30/01/2012

PORQUE EU NÃO JOGUEI NA SELEÇÃO BRASILEIRA

Como todo garoto brasileiro, eu também já sonhei em ser um grande jogador de futebol, em vestir a camisa amarelinha da seleção e brilhar nos gramados do mundo. Cheguei a disputar campeonatos de futsal (que na época atendia pelo nome de futebol de salão) pelo Clube Libanês, do qual era sócio. Eu era um dos três goleiros que brigavam pela vaga debaixo das traves. Humildemente, tenho que dizer que eu era o terceiro na preferência do técnico. Apesar da concorrência ser intensa, Sandro Pretti, que era o titular, quase sempre faltava aos jogos que aconteciam aos sábados de manhã ou à tarde. Quando alguém contava que ele não tinha comparecido ao jogo para ir surfar, eu ficava intrigado. Não podia compreender como alguém era capaz de abandonar uma coisa tão séria, uma partida importante do campeonato capixaba de futsal, categoria infantil, simplesmente porque naquele dia havia “altas ondas” no surfe! (pensava assim até que eu também me tornei um surfista: mas isso não vem ao caso no momento).

Pois bem. Quando Sandro faltava ao jogo para ir pegar onda, eu e o Alemão (que me perdoe o Alemão, mas eu não sei o seu nome; acho que ninguém nunca soube. Talvez os seus pais soubessem) disputávamos a posição, quase sempre com larga vantagem para ele. Mas eu também tive meus momentos.

Naquele ano, nós fomos vice-campeões, se não me engano. Este resultado, aliado ao fato de algumas pessoas do meu círculo irem fazer testes em times do Rio (eu jogava bola com o Sávio quase toda semana no campinho do Libanês; de fato, se a memória não me trai, devo ter-lhe ensinado um driblezinho ou dois), e ainda a percepção de que, nas peladas, jogando na linha, se não era o primeiro a ser escolhido, também não era dos últimos; tudo isso, enfim, mais uma certa habilidade, alguma velocidade e nenhum senso crítico fizeram-me acreditar que poderia tentar a carreira profissional. E como um tolo só precisa de algum incentivo para fazer tolices, achei no meu vizinho e amigo I Fe (ou Ivo, na versão brasileira, um chinês -preciso fazer uma correção, ou o Ivo me mata. Chinês, não: taiwanês. Taiwan, ou Formosa, como se sabe, separou-se da República Popular da China em 1949. Chamar um taiwanês de chinês constitui ofensa tão grave quanto chamar um tucano de petista, ou um vascaíno de flamenguista. Ou vice-versa - inteligentíssimo, porém igualmente iludido em relação aos seus dotes futebolísticos), o parceiro ideal para meus desvarios.

Torcedor fanático do Santos (de onde este chinês –perdão, Ivo. Taiwanês- maluco havia tirado essa idéia? Torcer pelo Santos?! Em plenos anos oitenta?!), Ivo era dono de um chute forte e sempre fazia alguns gols em nossas peladas, e como não precisava estudar nunca, pois sempre tirava dez em tudo, tinha todo o tempo livre do mundo para jogar pelada. Nós jogávamos bola sempre: no campo oficial do Marista, onde estudávamos; na quadra do Libanês, depois no campo de society; na velha e esburacada quadra de cimento do Sesiminas, descalços sob o sol escaldante de dez, onze da manhã; à tarde, até a chegada dos adultos que nos expulsavam; na chuva, escorregando, caindo e abrindo a cabeça; na praia...

Até que, convencidos de nosso potencial, resolvemos fazer um teste em um dos times de futebol da cidade, que, naqueles tempos, ainda desfrutavam de algum prestígio junto à população capixaba. Descobrimos o horário do treino e, chuteiras a tiracolo, dinheiro da passagem contadinho no bolso e sonhos mirabolantes na cabeça, despencamos da Praia da Costa para Jardim América, para encarar a “peneira” da Desportiva.

Chegando ao clube, ansiosos, fomos à procura do treinador no vestiário, no momento em que ele fazia a preleção para o começo do treino. Lá, outros garotos, como Ivo e eu, novatos inexperientes, misturavam-se aos boleiros, ouvindo as orientações do técnico.

Esperei que o homem terminasse de falar e dirigi-me a ele, resoluto: eu era o próximo Zé Sérgio em pessoa (para quem nunca ouviu falar, Zé Sérgio era um ponta esquerda – de novo, para quem nunca ouviu falar, ponta era um cara que jogava, com o perdão da redundância, pelas pontas – rápido, driblador, um craque!).

Toquei em seu ombro, pois ele estava de costas para mim, e comecei:

- Bicho, como é que eu faço para entrar no time...

Quando chamei o sujeito de bicho, despertei sua fera interior. O barbudo atarracado virou-se para mim furioso, como se eu tivesse acabado de xingar sua mãe, irmãs e tias, e vociferou:

- Bicho?! Que bicho, moleque?! Eu não sou nenhum bicho, eu sou é gente! E pode sumir da minha frente, porque no meu time quem fala gíria não joga!

