Os públicos cativos dos maiores festivais de jazz realizados no país nos últimos 30 anos se acostumaram com o pesquisador musical e jornalista Zuza Homem de Mello sem, na verdade, conseguir vê-lo por inteiro. Escutavam a voz como anunciador, convidando ao palco dezenas de músicos que sonharam ver e, principalmente, ouvir tocar ou cantar “em carne e osso”. Nos bastidores, como curador desses eventos, sua presença física era solicitada na “coreografia” frenética do “ir e vir” coordenando colegas de produção para que todos os detalhes previstos fossem atingidos. Com amigos e conhecidos presentes, que percebendo a quase invisível figura nas noites de celebração da música, recebiam sua palavra gentil e o afetuoso aperto de mão. Em 2007, Zuza aproveitou e colocou na forma escrita e exatas 335 páginas suas impressões e memórias em livro de parte do que viu e ouviu nos seus mais de 50 anos de convivência íntima com a música. Já havia publicado anteriormente outras obras sobre o tema abrangendo uma antologia analítica das mais conhecidas canções da MPB dos anos 40, 50 e 60 e a inóspita tarefa de decodificar para leigos a técnica de voz e o violão da bossa de João Gilberto. De título Música nas veias (Memórias e ensaios) editora 34 - disponível na variedade de preços e localidades no site http://www.estantevirtual.com.br/ - separou em oito capítulos diversos aspectos do tema e particularmente destaca o jazz entre eles. Às lembranças escritas dão partida na tentativa de conciliar a carreira de estudante universitário com a de contrabaixista acústico profissional na noite paulistana no inicio dos anos 50.
No ambiente que respirava ao ritmo de jazz, diga-se de passagem, e “pouso” para “ases do oficio” como os pianistas Moacyr Peixoto, Dick Farney, o contrabaixista Xu Vianna e o garoto prodígio César Camargo Mariano. Depois dessa infrutífera passagem do ponto de vista profissional – já que não prosseguiu carreira – e válida do ponto de vista pessoal - aprendeu com que queria lidar na vida, Zuza recebe a chance única que a maioria dos “devotos” do estilo não relutaria um segundo em empenhar todos os títulos de sua coleção de discos para ter. À pretexto de matricular-se no curso de musicologia da Juilliard School of Music desembarca em Nova Iorque no ano de 1957. Arranja tempo antes para ser o único sul americano aceito no curso de três semanas que começava de forma experimental em Tanglewood (estado de Massachutsetts) organizado pelo idealismo do casal Philip e Stephanie Barber, prósperos comerciantes. Os temas versavam sobre a improvisação, técnica instrumental e comunicação no jazz. O corpo docente da nova escola, batizada de forma redundante mas resolutamente pratica de School of Jazz, era formada apenas por personagens da galeria do Hall da Fama tendo John Lewis (como diretor e professor de piano), Ray Brown (de contrabaixo e orquestração), Herb Ellis (g), Dizzy Gillespie,(trompete e orquestração), Jimmy Giuffre(sax,clarineta e orquestração), Milt Jackson (vib), Oscar Peterson (p), Max Roach (d), Bill Russo(composição e orquestração) e finalizando com o historiador Marshall Stearns, uma das maiores autoridades vivas da época, com a disciplina da história do jazz.
Os grupos em residência, os encarregados de transformar em música aquilo que era teorizado nas reuniões ao ar livre ou em classes de aula – a escola era uma mansão cercada por bosques - eram o Modern Jazz Quartet, Oscar Peterson trio, Jimmy Giuffre Three (precursor do jazz camerístico). Após esse estágio de aprendizado, Zuza “mergulha” nos meandros do pulsante jazz que se praticava em Nova Iorque naquele ano. Pagando um dólar e oitenta centavos entra pela primeira vez na vida no Birdland consumindo, a base de conta gotas, uma cerveja e assistindo todos os sets do pianista Phineas Newborn e a big band do trompetista Maynard Fergunson naquela noite. Impossível elencar na leitura subseqüente das quarenta e seis paginas do capítulo “An Impression of Jazz in New York”, sem o prejuízo da omissão, a constelação de verbetes da Enciclopédia do Jazz que o jornalista assistiu naquele ano e todos vivendo, quase na totalidade, o esplendor da forma artística. Tomo a liberdade de citar o duelo de bateria entre Buddy Rich e Jo Jones (vencido pelo último) no Central Park, Billie Holiday, todos os dias das seis semanas da temporada de John Coltrane e Thelonius Monk no Five Spot Café e também seu único concerto no Carnegie Hall, Ray Charles junto com Betty Carter no lendário Apollo Theatre, às big bands de Woody Herman e Count Basie com seus lideres, Oscar Pettiford, Coleman Hawkins, Wynton Kelly, Stan Getz e J.J Johnson juntos, Roy Eldridge, Chet Baker, Lee Morgan, Ella Fitz gerald com Duke Ellington e orquestra no lançamento oficial do songbook (o melhor de Ella) dedicado ao compositor no Carnegie Hall, Charles Mingus, Cecil Taylor, Horace Silver, Lester Young, Sarah Vaughan, Sonny Rollins e – nas suas palavras – o magnífico quinteto de Miles Davis com Paul Chambers(b), Red Garland(p), John Coltrane (ts), Philly Joe Jones(d) “o mais extraordinário grupo que ouvi ao vivo” e a heróica tentativa de Bud Powell tentar tocar “bem” piano.
