25/07/2007

Liner Notes

Outro dia desse eu conversava com Francisco Grijó, professor, escritor e candidato bastante promissor a uma vaga no Clube das Terças, o mais famoso clube de jazz e corrida de saco da América Latina – seus integrantes nunca perderam nenhuma competição dessa modalidade num Pan-americano. Grijó não o sabia, mas, naquele exato momento, estava sendo avaliado minuciosamente por alguns sócios do clube, entre eles o sardônico Garibaldi Magalhães, figura sabidamente avessa a novas admissões ao clube. O assunto girava em torno de cinema, quadrinhos, John Coltrane e enlatados para televisão, entre estes os impagáveis Perdidos no Espaço e Nacionaro Kido. Segundos antes de ser novamente reprovado por Garibaldi, Grijó dá sua última cartada e nos conta a respeito de uma sombria sessão realizada entre Miles Davis e John Coltrane, da qual nenhum registro fora feito. Segundo Grijó, Coltrane estaria colhendo sementes de papoula em algum lugar exótico do leste europeu quando, a convite de Miles, teria retornado a New York e feito suas primeiras atuações com o futuro autor de Kind of Blue. Papo vai, papo vem, lembramos de Buddy Bolden, o cornetista louco de New Orleans que nunca gravou, e dessa nova mania japonesa de comprar discos pela internet. Você pode, agora, até escolher as faixas que quiser, no varejo, quebrando aquela saudosa imagem do ‘todo’ que os mais velhos costumam ter de um álbum de jazz. Sou do tempo em que adorávamos aqueles grandes lp’s, com encartes, lado A e lado B, plásticos protetores para o disco – que depois deveriam ser dobrados e inseridos no invólucro de papelão do lp de modo a não deixar a abertura exposta, evitando, assim, a contaminação com poeira, farelo de torrada e outras terríveis e minúsculas ameaças. Certa época estive às raias da loucura: ouvia um lp somente duas vezes: uma para ouvir mesmo; a outra, para gravá-lo em fita cassete, de modo a preservar o lp para a eternidade. Checkmate, da Pablo, com Joe Pass e Jimmy Rowles, foi o primeiro a receber esse tratamento vip, isto porque foi o primeiro lp gravado com tecnologia digital que adquiri. Grijó, já praticamente reprovado por Garibaldi – que, aqui entre nós, odeia Miles Davis –, foi salvo pelo gongo ao recordar dos adoráveis encartes que acompanhavam os lp’s, aquelas linhas saborosas que costumávamos ler enquanto ouvíamos o álbum. Uma delícia essas resenhas, todos concordaram. Foi então que, como que para aprová-lo definitivamente e nomeá-lo imediatamente como o mais recente sócio do clube, perguntei-lhe o que achava do encarte do álbum The Young Lions. Foi aí que Grijó escorregou: desandou a falar mal de Wynton Marsalis e sua turba de burocráticos asseclas. Garibaldi Magalhães, sem esconder um ar certo de satisfação entre os dentes amarelados, levantou teatralmente da cadeira enquanto dizia não poder mais compartilhar a mesa do clube com quem nunca leu a novela The Young Lions, de Irvin Shaw. Novela que, aliás, deu origem ao título do lp gravado em 25 de abril de 1960 por Lee Morgan (t), Wayne Shorter (ts), Frank Strozier (as), Bobby Timmons (p), Bob Cranshaw (b) e Louis Hayes (d). Garibaldi, quase sorrindo, disse mais: o autor da excelente resenha foi Cannonball Adderley que, já em 1960, nos alertava para aquilo que chamou de ‘glorificação da mediocridade’. Notem amigos, complementou Garibaldi, que Wynton Marsalis nem havia nascido quando esse álbum foi gravado, gargalhou. Grijó, tomando a admoestação de Garibaldi como um ataque pessoal explícito, partiu pra cima e, entre latas de coca-cola voando e xícaras de café rolando, conseguimos evitar que Garibaldi fosse completamente destruído pelo jovem e vigoroso candidato. Depois do boletim de ocorrência na 52nd DP, fomos todos ouvir The Young Lions na casa de Chico Brahma e a faixa escolhida para o amigo leitor ouvir foi That’s Right. Garibaldi passa bem e, prometeram os médicos, semana que vem estará em casa.






14 comentários:

Anônimo disse...

Grande álbum, grande time!

Salsa disse...

lembro-me do entrevero, e a sua narrativa o elevou a um plano magistral. Beleza de crônica, Mr. Lester. E eu, lá com meus botões, fiquei frio, porque eu também não conhecia o disco (não podia, no meio dos catedráticos, mostrar minha galopante ignorâcia). Espero que essa tardia confissão não implique na cassação do título de sócio do clube (sei que, de acordo com Garibaldi, o termo apropriado seria caçado - com espingarda 12). Aguardo aquela cópia básica

Anônimo disse...

