A segunda maior aberração ocorrida no jazz foi Albert Ayler. A primeira, creio que todos concordam, foi Ornette Coleman, no final da década de 1950. A música pavorosa de Albert Ayler pode ser considerada – ainda que o free jazz seja uma ‘escola’ ou ‘estilo’ sem qualquer referência sistemática (cada músico fazia e faz o barulho que desejasse ou deseje) – a continuação do terrível trabalho de Ornette, embora ainda mais desafinada, agressiva e insuportável. Alguns críticos mais gentis classificam sua música como ‘complexa’ e ‘difícil’, o que, na verdade, pode ser traduzido como ‘caótica’ e ‘incompreensível’.
Ekkehard Jost, em seu Free Jazz, Da Capo, 1994, tenta ordenar, como todo bom alemão, a montoeira de gravações produzidas por Albert Ayler, na vã tentativa de dar forma e estrutura a um trabalho que, para mim, não possui qualquer possibilidade de ordenação segundo os princípios da lógica aristotélica. Apesar dos inúmeros diagramas, gráficos e eletrocardiogramas que Jost elenca em seu livro, o fato é que a música de Ayler não pode ser organizada ou estudada sob a ótica da lógica do dó-ré-mi. O ouvinte interessado em conhecer sua música deverá tentar, antes de compreendê-la, senti-la. Essa é uma sugestão de Jost, e eu concordo com ele. Creio também que o ouvinte deveria se utilizar de uma lógica menos rígida que a popular lógica do sim ou não. Uma boa alternativa é se utilizar da fuzzy logic, ou lógica nebulosa, onde os valores verdade podem variar e sofrer as graduações necessárias entre o sim e o não. Há, também, a opção do cachimbo de crack ou a ironia racista de um LeRoy Jones, que considera Ayler um gênio.
Para o amigo navegante, deixo a faixa Ghosts, composta por Ayler e considerada um ‘clássico’ do free jazz. Essa versão é do The AALY Trio, grupo sueco do free jazz, formado por Mats Gustafsson (sopros), Kjell Nordeson (d) e Niklas Billström (b), esse último substituído mais tarde por Peter Janson (b). O especialista norte-americano em sopros, Ken Vandermark, é um convidado constante do trio, seja em apresentações ao vivo, seja em álbuns de estúdio. O trio produz, assim como Ayler, uma música complexa, ruidosa e difícil de ouvir, como que dando continuidade ao free jazz mais agressivo das décadas de 1950 (Ornette Coleman) e 1960 (Albert Ayler). O nome do trio deriva de Lebert Aaly (anagrama de Albert Ayler), música composta pelo Art Ensemble of Chicago em homenagem ao polêmico saxofonista. Sim ou não?
ghosts.mp3 |
22 comentários:
O Jazzseen fez a barba? Gostei...
Também gostei do novo visual mas a música é horrível mesmo!!!
É a primeira vez que visito o blog e, pelo visto, será a última. Albert Ayler e Ornette Coleman foram grandes gênios do jazz. O senhor John Lester deveria escrever sobre outro tipo de música. Pagode, por exemplo.
Free Jazz é nome de festival.
Não deveria ser corrente musical.
É uma tristeza sem fim.
Nem sei por que leio o jazzseen.
Amílcar, Amílcar,
Não fique irritado. Lester, todos sabemos, é um apreciador da parafernália free. Tanto que a sua inconclusa tese de matemática versa justamente sobre a lógica fuzzy e a música (e tem como subtítulo "A lógica free do jazz")
Mais uma vez me espanto diante da falta de tolerância das pessoas em relação às opiniões alheias que conflitam com as suas.
Vivi experiência semelhante à vivida agora por Lester só porque me confessei incapaz de apreciar a música de Miles Davis e de John Coltrane: o interlocutor me atirou logo a pedra do deboche perguntando se meu gosto musical já aceitava o swing ou ainda estava restrito ao ragtime.
Todo mundo quer liberdade de expressão para si mas não necessariamente para os outros: os outros, afinal, têm opiniões diferentes e por isso merecem ser queimados no auto-da-fé dos insultos e da baixa ironia.
No fundo, no fundo, o que alimenta o fogo desses autos-da-fé é a velha e eterna vaidade humana.
Aeh, Lester, polemizando, hein! Sempre haverá quem discorde, mas não baixemos tanto a corda. Pagode!!!!?
