27/08/2007

Aurea mediocritas

Não demorou quase nada para que Miguel Marvilla tomasse conta do bate papo que se desenrolava numa das mesas da Livraria Logos do dia 25 de agosto, na Leitão da Silva, Vix. Era dia de comemorarmos o lançamento do livro A Longa História, de Reinaldo Santos Neves. Foi um sábado daquele, devidamente ensolarado e feliz, com edição pela Bertrand Brasil. Como todo grande poeta, Marvilla apelou para um velho tema, daqueles que se guardam na manga para essas ocasiões, o da complexidade da prova negativa. Num certo ponto, exclamou: não se pode provar que algo não existe. Um silêncio incômodo invadiu toda a livraria e uma parte sem sol da calçada. Lembrei logo de que não existe nenhum álbum de John Coltrane tocando fado - e eu posso provar que tal álbum não existe, mas não quis estragar o efeito dialético da frase. Quem toca fado, como demonstra Francisco Grijó, é Chico Buarque. Como se não bastasse, e enquanto nos recuperávamos da avassaladora assertiva, Marvilla salpicou que o melhor curso de todos é o curso de História. A confusão foi geral, os debates se acaloraram e, num último lance apoteótico, o poeta, levantando-se da mesa, fez dizer: fugere urbem, carpe diem, aurea medio­cri­tas. Entre atônitos e irados, vários debatedores rumaram ao bar da casa, onde, com o garçom certo e alguma gorjeta extra, se podia obter uma honesta meia taça de Domus Aurea. Enquanto o povo corria de um lado para o outro, eu só conseguia me lembrar do terrível filme Sociedade dos Poetas Mortos, com o chatíssimo Robin Williams incitando os jovens a pularem pelas janelas. Lembrei também de Augusto, o imperador, que em seu leito de morte murmurou: acta est fabula. Verifiquei que Oscar Wilde tinha razão quando disse que o mundo é um palco onde os papéis são mal distribuídos. Miguel Marvilla e Reinaldo Santos Neves são desses atores que merecem papéis principais. Sem acesso ao Domus Aurea, compreendi que caberia a mim vagar pela rua durante algum tempo, até esbarrar na Casa do Porto, onde encontraria o bom cabernet Carpe Diem 2005 por justificáveis R$35,00. Segui então para Parnaso, onde Apolo cantava às musas: cor vermelha rubi profunda, com tons violáceos. Intenso e complexo nariz, com muito cassis e um pouco de mentol. Frutos vermelhos, com taninos suaves e delicados. Com bom corpo e boa acidez, estruturado e com persistência média. Vinho para ser consumido jovem. Excelente acompanhante de carnes de caça, peru e vitela. Conteúdo: 750ml. Claro que, por R$450,00, você leva um Domus Aurea com um poema de Marvilla. Mas isso, isso é para os mecenas.

27 comentários:

Anônimo disse...

Vinho de combate, agradável mesmo, por módicos 26,00, é o pinot noir Trivento. Bebe-se confortavelmente.

Anônimo disse...

Ainda bem que eu não estava lá. Conversinha chata.

Anônimo disse...

não tenho nada contra o vinho, embora prefira um bom uisque(e acho que combina mais com jazz) - mas esses papos de enólogo "frutas vermelhas" "abriu o buquê" "carvalho discreto" "maduro" ou "jovem", "alegre" ou "profundo" isso tudo me cansa, principalmente agora que caiu na boca do povo...

enquanto era papo de especialista, bem, especialista é pra isso mesmo...

vinicius(ainda em férias)

Anônimo disse...

Mandou bem Vinícius. Jazz que é bom...

Cinéfilo disse...

Eu estava em BH mas torcia por longas histórias contadas por Reinaldo.
Aurea Mediocritas opõe-se ao prazer do vinho, caro JL.
É a espiritualidade, a dispersão material.
É coisa de quem não tem o que fazer.
Que bom!

John Lester disse...

Pois é, Vinicius. Discrusos melhores só mesmo com Marvilla comentando um Domus Aurea. Por aqui temos que nos contentar com o 'nariz complexo' do Carpe Diem.

E, Mr. Grijó, dessas máximas e brocardos, cada um retira a interpretação que melhor lhe aprouver. Entendo a aurea mediocritas como uma sábia qualidade, a qualidade de sentir prazer quando o vinho é menor mas a companhia é boa.

Mas releve, nunca fui bom em literatura, nem em latin. Como diria Goethe, em suas Máximas e Reflexões: semper homo bonus tiro est (o homem bom é sempre um aprendiz).

Fui, JL.

Anônimo disse...

Quanta viadagem, meu deus!

Anônimo disse...

Bichice da braba!
John Lester e Mr. Grijó tem um caso?

Anônimo disse...

Alguns leitores mais distraídos não sabem, até hoje, qual o assunto do Jazzseen: jazz, vinho e livros finos com letras grandes. Tá logo ali, na chamada do blog.

Adorei a resenha Lester. Pena que alguns leitores não percebam a sutileza de seu cinismo. Alguns até acham mesmo que o nariz complexo e o tanino delicado são coisa séria rs. Enfim, podemos escolher o que escrevemos, mas não quem nos lê rsrsrs beijos!

