24/04/2009

Antes tarde do que nunca

Não foi a “grita” da legião de artistas excluídos do show comemorativo na praia de Ipanema. Nem mesmo o indevido “chã de cadeira” recebido pela platéia “escrava” aos caprichos de João Gilberto. O fato musical mais relevante de 2008 – oficializado como o ano da comemoração dos 50 anos da Bossa Nova - cruzou a ponte em sentido inverso e partiu de Niterói. Naquele município, distante 15 kms do Rio de Janeiro, através da fundação cultural municipal se produziu mil peças únicas do primeiro disco autoral do contrabaixista Luiz Alves – “Mar Azul”. Se nem tudo na vida foi tão azul para aquele que é considerado exemplo de “músico dos músicos”, Luiz não se indignou com a “ breve espera” de meio século de carreira para lançamento do primeiro disco. Afinal consumiu grande parte desse tempo concentrado na atividade profissional dentro dos estúdios de gravação, em turnês e principalmente tocando com: Tom Jobim, Sivuca, Paulo Moura, Hermeto Paschoal, Nana e Dori Caymmi, Egberto Gismonti, Luiz Eça e João Donato – parceiro musical de mais de 30 anos – entre outras eminências no decorrer dessas cinco décadas de carreira. Era o destino traçado do menino que aos oito anos de idade insistia em aprender violão com o pai e “colava” orelha, sempre que podia, no falante do rádio familiar escutando a voz de Orlando Silva,a sanfona de Luiz Gonzaga, o choro de Jacob do Bandolim ,o quinteto de Radamés Gnattali e a Orquestra Tabajara. Cheio de ímpeto aos 15 anos organizava seu primeiro grupo, o trio Guanabara, para apresentar-se na Rádio Mayrink Veiga. Em 1962, escolhe definitivamente o contrabaixo acústico pra seguir o oficio de músico. Esse instrumento, criado no século XIV e mais próximo de todos na comparação com a anatomia humana,foi definido,certa vez, por um amigo do também contrabaixista, Luiz Chaves, como “o que não sabemos o nome a primeira vista, mas quando falta num grupo leva a alma da música embora”. Luiz Alves, particularmente, na opinião desse escriba, é o maior contrabaixista acústico brasileiro em atividade. Viveu inclusive fase de “pop star” quando tomou parte no grupo Som Imaginário nos anos setenta. O grupo, de carreira curta de três lps – todos disputados em desleais cotoveladas pelos frequentadores dos sebos de discos - forma a estrutura musical do disco “Milagre dos Peixes” de Milton Nascimento, insistentemente escolhido como dos melhores da chamada MPB da década de 70. Inicialmente aprendendo música “de ouvido”, Alves entra, já atuando profissionalmente, na Escola de Música recebendo aulas de técnica de contrabaixo de seu mestre - Sandrino Santoro – prolongadas até mesmo aos período s recentes. No inicio da década de 80, conjuntamente com o pianista Luiz Eça e o baterista Robertinho Silva (parceiro de Som Imaginário) forma, por acaso, o Triângulo. Esse trio, de disco independente financiado e produzido por Egberto Gismonti (para seu selo Carmo) se coloca na lista dos melhores trabalhos instrumentais da década de 80. Após breve passagem de um ano por Los Angeles, Alves retorna - fora seu compromisso regular com João Donato – à vértice rítmica de trio contrabaixo - bateria e piano em 2006 com o Samba Jazz trio ao lado de Kiko Continentino (p) e Clauton Sales – baterista que atrevidamente maneja o sopro do trompete ao mesmo tempo “rufa” suas caixas e tambores. Essa trinca de músicos – de um cd apenas (pelo selo Guanabara Records) – resgata a herança da tradição dos trios instrumentais do chamado samba jazz nascido no Beco das Garrafas no início dos anos sessenta no Rio de Janeiro. Colocando-se como o melhor deles surgido nas ultimas três décadas desde a dissolução do mais lendário de todos - o Tamba – liderado pelo ex-parceiro Luiz Eça. O cd "Mar Azul", por sua vez, “navega” sob o frescor da Bossa Nova, cinqüenta anos depois, conduzindo primorosamente o estilo em dez temas (oito de Luiz), colocando no chão – ou seria na areia da praia - a teoria de que inexistem bons compositores em nossos dias. Um seleto grupo de músicos de diversas gerações e laços de amizade unem-se no grandioso pretexto de fazer boa música com especiais destaques ao contrabaixista do Tamba – Bebeto Castilho (desta vez tocando flauta transversal), o saxofonista Idriss Boudrioua e o gaitista Maurício Einhorn. Se na comemoração oficial dos cinquenta anos da Bossa Nova às horas de espera do ansioso público de João Gilberto descortinaram a seguinte realidade: demonstrada no palco, na voz e no violão, que o baiano persiste sendo - com todas suas idiossincrasias - um artista genial. Em especial, nessa comemoração informal, no caso de Luiz, a chance – antes tarde do que nunca – do lançamento de seu primeiro disco e a inspiração da certeza que para determinadas ocasiões – nunca é tarde demais esperar. Para os amigos visitantes deixo o tema “Fátima” de Luiz Alves dedicado a sua mulher com o próprio ao contrabaixo acústico acompanhado de Idriss Boudrioua (sax alto), Maurício Einhorn (gaita), Alberto Chimelli (piano), Ricardo Costa (bateria) – faixa do cd “Mar Azul".