Gostei do novo visual. Agora, quando a gente entra no blog, tem aquelas musguinhas enjoadas pra ouvir. Legal. Que tal um pouco de Deep Purple?
eu prefiria o jazzseen antigo, era uma zona mas era sinistro; parecia um quadro do bosch!
É. Os espaços quadradinhos ficaram muito quadradinhos.
Caro Lester (só p/constar): quando comecei, há 5 anos, minha aventura pelos mares nunca dantes navegados da Rede, Eric Alexander foi o primeiríssimo músico de jazz que descobri por mim mesmo. Agora o vejo pousando ao seu lado, numa foto. Ê mundinho micro...
Por falar em descobrir por mim e a relação da última descoberta, ao que me trouxe, o engraçado é que, ao ouvir essa 'minha' última descoberta: o Dave Douglas e o álbum "Converge", super-bem cotado, no allmusic, com 4,5 estrelas - o qual escolhi p/baixar me iniciando na obra -, ao ouvir as duas 1ªs músicas, pensei: “como alguém pode gostar de algo assim?” Essa confusão de solos, violino, trumpete, bateria, baixo, se digladiando e uma sensação de ignorância (minha) que ninguém ali se entendia, “que coisa chata!” - pensei. No entanto, no mesmo álbum, há duas pérolas incrustadas, uma lenta "Tzotzil Maya", outra bem mais acelerada, mas, simplesmente primorosa!, "Nothing Like You", respectivamente, 3ª e última faixa do álbum e pensei: “E agora? Será que terei de baixar todos os álbuns (bem cotaderezézimos no mesmo allmusic) do Dave Douglas pra fazer, no mínimo, uma coletânea de músicas do nível dessas duas??? Quais álbuns baixar?... Será que se eu pedisse socorro ao amigo do Mabern, Coleman e Alexander, o cara, gentil e generosamente me daria um help?”... Apelei, né? Mas confesso que não pediria o favor, se, ao entrar no seu blog, o assunto não estivesse + ou – afinado pelo mesmo diapasão. Quem não arrisca...
Isto, claro, se é que vc conhece a extensa obra do Dave Douglas e por isso entendeu o que, na minha concepção, é música audível e o que pode ser considerado "instalação musical". Quem sabe haja um só álbum com um som menos hermético?
Valeu!
Eu possuo um do Dave com Bill Frisell - Strange Liberation - que é audível. As experimentações sonoras são bastante melódicas e harmoniosas (tem aquele clima meio viajandão das gravações da ECM, mas não chega a matar de tédio).
Grande Bill! Com ele tudo se assenta pro bem do bom gosto! Valeu Salsa! Como sou um ansioso, ao acordar, antes mesmo de conseguir uma dica de um de vcs, experts, o álbum Strange Libertation já estava completamente baixado aqui no soulseek só esperando a audição. Não canso de dizer: que maravilha é essa ferramenta soulseek!
Prezado Sergio, não fique em dúvida: para ouvir um Douglas no ambiente hard bop, com linhas mais tradicionais, ouça Soul on Soul, um belo tributo a Mary Lou Williams. Dá pra ver que ele sabe tocar bem o trompete.
Abraço, JL.
AMIGOS JAZZÓFILOS E AFINS!, COMETI UMA IMPERDOÁVEL INJUSTIÇA COM DAVID DOUGLAS. PRA MIM O CARA JÁ É UM MONSTRO SAGRADO! PASSEIA PELOS MAIS VARIADOS ESTILOS COM A NATURALIDADE E COMPETÊNCIA DE QUEM É CAPAZ ATÉ DE TOCAR SEU INSTRUMENTO COM AS DUAS MÃOS ALGEMADAS ÀS COSTAS! ACABEI POR ME ANIMAR A BAIXAR TODA A OBRA DO CARA (ESTOU NO COMECINHO SÓ). MAS, PARA MIM, O ÚNICO DISCO CONFUSO E BARULENTO É MESMO O "CONVERGENCE". ISSO POR UMA PROVAVEL IMATURIDADE AUDITIVA, MINHA! PQ O DISCO DEVE SER ÓTIMO COMO ESTÁ LÁ NO ALLMUSIC (4,5 ESTRELAS).
A OBRA, COMO FIZ, É FACILMENTE BAIXADA NO SOULSEEK. PORTANTO AQUI FICA O MEU MEACULPA E UMA DICA PARA QUEM QUISER MERGULHAR NO TRABALHO DESSE CATEDRÁTICO: VAI FUNDO! E A CAIXA ALTA FOI PRA DAR MAIS ÊNFASE NAS ESCUSAS E NO INCENTIVO.