Anônimo disse...

É verdade, Camila, é verdade.

Anônimo disse...

Mas é verdade,
como o assunto é quase sempre Jazz, esquecemos que o blog, já diz o título, versa sobre "Jazz, vinho e livros finos com letras grandes", portanto , falar sobre livros e vinhos faz parte do nosso interesse...

Anônimo disse...

hum... sei não... não saquei a sutil ironia... fala ai Lester, rolou? a sutil ironia? ou foi uma avaliação honesta?

vinicius

Anônimo disse...

é tão sério que parece brincadeira.

John Lester disse...

Prezado Vinicius, o dia em que, ao sorver uma taça de vinho, meu nariz ficar complexado ao sentir um aroma de mentol almiscarado com notas de gergelin, eu penduro as chuteiras.

Ou será que Apolo era um gozador? Perguntemos às musas rs.

Anônimo disse...

faça umas piadinhas mais fáceis, tipo de portugues, para os leitores menos qualificados, tipo eu.

vinicius

John Lester disse...

Nota da Redação: Caso o amigo Reinaldo leia esta resenha, escrita em homenagem ao lançamento de seu livro, gostaria que soubesse que o meu 'aurea mediocritas', que se traduz por meio-termo áureo, não é exatamente a definição dada por Mr. Grijó. Quis saudar o amigo com a aurea mediocritas de Horácio, quando exalta o estilo de vida que permite evitar a pobreza indecorosa e a opulência desnecessária; também quis lembrar Ausônio, Lívio e Paulino de Nola, todos recomendando o caminho do meio que é, você sabe, o caminho da sabedoria.

Caso leia, grande abraço.

Anônimo disse...

Huummm... quanto mais mexe...

Anônimo disse...

Aurea mediocritas, ovvero "una ottimale condizione intermedia", e non, come qualcuno potrebbe tradurre letteralmente, "un'aurea mediocrità", è una locuzione latina tratta dal poeta latino Orazio (Odi 2, 10, 5), per il quale il termine "mediocritas" non aveva il valore dispregiativo che ha in italiano la parola "mediocrità", ma significa piuttosto "stare in una posizione intermedia" tra l'ottimo e il pessimo, tra il massimo e il minimo, ed esalta il rifiuto di ogni eccesso, invitando a rispettare il "giusto mezzo".

La "mediocritas", pertanto, il tenersi cioè lontano dagli estremi di ogni posizione intellettuale o condizione di vita, è definita dal poeta "aurea", che non è da intendere come aurea, cioè tutta d'oro, ma piuttosto come ottimale, come la migliore che si possa immaginare, così come l'oro è il più apprezzabile dei metalli.

Questa concezione esistenziale si ispira alla filosofia epicurea che invitava l'uomo a godere dei piaceri della vita senza abusarne, come per esempio bere il vino ma senza ubriacarsi, godere del cibo senza essere dediti alla crapula, apprezzare il piacere sessuale senza soggiacere alla libidine.

Anônimo disse...

perverso esse tosi hein lester, bacana a parte que ele diz:

"bere il vino ma senza ubriacarsi"

ainda bem que só bebo caxassa!

Anônimo disse...

Fui ali pegar a minha taça, ao som de "A love supreme".

Anônimo disse...

Aquela taça de vinho, na foto, deu uma sede danada.

Anônimo disse...

A taça tá fora de esquadro. Coisa de enólogo que não é do ramo, da uvas, e sim das bananas.Um verso blank.

Anônimo disse...

Acabo de ler o texto, que me soou como um improviso jazzístico sobre o tema do lançamento de livro regado a vinho. Tipo da literatura que gosto assim, em dose comedida, mas que meu sumido amigo Enyldo Filho defende como o suprassumo da literatura contemporânea, sobretudo se apresentado em formato de romance ou, melhor ainda, de romance cíclico, que os franceses chamam de "roman fleuve". E, espantosamente, o texto gerou comentários em número que só estamos habituados a ver quando o mote contém um juízo de valor.

Anônimo disse...

...em dose comedida... se apresentado em romance... espantosamente... sim... entendi.

CigarraJazz disse...

Concordo com Reinaldo a respeito do número de comentários. De facto, a sua intervenção suscita uma vontade imensa de comentar, pelas sensações que produz. Dá para sentir a atmosfera da livraria, o sabor do vinho do Porto, um fado presente nessas terras distantes. Tudo muito sensorial e poético e sempre o jazz(ou o jass?). Gostei muito, Lester.

John Lester disse...

Obrigado Cigarra Jazz, muito bom receber visitas assim, inteligentes e sutis.

Abraço, JL.

Miguel Marvilla disse...

Como assim, JL, álbum de Coltrane tocando fado não existe? Vc não pode afirmar isso. Só pode dizer que vc não conhece. E se o cara gravou e guardou num cofre na sala do Cacciola em Roma? O que não conhecemos não existe? Sei lá. Cheguei aqui agora, tô quase um mês atrasado... Eu acho que a única coisa que realmente não existe, por ser um oxímoro, é música baiana. Ou é música ou é baiana. As duas coisas juntas... impossível.