29 comentários:

John Lester disse...

Prezado Edù, obrigado por mais uma de suas excelentes resenhas.

Agora preciso ir comprar o disco do Luiz.

Grande abraço, JL.

edú disse...

Agradeço a preciosa colaboração do eminente baterista André Tandeta - que se despede nesta semana de uma temporada de mais de seis meses de apresentações com seu trio no Barril 1800 no Rio de Janeiro – por seu insistente esforço pessoal dedicado em auxiliar a coleta de informações para redação dessa resenha e o encaminhamento de uma entrevista ao próprio Luiz Alvez.Agradeço também a simpatia e gentileza de Luiz Alves em ceder espaço em sua concorrida agenda profissional para responder a entrevista q lhe enviei. Por fim, jamais deixarei de agradecer meu editor , amigo e força motriz desse blog ,John Lester, por generosamente “abrir alas” para minhas modestas iniciativas.

nocivo disse...

nocivo

Salsa disse...

O Luiz Alves merece a reverência de todos os músicos brasileiros. Eu ainda não ouvi o disco, mas considerando a história de Alves, só pode ser coisa boa.

figbatera disse...

Muito bom, edú, justíssima homenagem a este grande músico.

Andre Tandeta disse...

Mr. Lester,
tendo tocado muitas vezes com Luiz Alves(que sorte a minha!)posso afirmar que é um prazer enorme sempre. Que balanço ,que facilidade ,a musica flui sem esforço.
Se quiser eu mando um CD pro Sr.
Edú,
caprichado e informativo texto,bem escrito como sempre. Como musico brasileiro eu agradeço esse espaço dedicado ao grande Musico Luiz Alves.
Abraços

Érico Cordeiro disse...

Que bom que tenhamos no Brasil músicos do quilate do grande Luiz Alves. Parabéns ao - talvez - mais importante contrabaixista acústico em atividade no país. Em sua homenagem, posto esse comentário ao som do seu quase homônimo - e taambém grande baixista - Luiz Chaves (CD Berimbau). Pergunto ao Lester e ao Tandetta: como faço para adquirir o CD Mar Azul?
Abraços a todos...

John Lester disse...

Prezado Mr. Cordeiro, quem me dera saber onde comprar o álbum. Estamos como você, na expectativa de que Mr. Tandeta traga alguma luz até nós.

Grande abraço, JL.

