. Essa afirmação só produz efeito ou convencimento naquele indivíduo desprovido de oportunidades, limitado a um quadro cultural pobre, míope e pouco diversificado. Quem ouviu Charlie Parker ao vivo, como Jorge Guinle, sabe do que estamos falando. Quem ouviu Pixinguinha ao vivo, como meu pai, também sabe. Eu ouvi Clementina de Jesus e sei do que estou falando. As aberrações culturais de hoje, como Carlinhos Brown, Ivete Sangalo, Tiririca, Djavan, Olodum, Supla, Xitãozinho e Xororó são apenas alguns dos muitos exemplos de padronização cultural baseada no mínimo, no menor, no pobre, no pouco. Artistas desse calibre são facilmente manipuláveis por organismos industriais como Rede Globo ou outras fábricas de papel higiênico. Agora eu pergunto: como domar um Sonny Rollins? Como domar um Thelonious Monk? Como domar um Egberto Gismonti? Como domar um Vitor Assis Brasil? Que o poetinha venha em nosso socorro. Ou seja, a melhor arte existe e é aquela que lhe dá prazer, que lhe causa sensações, emoções. Que produz sorriso e lágrimas.
Claro que não defendo a elitização da arte ou a eliminação de determinadas formas de arte, não mesmo. Que venham os tambores, mas que não exterminem os pianos. A elitização da arte só ocorre em virtude do miserável estado em que a maioria da população é obrigada a sobreviver, acordando de madrugada, submetendo-se a horas e horas de péssimo transporte, trabalhando muitas vezes mais de uma jornada para, ao final, retornar para seu vale-pardieiro. Obviamente essa maioria não terá acesso, quando tem, a outra arte que não seja a determinada pelas organizações globais e pelo ministro da cultura. A grande arte requer ócio, tempo, espreguiçamentos lentos, tanto em sua feitura quanto em sua apreciação.
Nesse quadro veloz do trem bala e do hamburguer com sabor de plástico, o jazz e a música clássica européia estão morrendo lentamente, acusados injustamente de elitistas quando, na verdade, expressam em seus versos séculos de evolução, estudos, experiências, alegrias e tristezas nascidos de homens como nós, saídos de ventres. A eliminação do jazz, nesse contexto amplo, é ainda mais grave, na exata medida em que enterra a mais importante expressão musical do século XX, uma expressão nascida do grito, da dor e da revolta negra ao modelo de liberdade branca imposto aos escravos africanos que foram levados à força para os EUA. A repercussão do jazz no cinema, na fotografia, nas artes plásticas, nas idéias e nos comportamentos se fez sentir primeiramente na Europa, espalhando-se depois ao redor do mundo, criando condições para que a expressão individual tivesse o seu espaço, alterando, assim, o quadro monótono da arte vendida em compotas idênticas, com sabores idênticos. A morte do jazz, antes de representar tão somente a morte de um estilo musical, remete à morte da possibilidade de cada um ter seu canto, sua voz. O desaparecimento do jazz é também o desaparecimento da felicidade, da alteridade, do inusitado e do encantamento. Perdida a hipótese da surpresa, não há mesmo espaço para Sonny Rollins. Nem para John Coltrane. Nós sabemos que aquele arrepio, só com jazz ou beijo na nuca.
Nesse quadro neo-medieval nada mais politicamente correto do que abaixar a cabeça, submeter-se à força do capital, aplaudir o rei nu e reeleger indivíduos que vendem o sonho da igualdade a uma população desvalida cultural, nutricional e economicamente. O aniquilamento do jazz, nesse cenário, é fenômeno mais do que natural e previsível, ainda mais quando reconhecemos que a expressão individual deve ceder espaço ao padrão cultural da maioria que, se analisado cuidadosamente, não constitui padrão algum, uma vez que para cada opinião individual existe uma arte, tão válida quanto qualquer outra. A questão não é essa, a questão é o aniquilamento de certas formas de arte pelo simples fato de serem mais elaboradas, mais exigentes, mais caras ou menos compreensíveis num primeiro contato.
Arte e democracia, sabemos bem, sempre tiveram uma convivência difícil. Ainda assim, mal ou bem, sempre conviveram e frutificaram. Já arte e ditadura não são compatíveis, não conseguem conviver e frutificar. Ou vence a arte, ou vence a ditadura. A arte tem dessas manias, não tolera amarras, não tolera modelos, não tolera falta de sensibilidade e emoção. No caso específico da ditadura dos imbecis, como a existente hoje no Brasil, a única arte capaz de sobreviver é aquela alimentada por clamores populares ingênuos, desinformados e pouco articulados intelectualmente. Ora, quem pode, em sã consciência, aceitar satisfeito a falência das orquestras sinfônicas Européias e aplaudir a proliferação de bandos de tocadores de tambor e de duplas caipiras plantando tomate? Bem, é verdade que o bumbo, o berimbau e a viola caipira possuem seu valor cultural incontestável, é certo. E podemos até aceitar que surja, em tese, alguns concertos para agogô e orquestra na terra do pau-brasil. Mas lamento ver que, nesse processo, o piano e o órgão, as sinfônicas e as filarmônicas, os trompetes e os saxofones estejam sendo aniquilados em nome do acesso à cultura.
