20/03/2011

Jazz criollo - Creole Jazz Band

Segundo o jornal britânico The Guardian, a segunda livraria mais bonita do mundo encontra-se em Buenos Aires: é a El Ateneo Grand Splendid, localizada na  Avenida Santa Fé, 1860, no bairro de Recoleta. A mais bonita do mundo, segundo o mesmo periódico, seria a  livraria holandesa Boekhandel Selexyz Dominicanen, instalada em uma antiga igreja, na cidade de Mastrich. Em terceiro fica a livraria portuguesa Lello, na cidade do Porto. O Brasil do PT, obviamente, não consta da importante lista. A livraria Ateneo foi instalada no antigo Teatro Grand Splendid, local onde se apresentaram alguns dos mais importantes artistas argentinos, entre eles Carlos Gardel. São 2.000 metros quadrados recobertos com belíssima cúpula, pintada pelo italiano Nazareno Orlandi. Construído em 1919, o teatro encontra-se em perfeitas condições de conservação, muito embora suas poltronas tenham sido substituídas por fartas estantes, os camarotes sejam utilizados como agradáveis ambientes de leitura  e o palco transformado em movimentado bar e café. A livraria recebe 3.000 visitantes por dia, do que resulta numa venda anual de mais de 700.000 livros, entre os quais gostaria de destacar Esquema de la música afroargentina, que reúne textos do estudioso Néstor Ortiz Oderigo, reunidos pelo editor Norberto Pablo Cirio.

Néstor foi um importante colaborador de diversos jornais e revistas. Seus primeiros artigos apareceram na revista Fonos, em 1928. Em seguida, escreve para La Nación, El Mundo, Associated Negro Press (Chicago), Oportunity (New York), Playback (New Orleans), Jazz Magazine (Inglaterra), Hot Club Magazine (Bruxelas), Música Jazz (Milão), Pensamento da América (Rio de Janeiro), Folha da Manhã (São Paulo), Ritmo (Madri), Quilombo (Rio de Janeiro), Rhythme (Holanda) e Australian Jazz Quarterly, entre muitas outras publicações. Em 1933, Néstor apresenta o primeiro programa de rádio argentino sobre jazz. Conforme ele mesmo afirma na página 325: "Creemos que el panorama que acabamos de trazar es suficiente para convencer al más remiso de la presencia africana en el ámbito de nuestro folclore y certificar, una vez más, el hecho de que los negros han contribuido a nuestra cultura en medida mucho más amplia de lo que los 'interesados' hispanistas, sin aportar pruebas claras y concluyentes, nos han querido hacer creer". Conclusão surpreendente quando verificamos que, durante os dez dias que passei vagando pelas ruas, cafés, livrarias, lojas e casas noturnas  de Buenos Aires, não encontrei um único negro. Afinal, perguntava-me incrédulo, por onde andam os negros desta cidade? Um taxista disse a mim, sem conseguir esconder um certo sorriso de satisfação no rosto,  que eles somente podiam ser encontrados nos bairros mais distantes e pobres da capital, sendo quase impossível localizá-los em regiões nobres e estabelecimentos sofisticados. Portanto, disse ele, eu poderia ficar tranquilo...

Talvez o taxista nem soubesse que a música que tocava em seu rádio fosse jazz, estilo que, assim como o tango, tem suas raízes na herança cultural negra. Sim, ele não percebia, mas o negro estava presente em toda a Buenos Aires, inclusive ali, dentro do táxi, através de sua música. A faixa que ouvíamos era Apex Blues, do genial clarinetista Jimmie Noone, executada pela sexagenária banda  argentina Creole Jazz Band, formada em 1957. Desde 1979 a banda mantém essencialmente a mesma formação: César Borsano (cl, arr), Guillermo Calliero (t), Edgrado 'Pucky' D'Alessandro (tb), Orlando Merli (ts), Juan Pablo Hournou (p), Alberto García (bj), Guillermo Delgado (b) - substituído no álbum Creole Touch por Adrián Minuchin (tba) -, Oscar Linero (d) e Eleonora Eubel (v). Embora haja outras bandas argentinas que tocam dixieland e swing, a Creole Jazz Band parece ser a única que possui vocalista, realiza arranjos próprios e apresenta composições originais. Em 1984, quando foi contratada pelo tradicional Café Tortoni, a banda tornou-se nacionalmente conhecida. Para os amigos deixo a tal faixa que ouvi no táxi, mais o clássico After You've Gone, ambas retiradas do álbum Creole Touch, gravado em 1994.




