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Continuando nosso diário de bordo sobre New York/2007, agora é a vez de darmos um pulo no Harlem. O que pude constatar por lá é que, de modo geral, há uma certa dúvida quanto à segurança nessa região da cidade. Se você conversar com hóspedes ou americanos brancos de classe média, quase todos dirão que você não deve ficar perambulando por lá sozinho, principalmente à noite. O ideal, segundo nossos informantes, seria você ir de táxi, saltar e dirigir-se diretamente para o clube ou no local para onde deseja ir. Na volta, idem, se possível pedindo ao gerente para chamar um táxi específico para você. Considerando que seguro morreu de velho, resolvi contratar uma van, ao custo de US$70.00 a hora. Como éramos quatro pessoas interessadas em rodar duas horas pelo Harlem, a coisa ficaria por razoáveis US$35.00 por cabeça. Foi assim que chegamos ao telhado do Cotton Club, no 644 da Malcolm X Boulevard, na altura da rua 142.
Esse é o mais famoso dos três grandes clubes noturnos da chamada Harlem Renaissance (os outros dois eram o Connie’s Inn e o Smalls’ Paradise). Curiosamente, apesar de localizado no Harlem, o Cotton era destinado ao público branco e endinheirado da alta sociedade. Foi ali que Duke Ellington, até então um famoso desconhecido, solidifica sua carreira, apresentando-se ali com sua Jungle Band durante quatro anos. Com suas apresentações sendo transmitidas pelo rádio para todo o EUA, torna-se bastante famoso. Vale lembrar que o Cotton Club surgiu com o nome de Clube Deluxe, cujo proprietário era Jack Johnson, o aclamado campeão de boxe peso-pesado.
Descendo do telhado do Cotton Club, parti para o 267W da rua 140, onde morou James P. Johnson, o mestre do stride piano. Em seguida, visitei o número 63 da Hamilton Terrace, onde morou a grande pianista Mary Lou Williams. Era ali que músicos como Thelonious Monk, Dizzy Gillespie ou Charlie Parker paravam, durante o dia ou a noite, para trocar idéias musicais com Mary. Notei que nos endereços, tanto no caso de James quanto no caso de Mary, não havia nenhuma placa ou referência a esses dois grandes mestres do jazz.
Placa mesmo, e das grandes, somente fui encontrar no número 935 da St. Nicholas Avenue: foi ali que morou Duke Ellington (com sua companheira Beatrice Ellis) durante alguns dos mais importantes períodos de sua carreira: de 1939 a 1961. Fiquei satisfeito em saber que o prédio está devidamente tombado pelo patrimônio histórico. Após uma longa contemplação, passei para minhas duas últimas visitas: Apollo Theatre, no 253W da rua 125 e Minton’s Playhouse, no 210W da rua 118.
Do primeiro, basta dizer que talvez seja um dos maiores símbolos da história da música afro-americana. Fundado em 1913, por ali passaram Bessie Smith, Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Duke Ellington, Louis Armstrong, Count Basie, Fats Waller, Ray Charles, James Brown e muitos outros. Não é à toa que Elvis Presley e os Beatles, quando estiveram pela primeira vez em New York, fizeram questão de conhecer o Apollo. Com seu espaço para 2.000 pessoas, o Apollo sempre apresentou novos talentos e nem sempre os músicos obtinham sucesso pelo simples fato de estarem se apresentando ali. Alberta Hunter e Lena Horn foram algumas das várias estrelas que passaram sufoco na casa, tendo suas temporadas canceladas antes do tempo previsto.
Fechado na década de 1970, o Apollo passou por duas amplas reformas, uma na década de 1980 e a outra em 2001. Bem, o tempo passou rápido, por isso precisei seguir rapidamente para o lendário Minton’s: o bar ficava no Cecil Hotel, onde Teddy Hill estabeleceu uma banda com Thelonious Monk e Kenny Clarke. Não demorou muito para que, toda noite, acontecessem jams sessions pelas madrugadas, onde músicos como Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Charlie Christian, Max Roach, Tadd Dameron, Roy Eldridge e Teddy Wilson podiam explorar com total liberdade suas idéias musicais: nascia assim o bebop.
