24/10/2010

Músicos de jazz morrem cedo: fato ou ficção?

Segundo o crítico Martin Lindsay [1] a bebida, as drogas, as mulheres e o excesso de trabalho, tornavam os músicos de jazz mais expostos à morte prematura que as demais profissões. Para Gunther Schuller [2] a carreira da ODJB (Original Dixieland Jazz Band) foi tão fantástica e típica quanto a de qualquer outra banda de jazz, com vida desregrada, alcoolismo e mortes prematuras. Já Whitney Balliett [3] afirma que a carreira de Big Sid Catlett (o famoso baterista morto aos 41 anos) foi sistematicamente marcada pelo sofrimento, mesmo para um músico de jazz, profissão cercada pela pobreza, obscuridade e morte prematura. Em que dados estes respeitados críticos se basearam para afirmar que os músicos de jazz morrem cedo?

Estudos estatísticos apresentados pelo Dr. Frederick Spencer [4], da Virginia Commonwealth University, indicam que todas as afirmações acima não passam de meras opiniões, formuladas não se sabe a partir de que fonte. O estudo, realizado com 86 músicos de jazz nascidos entre 1862 e 1938, demonstrou que 82% deles ultrapassaram suas expectativas de vida, considerando-se o ano de nascimento, o sexo e a cor de cada um deles. 75% dos músicos brancos, 80% dos músicos negros e 100% das mulheres ultrapassaram suas expectativas de vida, revelando que deve haver algo muito errado com o mito tão propalado de que os músicos de jazz morrem cedo.

Embora alguns estudiosos tenham criticado o estudo apresentado pelo Dr. Spencer, alegando que a amostra não seria adequadamente representativa, o fato é que a esmagadora maioria das afirmações feitas sobre o tema não se baseia em fontes ou dados confiáveis, nem em análises estatísticas, mas tão somente em temerárias ou apaixonadas opiniões pessoais.

O fato de o jazz ter nascido nos prostíbulos de New Orleans e ter passado a juventude nos bares clandestinos de Chicago, ou seja, em meio a muita violência, mulheres contaminadas e bebidas alcoólicas de péssima qualidade, fez com que se gerassem vários mitos, como os de que todo músico de jazz era um bêbado promíscuo, ou que levava uma vida desregrada, ou que trabalhava em excesso ou que morria jovem.
  
Tais mitos, alguns deles difundidos inclusive por críticos respeitados, em sua grande maioria não passam de impressões pontuais sobre determinados casos, deturpando a realidade mais ampla ou romantizando a vida e morte desses profissionais que, em geral, enfrentavam os mesmos problemas que os demais trabalhadores de seu tempo. Com o advento da internet, observamos uma amplificação considerável do número de bobagens que são repetidas por leigos e especialistas que, sem qualquer fundamento em dados fidedignos, fortalecem velhos mitos, chegando mesmo a criar novos. Exemplos notáveis são os livros de séries como “Dummies” e “Idiots”, recheados de inexatidões, como o The Complete Idiot’s Guide to Jazz, que traz informações incorretas sobre diversos músicos, chegando ao ponto de rebaixar o major Glenn Miller ao posto de capitão.

Alguns, além de serem inexatos, chegam a ser deselegantes, como o site que descreve o grande baterista Chick Webb como um anão corcunda inválido. Outros inovam na medicina, como a Encyclopedia Britannica, quando diz que a morte de Bix Beiderbeck é atribuída tecnicamente à pneumonia, mas na verdade o que o matou foi a frustração, o abandono e o desencanto! Se assim fosse, eu morreria instantaneamente ao assistir Lula ou Dilma falando suas mentiras e asneiras.

Em seu formidável livro Jazz and Death: Medical Profiles of Jazz Greats, o Dr. Spencer identifica uma longa série de incorreções ditas a respeito de famosos músicos de jazz, esclarecendo com base em farta documentação, inclusive atestados de óbito, as verdadeiras causas de suas enfermidades e as verdadeiras condições de suas mortes. Além disso, discorre sobre diversos músicos com distúrbios psiquiátricos e dependência química, demonstrando que, ao contrário do que os padres e as mães dizem, a droga podia sim, em alguns casos, influenciar positivamente na criatividade e na performance dos músicos.

Obra essencial para o estudioso que, como diria Frank Zappa, sabe que o jazz não está morto. Ele só está com um cheiro estranho.

 

[1] Lindsay M: Teach Yourself Jazz. London: English Universities Press, 1958, página 2.
[2] Schuller G: Early Jazz. Its Roots and Musical Development. NewYork: Oxford University Press, 1968, página 176.
[3] Balliett W: The Sound of Surprise. New York: Da Capo Press, 1978, página 144.
[4] American Journal of Public Health. June 1991, Vol. 81, Nº 6, páginas 804 e 805.

12 comentários:

Salsa disse...

bacana, Lester. O Jazzseen mata e mostra o atestado de óbito.

John Lester disse...

Prezado Mestre Salsa, espalhe bastante veneno que os ratos estão à solta.

Grande abraço, JL.

Anônimo disse...

Andandoo pelos blogs encontrei o teu..
Muiiitoo bom tá..
Bjus

John Lester disse...

Prezada Luciana, obrigado pela visita e pelas palavras gentis.

Esteja à vontade, JL.

Internauta Véia disse...

Boa resenha, Mr. Lester!
Vc. não sabe que uma mentira repetida muitas vezes, parece verdade? E estatísticas...servem para mostrar o que se quer...

Gostei !

Rogério Coimbra disse...

Lester, sobre esse assunto, há muito tempo conversei com o Pres Reinaldo, do CTF. Ele listou nomes e circunstâncias. Foi aterrorador. mas enfim , assim caminha a turma e deixa à disposição dos incautos o que ousamos chamar de JAZZSIM, ou não ?

pituco disse...

master lester,

pelo o que entendi da resenha, publicaram-se livros com informações incorretas???...o editor avalisou e assim todo mundo acreditou todo esse tempo...até que surgisse alguém, pra desmentir tudo???

imagino que em biografias não seja diferente, não é verdade???

prefiro navegar em sites mais seguros poracá...obrigadão

abraçsons

John Lester disse...

Prezados amigos e amigas, por severas condições impostas ao longo dos anos, eliminei e prossigo eliminando de minha caminhada os baluartes alegóricos do saber.

Preferi filiar-me aos raros discípulos mais céticos, figuras humanas estranhíssimas, sempre dispostas a observar, ver, cheirar, ouvir, cutucar e mastigar as coisas que se nos apresentam aos sentidos.

Acreditar? Raramente.


Grande abraço, JL.

thiago disse...

mórbido

Internéscio Silva disse...

Conheço o livro e também recomendo.

Fui!

Anônimo disse...

parece mas ñ é...

pituco disse...

master lester,

acreditar, raramente...taí, curti o mote...

então...muita gente acreditou nessas informações(no caso, os livros citados aqui)...propalou-as aqui e ali...os editores ganharam uma grana bacanuda...e era tudo mentira...mamma mia, ma che bruta sbórnia.

signore master lester, tem uma pequena e humilde amostra de minha apresentação, no fest.bossa nova aqui em tokyo...oportunamente, perfavore, acesse...

abraçsonoros