10 comentários:

Salsa disse...

Belo passeio, hein, Lester? Deu-me vontade de arriscar por las calles argentinas.
O som dos hermanos é bem convincente. Valeu¡

Anônimo disse...

muito bom...viva o jazz(q estaria morto, segundo as mas linguas, mas até onde os negros se escondem ele está magnificamente presente)
Parabens Big Lester, mais uma abençoada e belissima resenha
obs suas palavras tornam mais leve nosso caminhar, principalmente apos ouvir um especial sobre os 90 anos de Antonio Maria, na radio unversitaria ontem

Érico Cordeiro disse...

Mr. John Lester,
Gostei da blusa laranja!
Tanto quanto do ótimo jazz que rola no player.

Internauta Veia disse...

Mr.Lester, bela resenha, como sempre...!Diria ate, belissima!A referencia a conversa no taxi foi de muita sensibilidade, o que eh natural em vc. Saudade...

Convenhamos que a culpa nao e so do PT no nosso baixo nivel cultural...Lula ficou 8 anos, e a historia cultural da Argentina , e de qualquer outro lugar, e construida por geracoes e geracoes...infelizmente nos somos mesmo muito fracos ...mas se for carnaval...!!!!

Desculpe usar este espaco sagrado do JAZZ para colocacoes pessoais...mas la vai:
No Hawai`i, tudo calmo!
Dias lindos, mar tranquilissimo e maravilho...Ja estou em LA, 5 graus la fora... Infelizmente , as noticias que vi, ao chegar, sobre o Japao sao muito graves!
Vou ao Pituco, saber como ele esta!

Danilo Toli disse...

Adorei mais essa Lester, beleza de som!

pedrocardoso@grupolet.com disse...

Bela postagem, mas é de destacar-se que o grande Néstor Ortiz Oderigo sempre foi um empedernido "adversário" de qualquer estilo de JAZZ que não o "tradicional".
Ainda assim e como pesquisador e profundo conhecedor do "tradicional", é referência indispensável.

pedrocardoso@grupolet.com disse...

Em tempo = belíssimo "After You've Gone", versão de gente grande, como é costume dos irmãos argentinos.

Frederico Bravante disse...

Música de velho, joga isso fora Lester!

Pra onde esse mundo vai?

PREDADOR.- disse...

Em algumas palavras vou repetir, o que escreveu Internauta Véia no post acima, que representa, desde muito tempo, o abandono que se encontra o Brasil, em matéria de política cultural, refletindo a hipocrisia e o descaso dos diversos níveis de governo: ..."a culpa não é só do PT no nosso baixo nível cultural, Lula ficou 8 anos, e a história cultural da Argentina, e de qualquer outro lugar, é constituída por gerações e gerações...infelizmente nós somos mesmo muito fracos...mas se for carnaval!!!!! " E, pelo que disse Lester sôbre livrarias de primeiro mundo do país vizinho, bem como da existencia de várias lojas especializadas em comercialização de CDs de música, tanto da produção local como de uma variada gama de títulos internacionais (jazz, rock, clássico, etc...), eles continuam prestigiando estas áreas da cultura. Enquanto isso na "pátria amada e idolatrada, salve, salve", as livrarias estão fechando e as lojas que comercializavam CDs de música já eram. Viva a geração "alienada cultural" da Internet!!!! Nada contra os computadores e a Internet, mas a política de Educação/Cultura brasileira tem que mudar radicalmente e urgentemente. Desculpem, mas foi apenas um desabafo, aproveitando um "gancho" da Internauta Véia e às vésperas do lançamento de um LIVRO de mr.Cordeiro.

MARIO JORGE JACQUES disse...

Oi Lester, os argentinos sempre tiveram um carinho especial com o jazz, muitas bandas principalmente dixie, além de bem cuidados livros sobre o assunto e programas de rádio. Na Patagônia tem rádio que toca jazz. Ótima a Creole Band.
Além do que, passear em Buenos Aires é muito gostoso,esta rivalidade boba é coisa de futebol, nas várias vezes que estive na Argentina sempre muito bem tratado como turista brasileiro.