A relação apaixonada que Che Guevara tinha com os livros serve ao escritor argentino Ricardo Piglia como emblema da paixão pela literatura. Paixão que exige certa submissão e, até, certa fraqueza. Visto hoje como um líder audacioso e até imprudente, Che Guevara se concedia desabafos que contradizem esta imagem. Na primeira carta que escreveu para a mãe logo depois de chegar a Sierra Maestra, por exemplo, ele que - como Marcel Proust -, sofria com a asma, admite: "O inalador é mais importante para mim que o fuzil".
Um inalador e um livro, nada mais que isso. E estar sozinho, acima das turbulências do real, mais nada. As relações afetivas, e íntimas, de Guevara com a leitura motivam o mais surpreendente dos seis capítulos de O último leitor (Companhia das Letras), o estupendo livro de ensaios literários que Ricardo Piglia lança na Flip, em Paraty. O último leitor a que o título se refere é exatamente o Che. "Guevara é o último leitor porque já estamos diante do homem prático em estado puro, diante do homem de ação", Piglia explica.
TRECHO de O último leitor: "Entre nós, o primeiro que pensou esses problemas foi, como sabemos, Macedonio Fernández. Macedonio tinha a pretensão de que seu Museo de la novela de la Eterna fosse "a obra em que o leitor será finalmente lido". E se propôs a estabelecer uma classificação: séries, tipologias, categorias e casos de leitores. Uma espécie de zoologia ou botânica irreal que identifica gêneros e espécies de leitores na selva da literatura. Para poder definir o leitor, diria Macedonio, primeiro é preciso saber encontrá-lo. Ou seja, nomeá-lo, individualizá-lo, contar sua história. A literatura faz isso: dá ao leitor um nome e uma história, retira-o da prática múltipla e anônima, torna-o visível num contexto preciso, faz com que passe a ser parte integrante de uma narração particular. A pergunta "o que é um leitor?" é, sem sombra de dúvida, a pergunta da literatura. Essa pergunta a constitui, não é externa a si mesma, é sua condição de existência. E a resposta a essa pergunta - para benefício de todos nós, leitores imperfeitos porém reais - é um texto: inquietante, singular e sempre diferente."Ao contrário dos escritores profissionais, que escrevem para viver, Guevara vivia - mesmo as mais temerárias experiências guerrilheiras - para escrever. O amor pelos livros, que perdura até sua morte trágica, expõe ainda, no entender de Piglia, o abismo que o separa do outro ícone da esquerda revolucionária: seu companheiro Fidel Castro. Enquanto Castro, o grande retórico dos discursos empolados e intermináveis, sempre teve facilidade para se aproximar das pessoas, Guevara, o tímido, preferia "isolar-se, separar-se, construindo para si um espaço à parte". Essa redoma era a literatura.
Texto de José Castello, em EntreLivros.
3 comentários:
Esse blog é sobre jazz ou literatura?
De vez em quando a gente dá uns palpites (jazzseen: Jazz, Vinho e Livros Finos com Letras Grandes). De fato, a gente tem deixado os livros e os vinhos (pelo menos aqui) um pouco de lado. No entanto, em nossas residências (minha e do Lester), os livros e os vinhos são utensílios de primeira necessidade. Experimente um pouco, quem sabe você venha a ter realmente capacidade para avaliar alguma coisa?
Prezado Avaliador de Blogs, como diria Mr. Salsa: você ainda não ouviu nada.
Saudações, JL.
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