E não me venham dizer que não existe cultura melhor que a outra. Essa afirmação só produz efeito ou convencimento naquele indivíduo desprovido de oportunidades, limitado a um quadro cultural pobre, míope e pouco diversificado. Quem ouviu Charlie Parker ao vivo, como Jorge Guinle, sabe do que estamos falando. Quem ouviu Pixinguinha ao vivo, como meu pai, também sabe. Eu ouvi Clementina de Jesus e sei do que estou falando. As aberrações culturais de hoje, como Carlinhos Brown, Ivete Sangalo, Tiririca, Djavan, Olodum, Supla, Xitãozinho e Xororó são apenas alguns dos muitos exemplos de padronização cultural baseada no mínimo, no menor, no pobre, no pouco. Artistas desse calibre são facilmente manipuláveis por organismos industriais como Rede Globo ou outras fábricas de papel higiênico. Agora eu pergunto: como domar um Sonny Rollins? Como domar um Thelonious Monk? Como domar um Egberto Gismonti? Como domar um Vitor Assis Brasil? Que o poetinha venha em nosso socorro. Ou seja, a melhor arte existe e é aquela que lhe dá prazer, que lhe causa sensações, emoções. Que produz sorriso e lágrimas.
Claro que não defendo a elitização da arte ou a eliminação de determinadas formas de arte, não mesmo. Que venham os tambores, mas que não exterminem os pianos. A elitização da arte só ocorre em virtude do miserável estado em que a maioria da população é obrigada a sobreviver, acordando de madrugada, submetendo-se a horas e horas de péssimo transporte, trabalhando muitas vezes mais de uma jornada para, ao final, retornar para seu vale-pardieiro. Obviamente essa maioria não terá acesso, quando tem, a outra arte que não seja a determinada pelas organizações globais e pelo ministro da cultura. A grande arte requer ócio, tempo, espreguiçamentos lentos, tanto em sua feitura quanto em sua apreciação.
Nesse quadro veloz do trem bala e do hamburguer com sabor de plástico, o jazz e a música clássica européia estão morrendo lentamente, acusados injustamente de elitistas quando, na verdade, expressam em seus versos séculos de evolução, estudos, experiências, alegrias e tristezas nascidos de homens como nós, saídos de ventres. A eliminação do jazz, nesse contexto amplo, é ainda mais grave, na exata medida em que enterra a mais importante expressão musical do século XX, uma expressão nascida do grito, da dor e da revolta negra ao modelo de liberdade branca imposto aos escravos africanos que foram levados à força para os EUA. A repercussão do jazz no cinema, na fotografia, nas artes plásticas, nas idéias e nos comportamentos se fez sentir primeiramente na Europa, espalhando-se depois ao redor do mundo, criando condições para que a expressão individual tivesse o seu espaço, alterando, assim, o quadro monótono da arte vendida em compotas idênticas, com sabores idênticos. A morte do jazz, antes de representar tão somente a morte de um estilo musical, remete à morte da possibilidade de cada um ter seu canto, sua voz. O desaparecimento do jazz é também o desaparecimento da felicidade, da alteridade, do inusitado e do encantamento. Perdida a hipótese da surpresa, não há mesmo espaço para Sonny Rollins. Nem para John Coltrane. Nós sabemos que aquele arrepio, só com jazz ou beijo na nuca.
Confesso: preciso das pessoas malucas que ouvem e fazem jazz. Olhe ao seu redor e veja só onde as pessoas normais nos levaram.
Vai mais uma taça Mr. Salsa?
18 comentários:
É...
Arrazou, Mr. Lester!
Infelizmente, é isso aí...!
Uma pergunta: ao fundo, na foto, o Guggenheim?
Uma garrafa inteira, Lester, uma garrafa inteira. Suas palavras quase me deixaram melancólico. Digo quase porque não pretendo entrgar os pontos - continuarei tocando, ouvindo e divulgando a liberdade de se ter uma voz.
E o jazz sequer faz parte das artes caras. Com o valor do cachê da Ivete dá pr'a gente fazer um festival mais que interessante - com rollins, inclusive.
ergamos as barricadas!!!
A verdade, por vezes, é cruel. Acionemos, então, a arte!
O problema, caro JL, é que a ralé dá as cartas. A humildade foi para o brejo.
Antigamente (há poucos anos), havia um certo constrangimento, por parte dos artistas limitados, em partilhar espaços com os grandes criadores.
Hoje, não. Uma Ivete Sangalo, por exemplo, arroga-se o direito de ser considerada uma grande artista. Sente-se uma Clementina, uma Elizete, uma Elis. E aí de quem discordar!
Um Carlinhos Brown exige respeito, como se Pixinguinha fosse. Sente-se mais representativo que Cartola.
É o fim dos tempos.
