26/05/2007

Marcelo Coelho Quarteto - Colagens


Senhoras e Senhores, Ladies and Gentlemen, tenho o grande prazer de apresentar mais um disco produzido por um dos ilhéus, que, infelizmente para nós, está morando em São Paulo: trata-se de Marcelo Coelho (que, para nós, continua sendo o Bambam). Lá pelo início dos anos noventa do século passado, Marcelo Bambam era mais uma boa promessa que surgia da hoste de músicos que se formavam, sob a batuta do maestro Célio, na Bigband da Escola Técnica (em outra oportunidade falaremos mais sobre essa generosa fonte de músicos de Vitória). Promessa feita, promessa cumprida (depois de período de estudos nos Estados Unidos, onde foi aluno de Dave Liebman): vocês podem conferir no cd Colagens, fruto do seu esforço e dos bons amigos que participam do disco lançado esse ano (pode ser adquirido no endereço muzikness@gmail.com). O quarteto MC4 é formado por Marcelo (tenor), Lupa Santiago (guitarra), Guto Brambilla (Baixo acústico) e Carlos Ezequiel (bateria); os convidados são os trombonistas Vincent Gardner (toca com Wynton Marsalis) e Paulinho Malheiros, que tratam seus instrumentos com bastante intimidade. O disco é marcadamente contemporâneo, com composições que jogam com a polirritmia e com estrutura modal de modo eficiente. Destaquemos a performance do grupo: excelente. Lupa é dono de fraseado e feeling que não deixa nada a dever aos grandes que circulam pelas discotecas dos jazzófilos; a precisão de Guto é daquele tipo que deixa qualquer músico tranqüilo para devanear em seus solos; não distante fica o baterista Ezequiel: pegada firme, explora com versatilidade a estrutura dos temas e sabe valorizar os silêncios que os compõem. Os diálogos entre os músicos mostra para qualquer ouvinte que estamos trafegando num terreno muito bem administrado. Observem como trombones e sax brincam como se estivessem num parque. Deixarei a faixa Papaléguas para vocês avaliarem (clique sobre o nome e digite jazzseen).
Segue uma breve entrevista com Bambam:

Jazzseen - Fale sobre seu percurso, depois que você comprou o seu yamaha e se mandou da ilha para a estranginávia. O que você considera fundamental no seu trajeto musical?

Marcelo - Mudei pra Campinas, SP, em 1994 pra cursar Música Popular na UNICAMP. Em 1999, fui para os Estados Unidos pra fazer Mestrado em Jazz Performance na University of Miami. Retornei ao Brasil em 2003 para o doutorado em composição na UNICAMP, que será concluído ainda este ano. ( Neste meio tempo troquei o meu Yamaha por um Selmer Super Action, série 45988, década de 50.) A minha trajetória está muito ligada ao estudo acadêmico de música. Este foi o recurso que encontrei para a diversificação e ampliação dos meus conhecimentos, e claro, a oportunidade de viajar e morar em outro país.

Jazzseen - Percebo que você não privilegia seu instrumento nas interpretações, deixando espaços generosos para os membros da banda - normalmente, band leaders puxam a brasa para as suas sardinhas. Enfim, como você mesmo disse: você serve um fausto banquete para os amigos. Esse é seu modo de pensar a música?

Marcelo - Este tem sido o modo que estou fazendo música hoje. Amanhã posso mudar. No momento estou "a procura de", estou no início de um processo de identidade artística, pessoal. Por estar ainda no início do processo, prefiro me posicionar como observador. Tem sido um grande aprendizado ouvir os músicos, observar de que forma eles reagem, sugerem e contribuem para o desenvolvimento da idéia que eu apresento. Mas há também o risco da acomodação e, para que fosse mantida a unidade sonora do grupo, eu tive que seguir em vários momentos pela direção contrária à sugerida pelos músicos. Este foi um dos grandes desafios pra mim.

Jazzseen
- No encarte você ressalta a polifonia como um dos pontos marcantes de suas composições. No jazz, esse elemento é explorado pelo dixie e pelo free (e, caso à parte, Mingus). Em Tempestade, e em outros momentos, isso é bem marcante. O que o atrai especificamente para esse ponto? Você cita Miller e Gramani (confesso minha ignorância: não os conheço) - algum outro músico (da velha ou da nova geração, além de Coltrane) chama a sua atenção e que também poderia considerar referência para o seu trabalho?