Acho que foram essas as suas palavras, obviamente temperadas com alguns delicados palavrões. O Ivo, coitado, não abriu a boca, só olhava para o homem com os olhinhos orientais esbugalhados. Saímos dali enxotados, envergonhados, sob os olhares de espanto e deboche dos outros garotos. Saímos sem nem olhar para trás e voltamos para casa sem dizer palavra.

Deixa estar que a história tem lá sua ironia: eu, que desde pequeno sempre me preocupei em falar bem, me expressar corretamente, fui barrado em um time de futebol, não pela falta de talento, mas por um deslize idiomático. Isso foi acontecer logo, repito, em um time de futebol, onde fluência verbal e formação acadêmica não são exatamente os requisitos mais exigidos para se alcançar o sucesso.

Ao invés de ser examinado pelo domínio de bola, fui barrado por não dominar o vernáculo...

De qualquer maneira, foi assim que eu encerrei minha promissora carreira de jogador de futebol profissional: antes mesmo de começar...



P.S.: Esta história absolutamente (e absurdamente) verídica é parte integrante de meu livro, VAGAS LEMBRANÇAS DE UM QUASE ATLETA (edição do autor, 140 páginas, R$ 14,90, incluindo despesas de envio). Se tiver interesse em adquirir esta modesta obra, favor mandar e-mail: paulomarreco@gmail.com




17 comentários:

Marcelo Ganso disse...

Bela historinha para boi dormir. O ponta esquerda Zé Sergio existe e jogou muita bola quando atuava pelo São Paulo F.C. mas você Marreco nunca viu a cor da bola. Seu negócio era outro. A peneira da Desportiva a que você se referiu foi a única realizada naquele ano, eu estava lá, e o técnico era o barbudo e ex-jogador Edmar.

paulo marreco disse...

Vi sim. Era branca, naquela época. Além de ganso, vidente? Parabéns: o anonimato lhe cai muitíssimo bem.

Internauta Véia disse...

Gostei, Paulo Marreco...E já apareceu um "predador" para implicar !


Lester,jazzNÃO?

Manoel Pinto disse...

É verdade, eu estava lá e presenciei tudo!
Inclusive a galera chamava o time de seleção do galinheiro, porque além do Paulo Marreco e do Marcelo Ganso (jogava muito e era um craque nas bolas aéreas!), tinha também o Chico Peru e eu!
Belas lembranças, Marrecão. Saudades daqueles tempos...

paulo marreco disse...

Se houver um surto de gripe aviária, estamos todos perdidos!

John Lester disse...

Prezado Mr. Marreco, obrigado por mais uma excelente crônica. Quanto ao irascível Mr. Ganso só tenho a dizer que nosso blog defende o livre pensar, daí sermos obrigados a conviver com gente assim, como Lula, Gugu, Tiririca e Marcelo Ganso. Contudo, sempre existem boas surpresas, como elogios, comentários inteligentes e críticas construtivas.

Grande abraço, JL.

PREDADOR.- disse...

Peço licença ao sr.Marreco para me dirigir ao Lester: por onde anda você mr.Lester?? Entregou a "rapadura"?? O jazz acabou em seu blog?? Se continuar essa "briga de aves": marreco, ganso, pinto, perú, a tendência, brevemente, é voar penas p'ra todo lado. Vamos moralizar a coisa!!

paulo marreco disse...

Quanto a este humilde Marreco, a ave é absolutamente inofensiva.

Anônimo disse...

Oi Lester fiquei c/ saudades do Bird... Abs

Carioca da Vila disse...

Lester...saudade!!!!!

Maria Alice Cerqueira disse...

Boa tarde prezado Amigo
Venho lhe desejar um lindo fim de semana coberto de muita paz e amor!
Sua presença é muito importante em meu recanto, por esta razão veio lhe agradecer a sua presença.
Assim que poder acesse o link
http://www.mariaalicecerqueira.com/2012/01/degustacao-do-livro-vida-nossa-de-cada.html
e leia a degustação do meu próximo livro! Vida nossa de cada dia!
Obrigada de todo o coração!
Abraço fraterno

Maria Alice

Rogério Coimbra disse...

Tá faltando um pavão aparecer, Mr.Predador, ou uma águia para enxotar os gansos e marercos. E o jazz ? Vou chamar João Gilberto pra cantar O Pato, quém, quém...
Se Lester está cansado de jazz, chame o Scárdua.

Daniel Nakamura disse...

Fala, Lester!!!

Muito bom ver que o Jazzseen está aí, firme e forte!

Meu Be-Blog Jazz foi pro saco, não posto mais lá. Mas, estou com um site novo, bem bacana! Com um blog dentro dele. Depois, vai lá fazer uma visitinha...rs.

http://www.danielnakamura.com.br/BLOG/

Abração!

Dan Carvalho disse...

Olá, visitando teu espaço!
Muito bom tudo aqui.
Seguindo já. Se puder visitar o
Ócio das letras.. Ficarei feliz.

Grande abraço meu caro, e parabéns!

Dan.

Internauta Véia disse...

LESTER!!!!!!!!!!!!!!

Rogério Coimbra disse...

Volte, Lester, volte.
We want Lester.

Internauta Véia disse...

Ei, você!
Ei, ei!!!!