Andre Tandeta disse...

Mr.Cordeiro,
Tandeta,com um t só,por favor. Não é um nome italiano ,por incrivel que pareça ,é polones.
Creio que se o Sr. entrar em contato diretamente com Luiz Alves ele podera enviar ou indicar como conseguir o CD:luizalves44@yahoo.com.br
Mr.Lester,
como ja enviei outro CD pro Sr(Ze Luiz Maia) e tenho seu endereço que me foi passado pelo Edú é só o Sr me autorizar que consigo um e envio .
Abraços

Érico Cordeiro disse...

Obrigado pela dica, Tandeta.
A internet é algo muito bacana mesmo. Através dela, cá estou eu a bater papo virtual com um dos nossos mais conceituados bateristas e prestes a entrar em contato direto com um dos nossos mais importantes contrabaixistas, que participou de centenas de gravações históricas com gênios como Edu Lobo, Milton Nascimento, Paulo Moura, João Donato, Chico Buarque, Marcos Sacramento, entre outros.
Valeu!!!!

edú disse...

O meu cd consegui via Modern Sound (www.modernsound.com.br).Fiquei meio indignado com o preço cobrado pelo frete(RJ/SP).No entanto , ao chegar a embalagem na minha casa ela pesava 320 gramas.O disco foi empacotado e recheado de forma a resistir a uma hecatombe nuclear.Ponto positivo,o capricho da logística e o envio de todas as notas fiscais.Ponto negativo, onerando em demasia pelo peso excessivo e a conseguente elevação das tarifas postais.Deixando minhas raízes judaicas de lado, o disco "vale ouro" de tão bom

Érico Cordeiro disse...

Caros amigos do jazzseen,

Este modesto escriba acabou de criar um blog para falar, primeiramente, de música e, preferencialmente, de jazz, bossa nova e MPB em geral. Mas é um espaço aberto para todas as demais formas de música e de manifestações artísticas.
Convido os amigos do jazzseen (e também do jazzigo) para darem uma espiada e opinarem. O endereço é http://www.ericocordeiro.blogspot.com e o nome do blog é JAZZ + BOSSA + BARATOS OUTROS.
Mr. Lester, Tandeta, Edu, Scardua, Sérgio, Salsa e os demais amigos estão mais do que convidados.
Quanto ao CD do Luís Alves, vou dar uma checada no site da Modern Sound. Obrigado, Edu.
PS.: Estou postando esse comentário ao mesmo tempo em que ouço o novo CD do Raul de Souza, Bossa Eterna, onde o grande Luiz Alves faz as honras no baixo.

Abreços

Érico Cordeiro disse...

Caros amigos do jazzseen,

Este modesto escriba acabou de criar um blog para falar, primeiramente, de música e, preferencialmente, de jazz, bossa nova e MPB em geral. Mas é um espaço aberto para todas as demais formas de música e de manifestações artísticas.
Convido os amigos do jazzseen (e também do jazzigo) para darem uma espiada e opinarem. O endereço é http://www.ericocordeiro.blogspot.com e o nome do blog é JAZZ + BOSSA + BARATOS OUTROS.
Mr. Lester, Tandeta, Edu, Scardua, Sérgio, Salsa e os demais amigos estão mais do que convidados.
Quanto ao CD do Luís Alves, vou dar uma checada no site da Modern Sound. Obrigado, Edu.
PS.: Estou postando esse comentário ao mesmo tempo em que ouço o novo CD do Raul de Souza, Bossa Eterna, onde o grande Luiz Alves faz as honras no baixo.

Abraços

edú disse...

