07/11/2010

The fate of jazz

 Para quem acredita que o ser humano é um organismo único, dotado de uma totalidade complexa regida por lógicas não puramente aristotélicas e, por isso mesmo, tão suscetível a profundas contradições, o livro Red & Hot: The fate of jazz in the Soviet Union, de S. Frederick Starr, pode trazer algum alento. Como responde o próprio autor, um sujeito cheio de bom humor, de que maneira poderia o jazz ter nascido e sobrevivido num país sem saxofones? Sim, a verdade, certas vezes, de tão rude, solicita uma abordagem lúdica para que a realidade venha à tona sem que nos cegue. Toda a censura, o controle, a regulação e a manipulação estatal das manifestações artísticas na Rússia, desde a Revolução Socialista de 1917 até a glasnost no final da década de 1980, fazia parte de um sonho de sociedade comunista perfeita, constituída pelo novo homem soviético. Para a realização deste sonho comunitário e igualitário era preciso, segundo o Partido e seus burocratas, reprimir, censurar e perseguir. Homens como Lênin, Trotski e Stalin definiram um sombrio caminho para a felicidade, que somente seria atingida após uma série de assassinatos, torturas, controles, exílios e muita censura, inclusive musical. Neste processo paradoxal, resta claro que o jazz deveria ser aniquilado em nome da igualdade musical: afinal, como permitir que um estilo musical democrático, festeiro, baseado no improviso e na liberdade individual de cada músico contaminasse a formação do novo homem soviético? Nada disso. Todas as vozes deveriam soar idênticas.
    
Graças sobretudo à insistência e teimosia de intelectuais e de uma parcela mais educada da população russa, além de excêntricos como o poeta surrealista, editor e dançarino Valentin Parnakh, o jazz sobreviveu na terra vermelha. Com imensas dificuldades e sob o pesadíssimo olhar da ditadura do proletariado, músicos renitentes fizeram com que o jazz permanecesse naquele país espetacular que estava sendo asfixiado. Um desses músicos foi Роман Кунсман, conhecido no ocidente como Roman Kunsman. Embora seja citado por Starr em diversas passagens de seu livro, não encontramos por lá sua biografia. Aliás, somente encontramos sua biografia em russo, como nos sites MegabbokJazz.ru. Sabemos apenas que Kunsman nasceu em Kuybyshev, no dia 7 de dezembro de 1941. No final da década de 1940, muda-se com a família para Leningrado, onde inicia os estudos de clarinete. Mais tarde, na década de 1960, passa a trabalhar em orquestras de dança, tocando o saxofone alto, que se tornaria, ao lado da flauta, seu instrumento principal. Já integrado no mudo subversivo do jazz, Kunsman passa a trabalhar em clubes de má reputação de Leningrado. Seu quarteto, formado em 1966 com Yuri Vikharev (p), Edward Moskalev (b) e Valerie Mysovskiy (d) foi considerado um dos melhores combos do peíodo. É também dessa época sua composição Solitude, que obteve o prêmio especial da união dos compositores. Entre 1967 e 1968, Kunsman aparece como primeiro saxofone da orquestra de Oleg Lundstrem, com quem viaja em turnês e participa de festivais. Após um breve retorno a Leningrado, quando trabalha no café Noites Crepusculares, em 1971 emigra para Israel, onde forma o grupo Platina, além de integrar como flautista a Orquestra Sinfônica de Israel e participar de uma série de festivais de jazz naquele país e na Europa. Assim, além de Kunsman ter sido um dos fundadores do jazz russo, podemos considerá-lo tambem um dos fundadores do jazz em Israel. Suas gravações realizadas na década de 1970, como o álbum The Girl with the Flaxen Hairsaiu (tema de Debussy, com arranjo de Kunsman), são verdadeiros marcos da evolução do jazz israelense. Por outro lado, recebe a influência da música isralense, o que o leva a dedicar-se seriamente à klezmer music, ou seja, à música tradicional israelense. Nesse sentido são dignos de nota seus álbuns gravados com o clarinetista Moshe Berlin. 