Marcelo - A liberdade para experimentação é o que me atrai. Acredito que estou mais próximo do choro e do dixieland do que do free. Mas isso não é essencial pra mim. De fato, estou entrando na mata escura, mas não saber o que vou encontrar na frente me faz caminhar com cautela. A polirritmia nas minhas composições me conduzem para este lugar ainda desconhecido, mas já percebido por mim. Um músico que me inspirou muito nesta maneira de pensar foi o David Liebman (foto), muito antes de eu o conhecer pessoalmente. Por isso não acredito que o nosso encontro aconteceu por um acaso, como também não deve ter sido por um acaso que eu fui parar na casa do Wayne Shorter para almoçar com ele e a esposa. Pode ser que os nossos caminhos tenham se cruzado por compartilhamos da mesma percepção. Seja como for, foi!

Jazzseen -
Papalégua é o tema em que as influências locais são mais patentes. Ainda é possível pensar música com fronteiras?

Marcelo - Como seria uma música com fronteiras? Acredito que a fronteira exista na cabeça do músico. Música é pulsação, vibração e está presente desde o início do universo, ou seja, está presente em tudo. Claro, a música se manifesta em cada cultura com as peculiardiades que a difere uma da outra, mas é só! As inserções de um estilo ou de outro no processo de criação musical depende do que este estilo representa para o compositor. Eu acredito na individualidade resultante da diversidade, acredito que a soma das partes é maior que o todo, logo, não consigo conceber música com fronteiras. Mas faço também as minhas ressalvas à aventura musical inconsistente e este crivo me impede de fazer um disco tocando swing por exemplo, sei que não estarei contribuindo.

Jazzseen - O que você me diz sobre a música instrumental contemporânea. Dizem que o swing, o blues e o bop não tem mais espaço na atualidade - você concorda com isso?

Marcelo - O contemporâneo respeita a tradição, afinal, o legado deixado pela tradição é o que fomenta o contemporâneo. Ninguém cria algo novo, vivemos de reinterpretações do passado. Por exemplo, a música "Jota-Pê" do Cd é uma variação de "Garota de Ipanema". Me recordo que quando disse isso aos músicos, eles disseram que "perceberam logo no primeiro compasso :-)" Claro, o resultado final está muito distante do original, mas o processo de criação referencia a tradição, o passado. Por isso acredito que todos os estilos sempre terão o seu espaço, alguns terão mais destaques do que outros dependendo do contexto do momento, mas todos estarão presentes de alguma maneira.

Jazzseen - Escolha: (para tocar) boteco ou teatro? Por quê?

Marcelo - Prefiro o teatro em função da maior capacidade de apreciação por parte do público e da sinergia entre público e músicos.

Jazzseen - Em tempo: qual a sua agenda para o próximo mês? Você trabalha fixo em algum boteco?

Marcelo - Estou indo lançar o CD na Europa em julho, depois sigo a agenda de alguns shows no Brasil para o segundo semestre. Estava trabalhando fixo no Bourbon Street, em São Paulo, com o quarteto de jazz da casa abrindo os shows de jazz internacionais, mas no momento estou completamente voltado para o meu grupo e divulgacao do CD.

6 comentários:

Anônimo disse...

ouvi e gostei. pena que é só uma faixa...Não dá pra tocar a tal Jota-Pê?

Anônimo disse...

Nice post Mr. Salsa. Desse jeito, logo, logo, Mr. Lester perde o posto de Editor-Chefe.

Anônimo disse...

Lester aboliu a arché. Como bom editor-chefe, ele não tá nem aí para o que seus subalternos escrevem.

Guzz disse...

Beleza Salsa
Eu assisti o Marcelo Coelho e seu quarteto em SP no bar "All of Jazz" há uns 2 anos em um tributo a Coltrane.
Muito bom, ele sabe das coisas !
Fico feliz que lançou um CD. Vou conferir !

Abraço

Salsa disse...

Marcelo é um cara ultra modesto diante de sua técnica e do seu trabalho. Merece a nossa atenção.

Anônimo disse...

Eu ouvi algumas faixas do CD do Marcelo muitas vezes. Muito bom! O que mais me impressiona é que - confesso - não sou uma profunda conhecedora de jazz, no entanto posso dizer com segurança: é sensacional seu trabalho, Marcelo. Parabéns pelo esforço e dedicação à música.
Bjosss.