ABAIXO OS ÁLBUNS JÁ BAIXADOS E ENTUSIASTICAMENTE INDICADOS (NÃO NECESSARIAMENTE EM NUNHUMA ORDEM):
Dave Douglas (Soul on Soul)
Dave Douglas (Charms Of The Night Sky)
Dave Douglas (Keystone)
Dave Douglas (Strange Libertation)
E, PQ NÃO:
Dave Douglas (Convergence)
O Dave Douglas (Freak In) está em compasso de espera.
BRINDE!
Esse Charms of the Night Sky é realmente excelente. Tbm recomendo.
os admiradores do ayler escrevem melhor e me intimidam, lembro quando saiu um box dele(rescente), as maravilhas q se escreveu a respeito, mas para mim a musica dele lembra a maquininha do dentista.
vinicius
Puxa Vin�cius, se premeditasse o breque, teria pedido ao meu amigo Luiz Orlando Carneiro para discorrer em meu lugar sobre o artista. Isso, claro, se o Luizinho fosse meu amigo, fosse ele f� do Dave Douglas e se ainda assim fossemos obrigados a deixar aqui tratados de erudi�o sobre os m�sicos que nos arrebatam. � assim que tem que ser? Ent�o, perd�o.
puxa sergio, não entendi oq vc quis dizer. tb fiquei na duvida se me fiz entender: quis dizer q diante dos textos que eu li, dos admiradores do ayler, me sinto uma anta de não gostar.
uma vez escrevi um e-mail para o L.O.Carneiro(tinha o endereço na pagina que ele escrevia no JB): ele não me respondeu nada...
mas afinal qual é a opinião dele sobre o ayler?
É q meu assunto não era Ayler. Vc diz que já viu textos melhores. E a paranóia fez o resto do serviço. Baixei alguns álbuns dele (Ayler), há muito tempo, tbm não entendi nada e deixei-o de lado. Já o Douglas quase me levou a mesma reação, com o 1ª “Convergence” baixado. Insisti noutras obras do mesmo artista, graças a duas músicas daquele álbum complexo e me apaixonei pela obra de DD.
Quanto ao Luis Orlando, me ocorreu o mesmo. No JB que assinava, a mim, ele sem saber educava o gosto pelo jazz. Um dia achei de escrever-lhe pedindo opinião sobre algum artista que me encantava na época e ele tbm me deixou sem resposta. Ta absolvido, no fundo ele sabe que educa o gosto de uma legião. Quantos dela, como eu e vc, não escrevem cheios de perguntas e curiosidades? Mas, enfim, perdoe-me duplamente pela paranóia. Também admiro os que escrevem bem sobre música porque nunca soube traduzi-la em palavras. Isto é, gosto e ponto. O máximo que consigo, quando consigo, é aproximar o estilo de um, pouco conhecido artista, a outro mais famoso. E isso no campo da MPB, rock ou o pop honesto...
Brinde!
Saxofonista de jazz é Lester Young, Coleman Hawkins, Sonny Rollins, Charlie Parker e John Coltrane. O resto vocês podem jogar fora.
só esses 5?
vinicius
Uma das experiencias musicais mais fascinantes que já sofrí na minha vida foi num festival de Jazz de Vanguarda no Kniting Factory em NY.Por uma questão de imposição pessoal comprei ingressos para os três dias do "festival".Precisa ouvir sons fora de minha formação habitual e o tipo de jazz que me causava estranhamento.Nos primeiros 20 minutos do primeiro dia senti que tinha caído numa experiencia aterradora.No final da noite alguns temas chegaram a me soar atraentes.No segundo dia, comecei a apreciar e no terceiro comecei a achar que compraria discos desse estílo com frequência.O que , ainda, não fiz.Tudo e uma questão de iniciação ou se quebram paradigmas ou para-choques conforme a natureza da experiência.Dave Douglas e um dos melhores nomes da talentosa nova geração do Jazz.Ornette Coleman exige mais que atenção, um pouco até de devoção.Se mais entusiasmado defensor é o LOC(que mandou dois emails pra mim e não respondeu até hj os que mandei pra ele , avisando ao companheiro da escrita anterior).No entanto,a leitura da Coluna do LOC e uma experiencia muito mais prazeirosa, pra mim, do que a audição da música do Ornette Coleman.Edú
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