Eu, de minha parte (e aqui, em meu saudável anonimato), tenho o que fazer, além de lamentar?
Vou de Sonny.
Angélica que vá de táxi.
Brilhante texto, esse seu.
Apesar de algumas discordâncias jazzísticas que tenho com o sr.Lester, este seu artigo "John Coltrane também não vem" expressa um sentimento que é também o meu e certamente assim me expressaria se tivesse o dom de escrever. É a pura e cruel verdade. Assinaria em conjunto, sem pestanejar. Parabéns!
Caramba! O Lester sabe mesmo das coisas... e como se expressa; texto (quase)impecável.
Endosso os comentários do Grijó e do Salsa. Parabéns!
ps.: só uma pequena discordância, já manifestada aqui em outras oportunidades: não incluiria o nome do Djavan naquela lista "negra"; aí já é sacanagem, né?
olney
Texto raro, daqueles capazes de emocionar a gente. Valeu Lester!
Triste fim, o nosso...
Felizmente ainda existem vozes filarmonicas que se expressam desta maneira,seu Lester !!E tambem não é o nosso fim,até porque somos eternos.Este supermecado brasileiro pequeno de estilos e generos,manipulado por esta mídia tão interesseira onde o jabá está acima das expressões culturais, fazem que musicos consagrados nem mencionados sejam.Fica elitista porque somos poucos a clamar pela nossa liberdade de expressão. Salvem a Bossa Nova, nosso derivativo do Jazz tradicional assim como o Blue,essencial a formação do nosso Jazz e de todos os outros como tambem Ravel e Stravinsky, Mahler,Pixinguinha e Moacyr de Souza,Guerra Peixe e Villas Lobo.
Abçs
Mais uma grande resenha, dessas que nos fazem continuar acreditando que alguma luz surgirá no horizonte. Parabéns Lester.
É!... É tudo verdade sim. E não tem um "(quase)" no impecável do texto não.
Djavan, questão de gosto, tbm me ardeu nos olhos, lê-lo incluso junto a tiriricas e xororós. Mas se Lester não poupa de Beatles a Miles, acostumei-me a conviver sem sobressaltos com sua opinião. Deve ser a tal da maturidade. Tanto daquele que escreve sustentando, quanto de quem absorve, guardando algumas discordâncias.
Quanto ao furacão Ivete: poxa, odeio a música dela, mas, justiça seja feita, aquele naco carnudo e suculento de mulher gostosa (e inteligente empresária) tem lá sua opinião que respeito. E ela sempre diminuiu, ou melhor, pôs no devido lugar o trabalho que pratica e que nunca julgou como sendo arte. Ao contrário, chama aquilo de entretenimento, como os trens fantasmas, as montanhas russas num parques de diversão... No máximo o ofurô ou a chuva artificial num motel 5 estrelas. Nada além disso. Por isso, tbm, me achei no direito de deixar meu pitaco aqui. Simpatizo com aquela alma... Tanto quanto com todo o envólocro. Ou será vice-versa? Shiii...
Estou inclinado a postar esse texto, na íntegra no meu blog, John Lester. Djavan e tudo! Sem álbum para apresentar ou qualquer filigrana, de tanto que as idéias nele contidas, bateram exatamente com o que penso. Tudo bem pra você?
Prezados e exagerados amigos, não quero crer sincero tanto alarde. O breve texto não passa de mera constatação, simples e direta, sem aquela qualidade que tem o rabisco de um Reinaldo Santos Neves, de um Pedro Nunes ou de um Francisco Grijó.
Quanto ao museu, é aquele mesmo Mrs. Internauta Véia.
Quanto ao postar meu texto, o texto é nosso amigo Sérgio. Se não fossem as visitas dos amigos o texto nem existiria. Na verdade, fico é lisonjeado em ver meu texto publicado num blog inteligente como o seu.
Grande abraço a todos e vida longa ao jazz.
Caramba!
Esse blog é ótimo!
Achei seu blog por acaso e adorei. Vou continuar lendo os outros posts para ficar por dentro desse mundo bacana do jazz.
Abração
O Thiago tem razão. O blog é ótimo (sobre jazz, diria mais, é obrigatório) e o texto do Lester é muito bom.
Embora saiba de quem se trata e seja altamente bem recomendado, nunca li Reinaldo Santos. Também nunca li Victor Hugo, minha maior frustração literária até hoje é não ter conseguido passar da 30ª página de "A mulher de 30 anos" do Balzac. Alguns desses gênios, jamais lerei. Então, Pedro Nunes, tbm, que me perdoe se passar pela vida sem lê-lo. Estará em boa companhia.
Mas o q vim dizer, Lester, é que, mesmo me sabendo autorizado a postar texto vosso, pedir uma permissãozinha é de bom tom, não é verdade?
Grato e continue provocando satisfações como a exemplificada pelo Thiago# aqui encima. Eu, que tenho boa imaginação, cheguei a ver-lhe a expressão segurando o próprio queixo.
Volte sempre Thiago.
Grande abraço, JL.
Já adicionei aos favoritos rs
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