Eu sei algo sobre esse país: após quinhentos anos ainda não apareceu nenhum arauto da justiça e do bem estar social que, após subir ao poder, o poder não lhe tenha subido à cabeça. Parece que olhando de lá, desse universo paralelo, o mundo fica cor de rosa. Ninguém morre, ninguém é analfabeto, ninguém se indigna, ninguém chora, ninguém pede esmola nas esquinas, já não há mais balas perdidas. Realmente, as balas não se perderam: todas elas são endereçadas aos sonhos dos cidadãos. Hoje os jornais falam de duzentos reféns nas prisões amotinadas. Isso é um erro: de fato, somos cento e oitenta milhões de reféns das políticas criminosamente equivocadas (criminosas porque ninguém, até hoje, seguiu o que está expresso na constituição quando se trata do bem estar da comunidade). Os sonhos estão sendo diariamente metralhados, estuprados, vilipendiados, solapados. Lembro-me de um gibi do Mandrake que eu li na minha infância. O herói viajou para o futuro e ficou estarrecido ao constatar que a marginalidade havia dominado o mundo, as máfias tornaram-se Estados. Ah, a ficção! A realidade é bem pior. Há muito tempo que o crime se apossou do Estado (só não fazia propaganda). A luta atual é da facção do Colarinho Branco contra os outros, os habituais Chaves-de-cadeia que comercializam o branco do colarinho. O fato é que a bandidagem sempre foi mais organizada do que a sociedade civil: e o resultado é esse que vemos nos jornais ou, pior ainda, nas portas de nossas casas. Estou de luto. Espero ainda poder armar meu espírito para defender meus sonhos mais simples: saúde, trabalho, educação. Fica difícil, nessa segunda-feira cinza, pensar em outra trilha sonora além do constrangido silêncio. Aproprio-me, então, de O triunfo da morte, de Brueghel, para expressar algo da minha consternação.
15/05/2006
luto e luta!
Eu sei algo sobre esse país: após quinhentos anos ainda não apareceu nenhum arauto da justiça e do bem estar social que, após subir ao poder, o poder não lhe tenha subido à cabeça. Parece que olhando de lá, desse universo paralelo, o mundo fica cor de rosa. Ninguém morre, ninguém é analfabeto, ninguém se indigna, ninguém chora, ninguém pede esmola nas esquinas, já não há mais balas perdidas. Realmente, as balas não se perderam: todas elas são endereçadas aos sonhos dos cidadãos. Hoje os jornais falam de duzentos reféns nas prisões amotinadas. Isso é um erro: de fato, somos cento e oitenta milhões de reféns das políticas criminosamente equivocadas (criminosas porque ninguém, até hoje, seguiu o que está expresso na constituição quando se trata do bem estar da comunidade). Os sonhos estão sendo diariamente metralhados, estuprados, vilipendiados, solapados. Lembro-me de um gibi do Mandrake que eu li na minha infância. O herói viajou para o futuro e ficou estarrecido ao constatar que a marginalidade havia dominado o mundo, as máfias tornaram-se Estados. Ah, a ficção! A realidade é bem pior. Há muito tempo que o crime se apossou do Estado (só não fazia propaganda). A luta atual é da facção do Colarinho Branco contra os outros, os habituais Chaves-de-cadeia que comercializam o branco do colarinho. O fato é que a bandidagem sempre foi mais organizada do que a sociedade civil: e o resultado é esse que vemos nos jornais ou, pior ainda, nas portas de nossas casas. Estou de luto. Espero ainda poder armar meu espírito para defender meus sonhos mais simples: saúde, trabalho, educação. Fica difícil, nessa segunda-feira cinza, pensar em outra trilha sonora além do constrangido silêncio. Aproprio-me, então, de O triunfo da morte, de Brueghel, para expressar algo da minha consternação.
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9 comentários:
Meu caro Salsa, a tua indignação é a mesma que está entalado, como você coloca com propriedade, há quinhentos anos. É muito difícil parar e pensar no que escrever num momento com este que estamos vivendo. Meus parabéns pelo belo texto, e que o mesmo sirva de alerta para que, em primeiro de outubro, possamos começar a reverter este quadro, trocando tudo e todos, em especial no Congresso. Vamos começar 2007 com 513 deputados Federais e 81 senadores novos, sem vícios, sem o corporativismo que hoje assola o nosso Legislativo. Forte abraço, Salsa. Fui!!!, esperando que amanhã seja, pelo menos, menos pior que hoje.
Prezados Salsa e Curt, bom ver vcs por aqui. Queria ser, eu e meu fígado, romântico e otimista como vcs. Mas confesso: meu lugar ao sol eu consegui na porrada. Por isso, não acredito em novos capítulos para a História. E, o que é ainda pior, prefiro Bosch a Brueghel rs.
Abraços.
Não há romantismo no texto. O otimismo, não vi. A não ser que batalhar pelo básico para a sobrevivência já tenha alcançado o status de otimismo. Ps: Eu acho os dois pintores geniais.
O otimismo está em pensar que o Estado, algum dia, fora não composto por ladrões. Bota otimismo nisso. O romantismo, aquele de cavalaria, não o da pneumonia, está em supor que o trabalho é algo digno de ser defendido. O trabalho é o câncer que acompanha a invenção da moeda. E, tenho dito.
Tá aí coisa bem pensada: acabaram com a escravidão e assinaram a carteira. Mais barato para o patrão. E o povo nem percebeu rs.
o texto diz justamente isso: que o estado sempre esteve nas mãos de ladrões.
Ah, que bom que o sinhô mi esplico ... Pensei que fosse apenas nos últimos 500 anos. Gora so fauta o sinho dize se gosta de trabaia e si o sinho educa os seu filinhu pra ser bao funcionaru nu futuru ... Adoro a ISO 9000.
O romantismo está em acreditar q. o futuro possa ser "menos pior" do q. hoje e q. no congresso estarão novos deputados e senadores! Vã esperança, infelizmente! O dinheiro manda, as campanhas eleitorais feitas por especialistas em enganar e convencer a patuléia , o analfabetismo funcional (pq. os governantes e autoridades, ou seja, políticos, permitem q.nossa educação básica seja de péssima qualidade, senão para manter seus currais eleitorais garantidos? Já pensou se esse pessoal conseguisse raciocinar e perceber o quanto são enganados e mal-tratados?) Tudo isso e muitos
outros fatores mantêm a condição ideal p/ q. tudo se perpetue, eu tb. ñ. tenho esperança! Suas palavras, Salsa, traduzem exatamente meu sentimento. Muito bem escrito, inclusive.
PS. congresso com c minúsculo foi de propósito, ñ. merece o maiúsculo!
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