Fiquei feliz em saber que, após muita luta, o Minton’s voltou a funcionar como clube de jazz. Bem, como a noite se aproximava veloz sobre o bairro negro, entendi prudente me despedir e seguir para o hotel. Mais tarde voltaria ao Harlem para minha despedida final no Rubin Museum of Art, onde se apresentaria outra lenda ainda viva do jazz: Dizzy Reece.
Um dos trompetistas mais íntegros do jazz, Reece sempre se manteve fiel ao seu estilo avançado, moderno e que, apesar de fundamentado na herança do bop, sempre teve uma marca bastante pessoal. Estranhamente, o mestre não se distanciou muito do único trabalho que conhecia dele (o álbum Asia Minor, de 1962). Acompanhado pelos competentes Mike Longo (p), Lee Hudson (b) e Jimmy Wormworth (d), pode-se dizer que Reece tocou pouco, dando muito espaço para os amplos solos de seus companheiros. Mas seu registro médio magnífico estava lá, intocável, como na balada 'Round Midnight.
Mas, tudo bem: o show não era apenas para quem estava ouvindo, mas também para comemorar os 76 anos do coerente trompetista. Se você for a New York, não deixe de passar pelo Harlem. Nem que seja para um brunch no Sylvia’s.
Continuando nosso diário de bordo sobre New York/2007, agora é a vez de darmos um pulo no Harlem. O que pude constatar por lá é que, de modo geral, há uma certa dúvida quanto à segurança nessa região da cidade. Se você conversar com hóspedes ou americanos brancos de classe média, quase todos dirão que você não deve ficar perambulando por lá sozinho, principalmente à noite. O ideal, segundo nossos informantes, seria você ir de táxi, saltar e dirigir-se diretamente para o clube ou no local para onde deseja ir. Na volta, idem, se possível pedindo ao gerente para chamar um táxi específico para você. Considerando que seguro morreu de velho, resolvi contratar uma van, ao custo de US$70.00 a hora. Como éramos quatro pessoas interessadas em rodar duas horas pelo Harlem, a coisa ficaria por razoáveis US$35.00 por cabeça. Foi assim que chegamos ao telhado do Cotton Club, no 644 da Malcolm X Boulevard, na altura da rua 142.
Esse é o mais famoso dos três grandes clubes noturnos da chamada Harlem Renaissance (os outros dois eram o Connie’s Inn e o Smalls’ Paradise). Curiosamente, apesar de localizado no Harlem, o Cotton era destinado ao público branco e endinheirado da alta sociedade. Foi ali que Duke Ellington, até então um famoso desconhecido, solidifica sua carreira, apresentando-se ali com sua Jungle Band durante quatro anos. Com suas apresentações sendo transmitidas pelo rádio para todo o EUA, torna-se bastante famoso. Vale lembrar que o Cotton Club surgiu com o nome de Clube Deluxe, cujo proprietário era Jack Johnson, o aclamado campeão de boxe peso-pesado.
Descendo do telhado do Cotton Club, parti para o 267W da rua 140, onde morou James P. Johnson, o mestre do stride piano. Em seguida, visitei o número 63 da Hamilton Terrace, onde morou a grande pianista Mary Lou Williams. Era ali que músicos como Thelonious Monk, Dizzy Gillespie ou Charlie Parker paravam, durante o dia ou a noite, para trocar idéias musicais com Mary. Notei que nos endereços, tanto no caso de James quanto no caso de Mary, não havia nenhuma placa ou referência a esses dois grandes mestres do jazz.
Placa mesmo, e das grandes, somente fui encontrar no número 935 da St. Nicholas Avenue: foi ali que morou Duke Ellington (com sua companheira Beatrice Ellis) durante alguns dos mais importantes períodos de sua carreira: de 1939 a 1961. Fiquei satisfeito em saber que o prédio está devidamente tombado pelo patrimônio histórico. Após uma longa contemplação, passei para minhas duas últimas visitas: Apollo Theatre, no 253W da rua 125 e Minton’s Playhouse, no 210W da rua 118.
