15/01/2009

Pela porta da frente

A "carranca" do presidente americano Richard Milhous Nixon (1913/1994) não deixava dúvidas. Ele era homem de poucos amigos. Nos filmes, mini-séries e documentários revelou-se o perfil do homem público que prematuramente disputava cada centímetro de sucesso que recebeu na vida. Nos verbetes das enciclopédias, a figura do estadista visionário: redutor do arsenal de mísseis nucleares em acordos com a extinta URSS. O político que estendeu a mão restabelecendo relações diplomáticas com a China e retirou de vez as tropas do Vietnã. O homem chegou à lua em seu período presidencial. Em sua personalidade nada complexa, Nixon confiava - desconfiando. Demonstrava afeto público apenas à esposa - a quem chamava de "mom" (mãe). Pagando o preço da renúncia por violar preceitos constitucionais que jurou defender na posse do segundo mandato, a desgraça moral fez com que se retirasse da presidência pela porta dos fundos. Acesso que a ausência de caráter utiliza sempre para entrar. Homem de hábitos rudes, era obsessivo em controlar tudo e a todos: de íntimos à estranhos. Tinha como regra gravar tudo que se falava em seu gabinete. Ordenando, para isso, a instalação de um compartimento secreto onde agentes da Inteligência revezavam-se "grampeando" o que era dito, discutido ou decidido no ambiente presidencial. Desde um pueril encontro com as candidatas a Miss América. Até mesmo reuniões estratégicas sobre segurança interna. Tudo, mas tudo mesmo, era minuciosamente registrado em fitas magnéticas. Elvis Presley (um lunático, na opinião de Nixon) solicitando a expulsão dos EUA do "Beatle" John Lennon por exercer má influência aos jovens, está nos carretéis mantidos em segredo de estado por dezenas de anos. Uma gravação, porém, nada secreta, absolveu ou redimiu as ações de Nixon perante os apreciadores do Jazz. Foi feita na data precisa de 29 de abril de 1969. Nela, o áudio da festa de aniversário dos 70 anos de Duke Ellington na ala residencial da Casa Branca. Além do aniversário em si, havia o "casamento" com a cerimônia de condecoração com a Medalha da Liberdade ao maestro-compositor. Tratava-se da maior honraria civil concedida pelo governo dos EUA. Sendo a primeira para um músico de jazz, ainda mais negro, da história republicana. Naturalmente essa homenagem tinha um oportunismo político. Ellington, em 1965, recebera um "não" da comissão do Prêmio Pulitzer na categoria contribuição à música. Tamanha "esnobação" provocou imenso escândalo na elite intelectual nova-iorquina. Ellington revestiu sua magoa com ligeira ironia. "Acho que estou jovem demais para, aos 65 anos, começar a ficar famoso", disse. Havia outra razão jornalística para colocar a cerimônia nas manchetes da semana. O pai de Duke trabalhou como mordomo na ala presidencial. Tornando a cerimônia como a única vez que o filho de um membro da criadagem presidencial entraria - na condição de músico consagrado internacionalmente - pela porta da frente da Casa Branca. Um grupo selecionado de músicos - figuras "carimbadas" no álbum dos grandes do jazz - fez parte dessa festividade como "a banda da festa". Grupo esse que prosseguindo carreira por ano apenas dificilmente não seria considerado o maior conjunto estável do jazz de todos os tempos. Louie Bellson(d); Clark Terry e Bill Berry (t); Paul Desmond (as); Gerry Mulligan (bs); J.J. Johnson e Urbie Green (tb); JimHall (g); Milt Hilton (b); Earl Hines, Billy Taylor, Dave Brubeck e Hank Jones (p) e os vocais de Joe Williams e Mary Mayo. Para conseguir rastilhar as principais obras de Ellington foi escolhido o modelo de uma série de medleys (trechos de diversas canções agrupadas como se fosse um tema único). O resultado superou as expectativas. Talvez porque os participantes do grupo se sentissem em parte homenageados pela medalha alfinetada no peito de Duke. Eles, como músicos negros ou não de jazz sentiam na pele o preconceito racial ou social de uma América que ainda aprendia a ser nova. As gravações - com as devidas retiradas dos discursos protocolares - foram lançadas diretamente em cd pelo selo Blue Note em 2002, com o título ''Duke Ellington 1969: All-Star White House Tribute", com mais de 75 minutos de excelente música. Oportunidade rara em que a política e a música se combinaram no interesse exemplar de educar as futuras gerações. Que essas lições jamais sejam esquecidas. Para os amigos, deixo a faixa Things Ain't What They Used To Be , com excelentes solos de Paul Desmond, Gerry Mulligan, responsável também pelo arranjo original do tema, e Dave Brubeck.

9 comentários:

John Lester disse...

O sol nasce na orla capixaba, enquanto ouço o solo de Brubeck e leio a resenha do amigo Edù. E penso com a testa enrugada: não teria sido severo demais Leroy Jones ao dizer que Brubeck não sabia tocar o blues? Seria Brubeck um mão de pedra realmente? Creio que não.

Claro, mesmo nessa passagem de Things Ain't What They Used To Be observamos aqueles dedões pesados e aparentemente perdidos de Brubeck sobre o teclado, mas não há também o bom blues saindo de algumas teclas?

Bem, preciso ir, senão perco a hora no sirviçu.

Grande abraço, JL.

Anônimo disse...

Retornou bem nosso amigo Edu, excelente post.

Salsa disse...

por falar em Brubeck, lembro-me de ter lido um texto de Mingus (Reinaldo me mostrou), no qual ele desancava Miles Davis por este ter dito que o pianista não tinha swing. Mingus chegou com força pra cima do trmpetista invocado.

Anônimo disse...

Retornar da gélida Filadélfia para o convívio ensolarado do Jazzseen é revigorante.Hoje, aniversário de “mi madre”, quem recebe presente sou eu.Como excelente editor, Lester, mais uma vez ,acerta “telepaticamente” na escolha dos temas musicais.Brubeck dispensa comentários adicionais em breves linhas.Continua resistindo aos 88 anos como um dos maiores do jazz em franca atividade.

Anônimo disse...

Só falta agora o Tandeta dizer que, assim como Miles Davis é o melhor trompetista do jazz, o Leroy Jones é o melhor crítico de jazz. Para onde esse mundo vai?

Anônimo disse...

Eu, PREDADOR, não escrevi nada disso ai acima, ainda mais uma provocação ao sr.Tandeta. Cuidado com quem não tem personalidade, usa o pseudonimo de outrem, e só quer ver o circo pegar fogo.

Marília Deleuz disse...

Bela resenha Edu. Beijos!

CigarraJazz disse...

Parabéns pelo post, Edú. Fiquei sabendo mais umas coisas e estes músicos são todos do melhor. Adorei esta faixa.

Anônimo disse...

Bom ter Mr. Edú de volta!
Seja bem vindo!
Legal a resenha, e o som, de primeira...