02/06/2010

Jazz band na sala da gente, por Alexandre Staut

A memória é a principal ferramenta de trabalho de um escritor. É o baú de lembranças individuais que alimenta um trabalho de narração, embora isso não signifique que todo romance passe, invariavelmente, por uma ação biográfica. Por isso, chama atenção a escolha do enredo construído pelo jornalista Alexandre Staut para sua estreia na ficção. Em “Jazz Band na Sala da Gente” (Toada Edições), o escritor narra a relação do seu avô com a música, no interior do Brasil no angustiante ano de 1945. Em meio aos ecos da Segunda Guerra, o judeu-alemão Eduardinho Staut, dono da única funerária da pequena Espírito Santo do Pinhal, em São Paulo, enfrenta dentro de casa o principal entrave a uma sonhada carreira de músico: a mulher Ondina e seu pavor de tudo que a faça lembrar uma vida de artista. Os conflitos da família Staut passam pela guerra, pela caça aos judeus (que também assombrou no interior paulista), pela insistência do patriarca em manter seu sobrenome (ao contrário de muitos conterrâneos) e também pelo preconceito racial. Mas o que pesa mesmo naquele núcleo familiar são as discordâncias no modo de ver a vida entre Eduardinho e Ondina.
O patriarca é o homem que ri “educada e delicadamente”, de voz “doce como a música de sua flauta” e dedicado ao ofício de enterrar os mortos da cidade. Ondina, por sua vez, é a típica matriarca super protetora, religiosa com exagero e para quem diversão é um luxo que vem “no fim de todas as coisas, depois do que era de primeira importância”. Pela sua lógica, música era para desocupados. Eduardinho foi líder da “Pinhal Jazz Band” e alimenta seus sonhos musicais com concertos secretos, na sala de casa, que faz para os filhos aos domingos, quando a mulher está bem longe.

O autor elege um narrador com o olhar ingênuo de um menino de seis anos que duvida do começo ao fim do livro de sua onipresença. Os momentos privados da família Staut e seus conflitos são apresentados com certa dúvida. Algo que lembra a insegurança dos narradores orais, que contam o que sabem acrescentando um “assim me disseram” ou “como contaram”.

É uma narração duvidosa, ainda que convincente. A certa altura do livro, o narrador se apresenta, justifica suas colocações e desnorteia ainda mais o leitor mais tradicional. Alexandre deixa seu interlocutor livre para acreditar ou não, o que não deixa de ser um exercício interessante de leitura.

Há sempre uma tendência do autor a uma interpretação irônica das desavenças familiares. Mas curiosamente é quando os conflitos entre os Staut diminuem que o livro entra em seu ponto alto, já nos últimos capítulos. A forma criativa de Ondina superar as faltas causadas pela guerra na preparação do Natal ou a graça suave do pai ao apresentar aos filhos o chiclete, novidade que trouxe de São Paulo são episódios tão delicados quanto emocionantes. Sem esforço por um exercício narrativo, Alexandre conta uma boa história. (Fonte: Marta Barbosa, para o UOL).
 
O livro segundo o autor:
 
Uma banda de jazz é a "sensação" de uma cidadezinha perdida no mapa, na década de 40. As notícias de uma guerra distante chegam a uma casa, neste lugarejo, por meio das ondas do rádio. Hitler comanda uma caça aos judeus do interior de São Paulo. Colonos italianos e a retaliação ao povo alemão. Pixinguinha toca seus choros e as cantoras de rádio soltam a voz. Cinema mudo com orquestra ao fundo. Santinhos, religiões, povos, culturas diversas, que formariam o que hoje é o estado de São Paulo, e o Brasil. Tudo isto está neste romance. Mas apenas como pano de fundo, pois, aqui, o que importa é a história de pessoas comuns, mais precisamente de uma família formada do encontro entre um flautista judeu e uma senhora italiana, na cidade paulista de Espírito Santo do Pinhal, num recorte de um ano – entre meados de 1945 e 1946.

A ideia deste romance ocorreu num momento em que o autor procurava dados concretos para compor sua bússola familiar. Sem encontrar a história do avô paterno – Eduardinho Staut, o músico em questão, que também era agente funerário da cidade e que comemoraria agora seu 110º aniversário – junto aos pouquíssimos personagens vivos que teriam convivido com este homem, percebeu que disporia de poucos detalhes da vida privada dos seus, conforme ele me diz. Resolveu então criar um passado para o avô. Sim, inventar uma história. Não só para o avô, mas para toda a família.

Para tecer este retrato íntimo, comovente e, por vezes, tragicômico, o autor valeu-se de um dos poucos documentos existentes, que se relacionam ao personagem em questão – uma crônica escrita pelo jornalista Ubirajara Rocha no dia da morte do seu Eduardinho, que agora é republicada nas primeiras páginas do volume "Jazz Band na Sala da Gente".

A história que segue é contada aqui por um narrador que persegue o ponto de vista do filho mais novo do músico, o garoto Eduardo Luiz, que, em 1945, tinha seis anos.Ao fazer este retrato delicado da família, o autor transcende a história da vida privada e íntima dos seus, e acaba por traçar o retrato de uma época de transformações sociais e políticas no Brasil. Acaba por abordar a diversidade cultural do interior do país, que aqui nos chega por meio de sentimentos muito finos e diálogos engraçadíssimos.

Um romance histórico que conquista pela narrativa habilidosa e pelas imagens poéticas de um tempo de guerra e caça às bruxas, mas com trilha sonora ao fundo. Que abram as cortinas, a jazz band vai começar a tocar. (texto de orelha escrito por Geraldo Simões, historiador especialista em diáspora)



Sobre o autor

Alexandre Staut nasceu em Espírito Santo do Pinhal (SP) em 1973. Jornalista, trabalhou em alguns jornais da capital paulista, sempre em editorias de cultura e comportamento. Certo dia resolveu ser cozinheiro... uma paixão que o acompanha desde a infância. Comprou uma passagem de ida para a Europa e permaneceu um ano e meio em Londres e três na França trabalhando em cozinhas diversas. Em Brest (a cidade do Querelle) fez curso de gastronomia... e viveu, em média, 14 horas por dia mexendo panelas. De repente resolveu voltar a escrever. Trocou os temperos pelas letras. Hoje escreve matérias sobre costumes e gastronomia para diversas revistas nacionais, como repórter “frila”. O romance "Jazz Band na Sala da Gente" é sua primeira ficção.



Livro: Jazz Band na Sala da Gente

Páginas: 156

Autor: Alexandre Staut

gênero: romance

formato: 14x21cm

Toada edições

ISBN: 978-85-910206-0-7

Toada Edições, Rua Bela Cintra, 67, cj 52, telefone.: (11) 3791-7401 (11) 3791-7401 , São Paulo, SP, 01415-000 twitter:@stautalexandre