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No dia 28 de setembro de 1991 morria Miles Davis, o segundo maior administrador de talentos do jazz – o primeiro foi, sem dúvida alguma, Duke Ellington. Polêmico, violento e orgulhoso, Miles destacou-se também como o maior líder de combos (pequenos conjuntos), cobrindo com seus quartetos e quintetos mais de 50 anos da história do jazz. Somente Art Blakey com seu Jazz Messengers aproxima-se da influência de Miles nesse campo. O mais curioso disso tudo: Miles nunca provou ser um grande instrumentista: tocava muito menos que vários virtuoses de sua época, como Dizzy Gillespie ou Clifford Brown, por exemplo. Sabendo disso, Miles evitou habilmente expor-se às saraivadas alucinantes de notas exigidas pelo bebop e começou a trabalhar artesanalmente cada som de seu instrumento, pensando meticulosamente na forma de emissão de cada nota, partindo para aventuras harmônicas capazes de liberar toda sua criatividade aprisionada por sua tímida performance ao trompete. Sim: se há algum valor no sopro de Miles, vamos encontrá-lo na maneira como ele emite as notas - e aqui lembramos de Bix Beiderbeck -, não em sua técnica ou velocidade. A genialidade de Miles estava antes na capacidade de reunir grandes músicos e perceber como nenhum outro as mudanças eminentes de sua época: antenado em todo som existente, impediu que Claude Thornhill ou Lennie Tristano fossem ouvidos e reconhecidos por suas contribuições para o surgimento do cool jazz. Ligeiro, Miles recolhia os discípulos desses mestres e produzia álbuns que marcariam toda a história do jazz de 1949 para cá, como o célebre lp Birth Of The Cool, com o qual recebeu o título de inventor do cool jazz. Quem escapasse da agilidade antropofágica de Miles, como Chet Baker ao ser aclamado como o maior trompetista do cool jazz em 1952, era por ele execrado. Miles não suportava estar atrás - por isso comprou uma Ferrari amarela -, principalmente quando quem lhe passava a frente era um branco com rosto de ator de cinema. Ocorre que, na verdade, quase sempre Miles esteve à frente. Sua percepção do que deveria ser feito em cada uma das fases do jazz era insuperável. Ele sabia como ninguém cercar-se dos melhores músicos, ajustando com malícia suas idéias musicais aos arranjos produzidos por Gerry Mulligan, Gil Evans e tantos outros músicos anônimos ou esquecidos que ajudaram Miles a ser Miles. Assim como Miles “inventou” o cool jazz, Miles “inventou” a fusion, com seu aclamado álbum Bitches Brew. Hoje seria impossível imaginar o jazz sem Miles Davis. Por isso é tão difícil prestar-lhe uma homenagem digna escolhendo apenas uma ou duas de suas milhares de gravações. Contudo, tomei a liberdade de escolher duas faixas do álbum que mais gosto de Miles: Complete Miles Davis In Stockholm, gravado em 1960 e lançado em 4 cd’s pela Dragon. São elas: So What e Fran Dance, com John Coltrane viajando no tenor, Wynton Kelly (p), Paul Chambers (b) e Jimmy Cobb (d). É só clicar e idolatrar o humilde Miles. Afinal, ele não merece?
5 comentários:
Essa caixa é muito interessante. Destaque-se a possibilidade de ouvir (e sentir a diferença) das performances de Stitt e de Coltrane. São esses momentos que revelam as bifurcações do trajeto jazzístico.
Miles era genial. Todo o resto é papo furado
Claro que Miles era gênio. Mas de furado o pao não tem nada. Grande resenha Lester!
Valeu luscufuscu, gentileza sua. Agora, se der, faça seu cadastro no blogger para facilitar a identificação dos amigos visitantes,
Grandes gravações. Valeu!
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