Kunsman morreu em Israel, no dia 04 de novembro de 2002 , aos 61 anos. Para os amigos, fica a faixa 'Round About Midnight, retirada do álbum Nostalgia, gravado em 1966.


18 comentários:

Salsa disse...

É impressionante a produção entre pintores, logo no início da revolução. Lenine mandou passar o rodo na cambada de anarquistas que queria perverter a arte figurativa. Mais que o balde de água fria.
Cá, entre nós, o poder público pensa mais ou menos do mesmo jeito - incentivo só para Ivetes & rebolations. O famoso "é disso que o povo gosta".

thiago disse...

que perestroyka é essa?

APÓSTOLO disse...

Prezado JOHN LESTER:

De direita ou de esquerda, a estultice cultural é a mesma. O longa metragem "Os Últimos Rebeldes" retrata, com bastante clareza, o mesmo tipo de censura ao JAZZ no nazismo.
O que mais amargura nos regimes ditatoriais (com ou sem eleição) é a quantidade de arte e de décadas futuras para recuperar um mínimo de inteligência para o povo.
É seguir vivendo...

Anônimo disse...

Ditaduras causam males profundos e que levam muitos anos pra serem extirpados.
Musica klezmer não e' a musica tradicional de Israel. Klezmer e' o nome de toda a cultura judaica da Europa Central que praticamente foi extinta com o nazismo. E' a cultura ligada a tradição idiche, a lingua falada pelos judeus da Europa, uma variante do alemão arcaico. Creio que aqui no Rio alguns musicos , vindos de familias judias, tocam ocasinalmente musica klezmer. Mr. Lester ,por favor confira essas informações pois não sou um especialista ,conheço de ouvir falar.

Andre Tandeta disse...

Desculpem ,o comentario a cima e' meu.

John Lester disse...

É verdade Mestre Apóstolo, é verdade. Provavelmente nossos netos coloquem o busto de Lula entre o de Hitler e o de Vargas.

Falando em coisa boa, começou em Berlin uma exposição sobre Hitler. Dizem que há muitas suásticas e que Ahmadinejad e Lula comparecerão.

Embora eu já tenha sido preso, espancado e até processado por isso, sempre afirmei em meus apontamentos, disseratações, teses, apostilas, livros e alfarrábios que somente gays poderiam ter escrito a Bíblia e bolado os uniformes nazistas. Nada contra gays, é claro. Mas leia o Apocalipse e veja se estou enganado.

Grande abraço, JL.

John Lester disse...

Prezado Mestre Tandeta, peço desculpas pelo meu péssimo hebraico. De fato, sempre pensei em klezmer music como música tradicional judaica.

Peço também perdão aos leitores do Jazzseen pelo péssimos português. É que meu Word está desatualizado e não adotou ainda a Reforma Ortográfica. Para vocês terem uma idéia, nossas idéias ainda têm acento. Têm tem acento? Ou assento?

Bem, grande abraço a todos!

PREDADOR.- disse...

É mr.Lester, abra seu olho. Com a "ditadura" Dilma, você, mestre Colibrí, Pedro e suas lições de jazz podem ser "empastelados" a qualquer momento. Fique atento!

APÓSTOLO disse...

Ser empastelado pela "ditadura" da tal de dilmoca ???!!!
Quanta honra !
Estarei, com absoluta certeza, em excelente e bem pensante companhia nos calabouços do saber.
Quando um analfabeto mental, tolo e inocente útil da petralha utiliza sua "popularidade" (ah, esse pobre povo analfabetizado mentalmente ! ! !) para eleger uma anti-democrata, teremos calabouços da melhor qualidade.
Estaremos lá com a maior satisfação.

John Lester disse...