Como presidente (maugré moi, como dizem os franceses) do clube das terças, sugiro que Mr. Lester seja eleito escrivão da nossa frota, com a responsabilidade de redigir a ata de cada reunião. Pois acaba de demonstrar que é capaz de fazê-lo com engenho, arte e (o que é mais importante)extrema fidelidade, além de inserir deliciosos detalhes periféricos, como, no caso, a rotina dos saudosos dias antigos do lp.

Só faltou falar do sorteio do cd de Jesper Thilo, que coube, sem mutreta, ao presidente do clube. Por sinal, estou ouvindo enquanto escrevo esta mensagem e curtindo muito.

Anônimo disse...

Bela resenha Mr. Lester. Queria eu poder participar dos campeonatos de corrida de saco com vocês!

Anônimo disse...

Hummmm, corrida do/com/de saco?

Anônimo disse...

capa sinistra!

Anônimo disse...

Não sei porque mas, quando você falou de 'glorificação da mediocridade' lembrei na hora de Miles Davis...

Anônimo disse...

Mas, afinal, mestre Grijó foi ou não aprovado???

Cinéfilo disse...

A questão é que Garibaldi, no fundo, não gosta de jazz. Gosta de country, e me tem como inimigo, sendo que nada lhe fiz.
Meu pecado é considerar Miles Davis um Beethoven.
Ele (Gari; não Ludwig)se eriça todo quando falo isso. Posso perceber pelo canto do olho.

Tenho respeito pelo Sr. Garibaldi, mas acho que ele está gagá...o que, aliás, pode muito bem ser o apelido dele.

Anônimo disse...

Grijó, porra, quando você chegar à minha idade você estará mais gagá ainda que eu.
E qual é a tua me chamando de Gari? A pronúncia é em português ou em inglês? Se for em inglês tá me chamando pra outra briga.
Aquela história dos Young Lions foi pra você ver que no Clube o buraco é mais embaixo - venha com mais toucinho e menos banha. Sei não, por isso sou magro como um bacalhau de porta de venda.
Mas os comentários nesse blog estão uma frescuragem só - esse Reinaldo é muito sonso como presidente "malgré lui". Ele tá mais é pra caudilho ou czar de todas as "Russas".
Mr. JL, taí gostei - sua escrita conseguiu que eu matasse um pouco a saudade de mim mesmo - touché!
Grijó Porra (que tal ser esse seu nickname no Clube?) já estou recuperado da refrega e novamente "terçaremos" armas na "terça" próxima - au revoir, porra!
E cuidado com o busanfã!

John Lester disse...

Bem, na condição de Editor-Chefe do maior blog da Grande Itaparica e adjacências, sou obrigado a abster-me (É um saco escrever para escritores e professores de literatura! Aqui se usa próclise ou ênclise?).

Bem, o fato é que Garibaldi, ou Miss Didi como é conhecido aqui pelos quiosques, não pode ser acusado de forma tão ácida e agressiva. Xião e Xororó é demais!

Se Miss Didi é ou deixa de ser a russa de todos os Czares, creio que a opção é dele. Afinal, a Carta veda esse tipo de discriminação.

Vida longa ao Rei e nova chance ao cavaleiro andante!

Mr. J Lester

Cinéfilo disse...

Não vou propor embates com esse decano senhor, o Gari. Não proponho embates porque eu, candidato que sou à vaga, devo manter a postura de "puxa-saco". Além do mais, continuo afirmando - e isso não será difícil de comprovar - que Garibaldi prefere os sertanejos brasileiros a qualquer sax tenor, vivo ou morto.

Ele já me disse, à miúda boca, que Um solo de Coltrane não vale um ganido de Chitãozinho.

Anônimo disse...

Porra, nunca vi tanta frescura. Tudo isso por causa da admissão do F. Grijó que, vá lá, deve entender um pouquinho de jazz, a despeito de suas considerações sobre Miles Davis e de adicionar à limpeza desta página o infame nome do cantor de corno-music. Admita-se o Grijó, afinal, mas recomende-se a ele não tourear Garibaldi que, se errar-lhe o busanfã, vai acertar-lhe certeira cabeçada.

Anônimo disse...

Esse Grijó só não compra o meu voto, porque não voto naquele clube. Que parece ter uma tradição: para cada novo sócio, sai um antigo. Quando Mr. Salsa passou a ter frequência regular, Paulinho da Embratel escafedeu-se. Agora quem sumirá? Lady Coimbra?
Falta ao Grijó, no entanto, passar no teste da farinha - o disco da capa azul lhe será apresentado coberto com farinha e, sem soprar, ele deverá acertar pelo menos os títulos de duas faixas.
Aguardo as novas aqui em Jucutuquara.