20/04/2011

Choro também é ragtime



Faz algumas décadas que defendemos a iconoclasta tese de que samba também é jazz e a quantidade de inimigos que angariamos ao longo dessa incansável luta não foi pequena. Escolas de música clássica, militantes petistas, construtores de alaúde, tribos indígenas isoladas e integrantes das bandas de congo capixabas, todos têm nos acionado judicialmente, tentando evitar que a verdade sobre o tema venha à tona. 

Pois bem: em nossa defesa, apresentamos o álbum Choro Meets Ragtime, trabalho que, se não prova que samba também é jazz, ao menos dá um passo nessa direção, demonstrando claramente que choro também é ragtime. Sendo ambos resultado da influência negra sobre estilos europeus, resta claro que o choro sofreu maior influência da polka, enquanto o ragtime das marchas. No fundo, os dois estilos estão fortemente marcados pelo ritmo sincopado, fruto da herança africana. Os dois foram desenvolvidos independente e paralelamente, em finais do século XIX, sendo que ambos foram inicialmente rejeitados pela sociedade educada, até que alcançassem o respeito e admiração de músicos clássicos, o que autorizou sua audição tanto por prostitutas quanto por senhoritas. Sim, assim como o ragtime, o choro também nasceu nos pu, quer dizer, nas casas de tolerância.

No álbum restam incontestáveis provas das semelhanças entre os dois estilos (veja a interessante tabela abaixo, com a qual discordamos apenas quanto à afirmação de que o ragtime é pai do blues, estilo esse que é obviamente anterior ao ragtime). São 10  ragtimes, 5 deles compostos por Scott Joplin, interpretados com o balanço, ritmo e harmonia do choro. Os solos são também executados com instrumentos típicos do choro: cavaquinho, flauta, clarinete e saxofone. As melodias originais foram rigorosamente respeitadas na apresentação de cada tema, havendo liberdade para as variações típicas do choro em suas repetições, ocasiões em que verificamos alterações para outros estilos, como o maxixe e o samba-canção, o que vem reforçar nossa velha tese.

Como se não bastasse a excelência do projeto em si, a Choro Music ainda disponibilizou para os amantes dos estilos todas as partituras e faixas extras, sem a presença dos solistas, para que o músico ou estudante possa tentar a sorte (play along) em companhia do excelente regional Época de Ouro, formado por Toni 7 Cordas (violão de 7 cordas), André Bellieny (violão), Jorge Filho (cavaquinho) e Jorginho do Pandeiro (advinhe).


O álbum, gravado entre 2007 e 2008 no Rio de Janeiro, São Paulo e Fremont, conta com os seguintes solistas: Tatiana Mazurek: "Dusty Rag", flauta; Nailor Proveta: "Hungarian Rag", clarinete; "Ragtime Dance", sax alto; Mario Sève: "Pine Apple Rag", sax soprano e tenor; Izaías do Bandolim: "Dill Pickles" e "Searchlight Rag", cavaquinho; Harvey Wainapel: "Ophelia Rag" e "The Entertainer", clarinete; Daniel Dalarossa: "Nightingale Rag" e "Spaghetti Rag", flauta. Para os amigos fica a faixa The Entertainer:






CHORO MEETS RAGTIME: SIMILARITIES 
Brazilian ChoroAmerican Ragtime
OriginsEuropean rhythms (polka, tango, schottische, waltz – especially the polka) blended with West African rhythms (especially Lundu)European rhythms (march, quadrille, and waltz – especially the march) blended with West African rhythms.
Time signature2/42/4 (sometimes 4/4)
Structural FormTypically three 16-bar themes in rondo
A B A C A
Typically four 16-bar themes
A B A C D
SyncopationDouble: syncopated beat in both melody (right hand in the piano) and bass (left hand in the piano)Single: syncopated beat in the melody, steady beat in the bass.
Roots from the African influenceLundu, an African rhythm present in Brazil since 1830, presumably from its roots in Angola/ZairePresumably from Afro-Caribbean rhythms and its roots from Yoruba (today’s Nigeria, Togo, Benin) and Dahomean (today’s Republic of Benin) tribes
LyricsMostly instrumental, just a few lyricsMostly instrumental
CradleState of Rio de Janeiro, Brazil - City of Rio de JaneiroState of Missouri, USA – Cities of Sedalia and St. Louis
Main composerErnesto Nazareth (1863-1934).Scott Joplin (1868-1917).
Date of appearance1870’s, when flutist Joaquim Callado formed an ensemble called “Choro Carioca”Chicago World’s Fair of 1893
Social connotations at the timeVulgar, low class, improper music, played in the streets, saloons and brothels. Disreputable genre of music.Low class, improper music played in saloons, cabarets, honky-tonks and brothels.
Disreputable genre of music.
What did it influence?Choro is the forefather of samba, bossa nova and many other Brazilian styles. Brazilian classical composers such as Villa Lobos, Camargo Guarnieri, Francisco Mignone and Oswaldo Lacerda composed their own interpretations of Choros.Ragtime is the forefather of jazz music and blues.
Classical composers, such as Brahms, Stravinsky, Debussy and others wrote their own interpretations of piano Ragtime.