Prezado Sr.Érico,
vou conferir sua dica e obrigado pelo convite ao seu blog.Nosso amigo e meu "mano mais velho" André Tandeta estará lançando no próximo dia 29 na própria Modern Sound um cd em homenagem ao nosso "maestro maior",Tom Jobim, realizado por Victor Biglione.Tandeta, participante do trio do guitarrista há tempos, conduz a sutileza rítmica nesse particular trabalho q estou ansioso por conhecer - "mano velho".O cd "Bossa Eterna" foi um dos discos do nosso mercado doméstico q mais "curti" em 2008.O melhor trabalho do Raul em mais de 15 anos, certamente.O Luiz Alves esta "esmerilhando" tudo lá também.

Érico Cordeiro disse...

Valeu a dica, Edu. Vou dar uma conferida, afinal o Victor Biglione é um guitarrista/violonista espetacular.
Abraços!

edú disse...

Retificando a informação que prestei: o lançamento do cd do Victor Biglione dedicado ao Jobim com o Tandeta na “batera” será dia 28/04 ás 19:00 – terça feira - na Modern Sound na Rua Barata Ribeiro 502 em Ipanema(RJ).

Andre Tandeta disse...

Edú,
muito obrigado ,Irmãozinho.
Tomarei a liberdade de enviar um CD pra voce e outro pra Mr. Lester.
Espero que gostem.
Abraço

Sandra Leite disse...

adorável resenha. me deixou com água na boca com um exto tão sedutor. A música é para reverenciar aos goles e tais e coisas:)

Internauta Véia disse...

Caro Edú, parabéns mais uma vez! Pelo texto e por trazer Luiz Alves até nós, e a bela faixa de seu CD. Piano,(Piano, piano...!) contrabaixo, um sopro , ou dois, no caso, e uma bateria discreta...belíssima combinação, adoro!

Quanto à localização da Modern Sound,fica na "copabaníssima" Barata Ribeiro, não em Ipanema...

E, desculpem, vc. e Luiz Alves, mas vendo a capa do CD,( e Carioca Véia que sou...) não resisto à lembrança do comentário, não sei se de Sérgio Porto, o inesquecível Stanislaw Ponte Preta: " O melhor de Niterói é a vista do Rio! Desculpe, desculpe, mas terá sido coincidência a foto da capa?

Carinho da Internauta Véia.

Internauta Véia disse...

"CopaCAbaníssima"...

edú disse...

Bem corrigido, prezada Internauta Véia.A Modern Sound - como bem afirma em sua página virtual - fica no coração de Copacabana.

Fernanda disse...

muito boa a resenha mesmo..

queria deixar uma sugestão
escute o trabalho deste pianista
www.rodrigoandreiuk.com

valeu!

Internauta Véia disse...

Até tentei, mas para acessar a pag. deste pianista(rodrigo andreiuk), vc. tem que digitar seu e-mail...por que, se o Jazzseen, o Jazzigo, o Blog do Grijó, o CJUB, enfim, blogs desta categoria, vc. entra livremente? Perdi o interesse imediatemente!

Internauta Véia disse...

"...se NO Jazzseen, NO Jazzigo,NO Blog do Grijó,NO CEJUB..."

cs disse...

muito bom

Paula Nadler disse...

Bom ver o Jazzseen assim, cheio de vida!

Beto Kessel disse...

Edu,

Excelente resenha, tal como o album fantastico do Luiz Alves...

Vi no site www.clubedejazz.com.br, e divulguei na comunidade do Kiko Continentino e do Luiz Alves la no orkut.

Por um lapso, divulguei como texto do John Lester, mas ja corrigi..

De qualquer forma, aproveitei para divulgar o jazzseen, que tal como o cjub, deseja divulgar a ,musica de qualidade.

Abracos,

Beto Kessel

edú disse...

Kessel,
vc é o "pai da idéia".Obrigado pela força.Abraço.

pituco disse...

aí tem música pra mais de 'metro'...quilômetros que insistem em distanciar o tempo e não conseguem...taí a história do signore luiz alves, em notas,harmonas,temas e acredito amigos.

lindo pacas o tema 'fátima'...putz,tb com os feras aí...e que sentimento no solo de piano...valeô o post

abraçsonoros
namaste