O livro de Zuza é absolutamente generoso em dividir essas experiências de forma detalhista e nem um pouco monótona. Craque no saber do jazz, Zuza é ciente que essas experiências só teriam sentido se transmitidas às novas gerações que na maioria dos casos têm acesso aos artistas citados através de gravações apenas. Um legado a respeito de personagens e a evolução do próprio jazz no passar dos anos que se contabiliza nos dedos de uma das mãos pessoas capazes e que realmente tem aquilo o que contar. Para os visitantes deixo a faixa de um dos espetáculos presenciados por Zuza em 29 de novembro de 1957 em Nova Iorque: Thelonius Monk e John Coltrane no Carnegie Hall com Ahmed Abdul-Malik (b) e Shadow Wilson (d) no tema Nutty.
No ambiente que respirava ao ritmo de jazz, diga-se de passagem, e “pouso” para “ases do oficio” como os pianistas Moacyr Peixoto, Dick Farney, o contrabaixista Xu Vianna e o garoto prodígio César Camargo Mariano. Depois dessa infrutífera passagem do ponto de vista profissional – já que não prosseguiu carreira – e válida do ponto de vista pessoal - aprendeu com que queria lidar na vida, Zuza recebe a chance única que a maioria dos “devotos” do estilo não relutaria um segundo em empenhar todos os títulos de sua coleção de discos para ter. À pretexto de matricular-se no curso de musicologia da Juilliard School of Music desembarca em Nova Iorque no ano de 1957. Arranja tempo antes para ser o único sul americano aceito no curso de três semanas que começava de forma experimental em Tanglewood (estado de Massachutsetts) organizado pelo idealismo do casal Philip e Stephanie Barber, prósperos comerciantes. Os temas versavam sobre a improvisação, técnica instrumental e comunicação no jazz. O corpo docente da nova escola, batizada de forma redundante mas resolutamente pratica de School of Jazz, era formada apenas por personagens da galeria do Hall da Fama tendo John Lewis (como diretor e professor de piano), Ray Brown (de contrabaixo e orquestração), Herb Ellis (g), Dizzy Gillespie,(trompete e orquestração), Jimmy Giuffre(sax,clarineta e orquestração), Milt Jackson (vib), Oscar Peterson (p), Max Roach (d), Bill Russo(composição e orquestração) e finalizando com o historiador Marshall Stearns, uma das maiores autoridades vivas da época, com a disciplina da história do jazz.
Os grupos em residência, os encarregados de transformar em música aquilo que era teorizado nas reuniões ao ar livre ou em classes de aula – a escola era uma mansão cercada por bosques - eram o Modern Jazz Quartet, Oscar Peterson trio, Jimmy Giuffre Three (precursor do jazz camerístico). Após esse estágio de aprendizado, Zuza “mergulha” nos meandros do pulsante jazz que se praticava em Nova Iorque naquele ano. Pagando um dólar e oitenta centavos entra pela primeira vez na vida no Birdland consumindo, a base de conta gotas, uma cerveja e assistindo todos os sets do pianista Phineas Newborn e a big band do trompetista Maynard Fergunson naquela noite. Impossível elencar na leitura subseqüente das quarenta e seis paginas do capítulo “An Impression of Jazz in New York”, sem o prejuízo da omissão, a constelação de verbetes da Enciclopédia do Jazz que o jornalista assistiu naquele ano e todos vivendo, quase na totalidade, o esplendor da forma artística. Tomo a liberdade de citar o duelo de bateria entre Buddy Rich e Jo Jones (vencido pelo último) no Central Park, Billie Holiday, todos os dias das seis semanas da temporada de John Coltrane e Thelonius Monk no Five Spot Café e também seu único concerto no Carnegie Hall, Ray Charles junto com Betty Carter no lendário Apollo Theatre, às big bands de Woody Herman e Count Basie com seus lideres, Oscar Pettiford, Coleman Hawkins, Wynton Kelly, Stan Getz e J.J Johnson juntos, Roy Eldridge, Chet Baker, Lee Morgan, Ella Fitz gerald com Duke Ellington e orquestra no lançamento oficial do songbook (o melhor de Ella) dedicado ao compositor no Carnegie Hall, Charles Mingus, Cecil Taylor, Horace Silver, Lester Young, Sarah Vaughan, Sonny Rollins e – nas suas palavras – o magnífico quinteto de Miles Davis com Paul Chambers(b), Red Garland(p), John Coltrane (ts), Philly Joe Jones(d) “o mais extraordinário grupo que ouvi ao vivo” e a heróica tentativa de Bud Powell tentar tocar “bem” piano.