Bem, certamente Lula não permitirá livros em nossas celas. E Dilma certamente colocará Chico Buarque e Timbalada como som ambiente.

Nunca pensei no Chico como músico de elevador...

É como dizia Vovô Acácio: cada Jabuti no seu galho.

E, também certamente, o Serra vai me encher o saco quando eu acender meu cigarrinho na cela...

Êta mundo pequeno!

Internauta Véia disse...

O som está lindo, bela interpretação de Round About Midnight...e chega de dilma e lula, pô!!!!

pituco disse...

camarada master lester,

...sofri na pele essa censura, em tempos acadêmicos...jazz no campus era heresia revolucionária...o negócio lá tinha de ser...'caminhando e cantando e seguindo a canção...'

a turma era mal humorada mesmo...a pressuposta elite universitária

saravá, camarada kunsman...som bacanudo...só falta a balalaika

abraçsons

Sergio disse...

Mr. John, ainda não encontrei a postagem que fala do álbum do Charlie Mariano postado lá no sônico. Tou claro, interessado no q escreveu sobre o álbum... usando as palavras do do andar de cima, piarmidal! D me uma luz.

Abraços!

Paula Nadler disse...

Querido Professor Sérgio, na verdade o sistema de busca do Jazzseen (pesquisa) está muito doido. Por isso, Lester pediu que eu procurasse a tal resenha para você. Na verdade, são breves notas de autoria de Mestre Salsa, nos bons tempos em que o Jazzseen pagava nossos salários em dia. Hoje, nem sabemos se vamos receber...

Bem, o endereço é http://jazzseen.blogspot.com/2006/12/crossroad-ahead-ii-mission.html

Bju!

Sergio disse...

Muito obrigado, Paula. Agora, se eu sou professor, vc é catedrática.

E em elegãncia tbm.

Vou lá na fonte.

bjos.

Sergio disse...

(...) "Saibam vocês, prezados navegantes, que, por mais que as coisas dêem certo em suas vidas, isso foi por puro acaso. A vida é um constante equívoco. O acerto é uma ilusão transitória. O fantástico disso é que a gente pode passar a vida inteira sem perceber que a vida está completamente manca... e morremos felizes. Mas às vezes acontece de o mundinho ruir, o chão se abrir sob seus pés, o céu despencar em suas cabeças, os espelhos estilhaçarem e as inevitáveis lágrimas encharcarem todos os lenços de papel e toalhas de suas casas. Aí dá uma preguiça f.d.p de limpar a sujeira, reconstruir paredes e sonhar sonhos quaisquer - e uma vontade danada de deitar em qualquer pedaço de chão e parar de pensar. Alguns saem por aí experimentando de tudo: já que nada é certo, nada é errado: mais vale a experiência. Um exemplo disso é o saxofonista Charlie Mariano." (...)

Olha Paula, não resisti, tive que voltar: embora na verdade buscasse mais informações sobre o álbum, estou nesta exata fase de catar entre tantos escombros, os cacos do espelho. E mesmo refletindo neles, não consigo fazer de mim uma imagem proximia à fiel.

Daí que a leitura me faz um certo bem. O Salsa, quando quer, é um P.. de um filósofo! Grato por, mesmo sem querer, na mais pura intuição, me levar a uma trilha pra mais perto de mim mesmo.

Anônimo disse...

Tem uns que gostam da ditadura e outros preferem verdura. Tambem tem sempre os chatos com suas insuportaveis historias.

Internauta Véia disse...

Sérgio, tb. já passei por isso...o negócio é varrer tudo , jogar fora (não dá para colar cacos de espelho...)e seguir em frente... partir para outra, às vezes não dá, mas vamos levando...procurando aquilo que nos dá prazer, p.ex., navegar no jazzseen e reler suas resenhas, ouvir muito Jazz bacana, enfim, o que estiver ao nosso alcance! O tempo passa e o sofrimento vai se apagando, ficando menos doído, afinal,"na vida tudo passa"...!