Do primeiro, basta dizer que talvez seja um dos maiores símbolos da história da música afro-americana. Fundado em 1913, por ali passaram Bessie Smith, Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Duke Ellington, Louis Armstrong, Count Basie, Fats Waller, Ray Charles, James Brown e muitos outros. Não é à toa que Elvis Presley e os Beatles, quando estiveram pela primeira vez em New York, fizeram questão de conhecer o Apollo. Com seu espaço para 2.000 pessoas, o Apollo sempre apresentou novos talentos e nem sempre os músicos obtinham sucesso pelo simples fato de estarem se apresentando ali. Alberta Hunter e Lena Horn foram algumas das várias estrelas que passaram sufoco na casa, tendo suas temporadas canceladas antes do tempo previsto.
Fechado na década de 1970, o Apollo passou por duas amplas reformas, uma na década de 1980 e a outra em 2001. Bem, o tempo passou rápido, por isso precisei seguir rapidamente para o lendário Minton’s: o bar ficava no Cecil Hotel, onde Teddy Hill estabeleceu uma banda com Thelonious Monk e Kenny Clarke. Não demorou muito para que, toda noite, acontecessem jams sessions pelas madrugadas, onde músicos como Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Charlie Christian, Max Roach, Tadd Dameron, Roy Eldridge e Teddy Wilson podiam explorar com total liberdade suas idéias musicais: nascia assim o bebop.
Fiquei feliz em saber que, após muita luta, o Minton’s voltou a funcionar como clube de jazz. Bem, como a noite se aproximava veloz sobre o bairro negro, entendi prudente me despedir e seguir para o hotel. Mais tarde voltaria ao Harlem para minha despedida final no Rubin Museum of Art, onde se apresentaria outra lenda ainda viva do jazz: Dizzy Reece.
Um dos trompetistas mais íntegros do jazz, Reece sempre se manteve fiel ao seu estilo avançado, moderno e que, apesar de fundamentado na herança do bop, sempre teve uma marca bastante pessoal. Estranhamente, o mestre não se distanciou muito do único trabalho que conhecia dele (o álbum Asia Minor, de 1962). Acompanhado pelos competentes Mike Longo (p), Lee Hudson (b) e Jimmy Wormworth (d), pode-se dizer que Reece tocou pouco, dando muito espaço para os amplos solos de seus companheiros. Mas seu registro médio magnífico estava lá, intocável, como na balada 'Round Midnight.
Mas, tudo bem: o show não era apenas para quem estava ouvindo, mas também para comemorar os 76 anos do coerente trompetista. Se você for a New York, não deixe de passar pelo Harlem. Nem que seja para um brunch no Sylvia’s.
10 comentários:
Ufa!!!
Mr Lester,
Pega o tel dessa van pq vai ser ela a nos tirar de Vitória rumo NY. Vc sabe q a turma só anda de carro e tem pavor de avião e navio.
'tamos e vamos nessa!
Lester, vc podia bem publicar um "manual" para os futuros viajantes...
Definitivamente tenho que ir mais a NYC :-)
sempre a jazzar...
Prezado Rogério, nessas ocasiões eu utilizo uma antiga técnica carioca: ao invés de fazer amizade com o gerente do hotel (que vai lhe arrancar o máximo de dólares possível), faço amizade com os porteiros do hotel. Um cigarrinho pra lá, um cafezinho pra cá, e você sempre consegue boas informações e descontos. E, além disso, acaba fazendo alguns bons contatos: anote aí o telefone e o e-mail do John Khan, o motorista de um GMC Yukon que está sempre parado em frente ao Grand Hyatt Hotel: (718) 865-7878 e johnkhanifran@yahoo.com
Boa viagem!
To ficando com vontade de entrar nessa caravana!!!
queria um dia assim no harlem!
Eu estava lá...ajudei a pagar a van...
Prezado Lester.
Magnifica esta postagem. Conheço o local e sua abordadgem foi fiel a sua existencia.Boas festas e fica na paz.
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