O livro de Zuza é absolutamente generoso em dividir essas experiências de forma detalhista e nem um pouco monótona. Craque no saber do jazz, Zuza é ciente que essas experiências só teriam sentido se transmitidas às novas gerações que na maioria dos casos têm acesso aos artistas citados através de gravações apenas. Um legado a respeito de personagens e a evolução do próprio jazz no passar dos anos que se contabiliza nos dedos de uma das mãos pessoas capazes e que realmente tem aquilo o que contar. Para os visitantes deixo a faixa de um dos espetáculos presenciados por Zuza em 29 de novembro de 1957 em Nova Iorque: Thelonius Monk e John Coltrane no Carnegie Hall com Ahmed Abdul-Malik (b) e Shadow Wilson (d) no tema Nutty.
18 comentários:
Prezado Mestre Edù, resenha excelente, grande livro e música magnífica: o que mais seria preciso para aplacar a saudade de nossa amiga Joana?
Grande abraço, JL.
Mr. Edú,
Parabéns por mais uma excelente resenha. É um livro obrigatório para quem gosta de jazz e de música em geral - capítulos antológicos sobre o jazz na Alemanha nazista e sobre as orquestras brasileiras dos anos 20/60. Além é lógico, da vívida descrição do ambiente jazzístico da Nova Iorque do final dos anos 50 e da fabulosa School of Jazz.
E que timaço aquele!!!!
E o Zuza ainda estagiou na Atlantic, sob o comando do super-engenheiro Tom Dowd, aprendizado que lhe fou bastante útil em suas atividades profissionais no Brasil.
Abração!!!
Olá JL e sua Joana. Quiz no dia enviar minhas sinceras condolencias por ser um cachorreiro também e algo me impediu no site.Talvez tenha sido melhor assim. Os meus Shinauzer e Gambauzer,Peter e Kiko enviam seus uivos incondicionais de saudades então, e mais tarde quando pegar meu contrabaixo, farei um solo em sua homenagem, baseado no Footsprints de W.Shorter OK ?
Grande abraço e ótimas resenhas a todos que aqui divulgam tão estimados conhecimentos.
Leo
Edú,
bravo,excelente texto, como sempre.
Curiosidade:
Shadow Wilson, infelizmente um desconhecido para mim até 3 anos atras é um baterista importante na evolução do instrumento no jazz. Nas palavras de T.S. Monk,baterista,compositor e filho de Thelonious,Wilson seria o precurssor de Elvin Jones. Vale a pena conferir. Nesse disco ao vivo com o quinteto de Monk com Coltrane ja da pra ter uma ideia.
Abraço
Desculpem;
o disco de Monk com Coltrane, ao vivo no Carnegie Hall, é com quarteto.
Grato
Queria eu. Beijo pro Edù.
Parabéns Edu; viva Zuza!
Obrigado a todos pela solidariedade. Joana, tenho certeza, agora está com Pixinguinha, Lester Young e Billie Holiday.
É.
Caro Èrico, saudações pelo titulo da segunda divisão.O livro de Zuza – bem lembrado por ti – abriga os referidos assuntos.No entanto, como editar,em certas ocasiões, é cortar na própria carne – deixei os temas mencionados e a melhor historia envolvendo Louis Armstrong, detalhada no livro, que conheci na vida, para oportunas resenhas futuras.Neste ínterim , convido aos interessados visitantes a leitura dessa valiosa obra q contribui a infelizmente mirrada literatura brasileira dedicada ao jazz.