Fonte: Choro Music

16 comentários:

olmiro muller disse...

Pode ser que Ernesto Nazareth tenha composto choros,mas ele destacou-se mesmo como compositor de tangos brasileiros e polcas (Odeon, Brejeiro, Apanhei-te cavaquinho, etc.), que eram comuns na sua época.
De qualquer maneira, para mim, o maior compositor de choro foi Pixinguinha, tanto pela qualidade musical quanto pelo número de composições.

PREDADOR.- disse...

É isso aí! O maior compositor de choro foi Miles Davis e o maior compositor de ragtime foi Noel Rosa. .... Samba também é jazz....Sabem de uma coisa, vocês todos vão caçar um bode, de preferência bem longe de suas casas, para aprenderem utilizar melhor o tempo.

John Lester disse...

Prezado Mr. Muller, sua recorrente presença em nosso modesto blog tem sido motivo de grande satisfação.

E quem sabe tudo sobre Ernesto é a pianista Eudóxia de Barros que, desde 1963, faz recitais e palestras sobre ele. Vale uma visita ao site da moça.

Até breve, JL.

pedrocardoso@grupolet.com disse...

Apesar dos processos judiciais das escolas de música clássica, dos militantes petistas, construtores de alaúde, tribos indígenas isoladas e integrantes das bandas de congo capixabas, a resenha pode ser apresentada em qualquer tribunal como elemento de defesa.
Muito boa ! ! !

figbatera disse...

Muito bem, Apóstolo!
Parabéns, Lester!

John Lester disse...

Grande Olney! Faz falta ouvir você ao vivo...

Mande um abraço para a madame.

JL

Érico Cordeiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Érico Cordeiro disse...

Concordo em gênero, número e grau!
Viva Coltrane e Ernesto Nazareth!
Viva Pixinguinha e Miles Davis!
Choro também é jazz!!!!!!!!!!!
Abração!

PS.: Mr. Seu Predador, como é que se caça um bode?

Salsa disse...

Gostaria de uma cópia para futuros estudos. No aguardo.

figbatera disse...

Caro Lester,
temos nos deliciado com aquele "creme", não só com bacalhau mas tb com badejos, linguados e que tais..
Maravilhoso!
A madame manda lembranças.

Roberto Scardua disse...

Que beleza hein Lester! Também quero as partituras, se der.

Rogério Coimbra disse...

Mestre Lester:
Mais uma maravilha de achado do Jazzseen.
Fiquei curioso sobre o resultado. A turma brasileira é de primeira.

Uma outra "coincidência" é que o primeiro registro fonográfico do jazz, assim como o primeiro do samba, ambos ocorrem em 1917, sem ninguém combinar.
Por essas que o samba-jazz, ou bossa nova instrumental, está vivíssimo até hoje.É lá e cá.

Érico Cordeiro disse...

Olá caros amigos do Jazzseen,
Gostaria de convidar a "Armada" completa (viu, Paulinha!) e todos os seus leitores para as comemorações do 2º aniversário do Jazz + Bossa + Baratos Outros (www.ericocordeiro.blogspot.com).
Tem desafio e cd na parada!
Abração!

Internauta Véia disse...

Adoro!!!
A resenha, a música, tudo!!

pituco disse...

master lester,

tempo que não visito esse sítio bacanudo...e quando acesso, deparo-me com duas postagens bacanudas...

a do sr.roberto, acima e essa tua...

se o choro é jazz eu não sei...mas, conforme afirma nosso 'bruxo'...hermeto pascoal...invariavelmente solos de pianistas brasileiros, mesmo tocando temas jazzísticos, tornam-se chorinho...rsrs...será?

abraçsonoros e saudosos

John Lester disse...

Seja bem-vindo mais uma vez Mestre Pituco. Espero que as ondas tenham diminuído por aí.

É quase sempre assim, concordo, mas existem pianistas brasileiros que sabem disfarçar direitinho. Ouça o Hélio Alves por exemplo.

Grande abraço, JL.