20/07/2011

Mulheres tocam jazz na Faixa de Gaza



A German Women Jazz Orchestra levou ao território palestino isolado um estilo moderno de música ocidental, com elementos de swing e blues. Um evento raro, desafiando o rigor das autoridades israelenses e os apagões.

É difícil imaginar um cenário mais perfeito para a apresentação da German Women Jazz Orchestra: a céu aberto, numa morna noite de verão e sob lua cheia. Trata-se do primeiro concerto de jazz, em muito tempo, na interditada Faixa de Gaza.

É visível o prazer de se apresentar que têm as 12 musicistas alemãs, os espectadores aplaudem entusiásticos. Para muitos deles, trata-se de um momento especial: eles estão gratos pelo fato de haver músicos de outras partes do mundo que se ocupam da região. Além disso, o concerto significa algumas horas de distração, fora da dura realidade palestina.

E, no entanto, levou um bom tempo até que se confirmasse a entrada das jazzistas alemãs em Gaza. Normalmente só atravessa a alta segurança do checkpoint Erez quem é diplomata, ou jornalista com licença especial das autoridades israelenses. Para a maioria dos palestinos, é intransponível a fronteira para Israel.

Tanto maior foi a felicidade de Angelika Niescier, diretora e regente da orquestra feminina fundada pela Deutsche Welle e pelo Conselho Alemão de Música, ao chegar ao lado palestino. "Alegro-me muito pela possibilidade de estar aqui com a música. Em Gaza com o jazz. O primeiro concerto de jazz na Faixa de Gaza... que loucura!"

Seu alívio foi compartilhado por Jörg Schumacher, diretor do Instituto Goethe em Ramallah e co-organizador do evento. "Simplesmente ainda não conseguimos acreditar que deu mesmo certo. Vimos preparando há seis semanas, coordenando, através da Agência de Representação, das autoridades, de Erez, a possibilidade de entrar com as 12 musicistas. Mas sempre precisamos manter um plano B no bolso: 'E se não der certo?!'. E agora estamos simplesmente felizes que todos se encontrem aqui."

No local de apresentação, o Café Gallery da cidade de Gaza, a notícia da chegada fatual das jazzistas alemãs se alastrou rapidamente. Em poucas horas, o café ao ar livre teve que ser transformado numa arena de concerto. Trata-se de um ponto de encontro para jovens. Aqui, a assim chamada "geração Facebook" montou seu quartel-general, criando um pequeno oásis protegido do cotidiano tantas vezes difícil.

Apesar do estresse, Jamal Abu Al Qumsan, o dono do Gallery, tem um sorriso no rosto. Além do prazer do concerto, em si, ele está satisfeito por "haver contribuído um pouco" para levar o grupo de artistas a Gaza. Pois, devido à política israelense de bloqueio, aqui as pessoas se sentem completamente isoladas do mundo, relata o empresário palestino. O intercâmbio com artistas do exterior só se dá virtualmente, através da internet.

A situação interna tampouco ajuda, já que shows de música definitivamente não constam da lista de favoritos do governo do Hamas, como explica Al Qumsan. "É bem difícil organizar um evento destes. O governo que rege Gaza não tem o menor interesse em música, ainda mais de uma banda feminina e, ainda por cima, de jazz. Honestamente, não é fácil. Mas há pequenos nichos de liberdade. Digamos assim: enquanto respeitamos certas restrições, regras e valores sociais, a coisa vai, de algum jeito."

Energia irregular

Contudo Abu Al Qumsan tem outras preocupações: durante a checagem de som, pouco antes do concerto, a energia faltou várias vezes. Apagões frequentes fazem parte do dia a dia na região, por isso toda Gaza é dependente de geradores.

As alemãs levam a coisa na esportiva: afinal, o que conta, acima tudo, é a experiência de estar aqui, lembra Stefanie Narr. A guitarrista está simplesmente encantada com o calor o humano com que foi recebida, com as pessoas "totalmente abertas". Para a regente Angelika Niescier, o intercâmbio direto com os habitantes e com os músicos do local é uma das metas principais.

E, de fato: ao fim do programa de jazz moderno com alguns elementos de swing e blues, dois rappers palestinos sobem ao palco para uma "canja". Por sorte, a eletricidade só falhou duas vezes durante o show de uma hora. O público variado, acostumado até demais com esse tipo de problema, aplaudiu com entusiasmo. Até porque, aparentemente inabaláveis, as instrumentistas da German Women Jazz Orchestra seguiram tocando, como se nada tivesse acontecido. (Fonte: Folha de São Paulo)