Caro Tandeta, que neste final de semana participou com muito sucesso do lançamento do disco de Jane Duboc e Victor Biglione às canções interpretadas por Ella Fitzgerald na Modern Sound na cidade do Rio de Janeiro,no seu capitulo “Aceita dançar”, sobre a formação dos grupos brasileiros estáveis de música instrumental,Zuza rastreia a passagem,a partir de 1919, de Harry Kosarin - o introdutor da influência do jazz no modo de tocar bateria no país.Do outro lado do Atlântico,em 1957, Coltrane, por sua vez, enfrentava relutância de Miles Davis em libera-lo para tocar no grupo de Monk.O próprio Monk saia de sua certa catarse, fora dos domínios do piano, e vociferava contra o trompetista para a liberação do saxofonista. Nesta breve experiência entre Monk e Coltrane num mesmo grupo fixo, testemunhada na audição e visão de Zuza, os bateristas q se revezaram na formação foram o próprio Shadow Wilson e Roy Haynes.
Um cordial abraço para a srta Nadler.
Seu Olney, continue esse agente nada secreto infiltrado nos melhores ambientes musicais do eixo Cataguazes – Rio de Janeiro.Suas preciosas informações – postadas em seu blog – conta com minha fiel lupa.
Prezado EDÚ:
ZUZA viveu e sabe das coisas.
Vou adquirir o livro, agora informado por sua resenha.
Parabéns pelo belo texto ! ! !
Prezado Apóstolo,um das grandes fontes informativas do assunto jazz no território paulista,repito
:a casa é vossa.
Ínclito Mestre Edù, gostaria de cumprimentá-lo pelo excelente resumo da obra, verdadeiro prolegômeno às impressões do autor.
Saudações.
Sem dúvida o melhor show do Brasil Jazz Festival foi o de Gunhild Carling, artista polivalente com grande poder de contágio. Em breve, nossas impressões sobre o festival.
Grande abraço, JL.
livro nocivo
JL,
favor atender dúvida enviada.Abraço.
Grande Edú.
Tive oportunidade de participar, faz tempo, de um festival de música em Cascavel (PR). Comigo, na tal comissão julgadora, estavam o Zuza, César Mariano e Octávio Burnier.E pude conversar pela primeira vez com o Zuza. Apenas achei que ele é quase sempre categórico em dizer que fulana e sicrano são os melhores nisso ou naquilo. E é do tipo, que nessas situações, não admite contestações. Como já disse aqui uma vez, gosto musical é coisa que se deve respeitar, mas não necessariamente concordar. Em suma, o Zuza às vezes se acha dono da verdade. Foi o que me pareceu. E algumas de suas "verdades" eu realmente não assimilo e jamais serei convencido, principalmente quando o assunto é boa música brasileira. Mas, claro, o Zuza é acima de tudo gente fina.
Abs.
PS. A idolatria dele por Rosa Passos, por exemplo, é super exagerada. Na minha ótica, ela fica no chinelo perto de uma Joyce, principalmente como violonista. Quem é músico sabe disso, sem discussão.
PS II
Ainda sobre a idolatria do Zuza em relação à Rosa Passos, que aliás conheço pessoalmente, ele argumenta que alguns críticos famosos americanos já escreveram artigos com elogios rasgados à baianinha. E Zuza enfatiza que o CD gravado com Ron Carter dá um status único à sua idolatrada. Pois bem. Alguns desses mesmos críticos já elogiaram (e muito)outras cantoras como Flora Purim e Ithamara Koorax que, na minha opinião, não são de nada. E a referência Ron Carter, na minha opinião, não me convence. Nunca foi meu baixista predileto. Ao contrário, ultimamente ele não sai do Brasil e seus shows são bem chatos. O saudoso Nico Assumpção costumava me dizer que o Ron não conseguia sequer afinar o seu instrumento. Quanto à Joyce, repito: basta se informar com qualquer bom músico brasileiro, para aliviar minha suspeição.
Abs.
Prezado Mestre José Flávio,
conheço o Zuza há mais de quinze anos pela afinidade próxima de algumas amizades.Recomendei seu livro pelo particular critério das valiosas informações q ele presta a respeito do ambiente jazz em Nova Iorque no ano particular de 1957, onde foi testemunha ocular e auditiva de muita coisa inscrita de forma relevante nos anais do jazz.Ex: a temporada única de Monk e Coltrane no Five Spot Cafe.O livro é muito agradável e bem escrito na nossa debilitada literatura dedicada ao assunto.Abriga outros temas - q mencionei - dignos de futuras resenhas como a iniciação da formação dos grupos estáveis instrumentais brasileiros e a sobrevivência do jazz na Alemanha nazista.Quanto a Rosa Passos, na minha opinião : a versão aborrecida de saias de João Gilberto.Estive diversas vezes com Ron Carter no Brasil e uma Nova Iorque.Não o consideraria um sujeito vibrante - quase um carola , no bom sentido, apesar de muito amistoso com minha pessoa.No entanto, sua sonoridade volumosa e prolongada no contrabaixo é lindíssima.Abraço.
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