27/08/2007

My Romance

Meu amigo Rogério Coimbra, arguto pesquisador da música, instiga-me falando de Bill Evans. Sei que, para ele, e para muitos, o pianista de New Jersey resume o jazz. Confesso que, ao falar sobre Miles Davis – seu quinteto e o making of do disco Kind of Blue – senti-me tentado a escrever sobre o velho Bill. Tudo bem, a tentação foi dirigida também a Coltrane e a Cannonball, mas o papo aqui é outro, embora as conversas se interliguem porque, como o jazz, os artistas que nele atuam acabam complementando um ao outro. Não sei se Evans é o maior dos pianistas no jazz. Rogério acha e talvez esteja certo. Evito, de minha parte, esse tipo de superlatividade porque, a meu ver, ela é sempre arriscada. E também, claro, porque não me sinto capaz de, com a exatidão de um crítico musical – ou de um músico, seja diletante, seja profissional –, tecer comentários precisos sobre escalas, tons, semitons et cetera. Ouço música. Chego à ousadia de escrever sobre o que ouço, mas minhas opiniões revelam, naturalmente, gosto pessoal. Pois bem: voltemos a Bill Evans. Ouço, neste momento em que escrevo, o disco The Tokyo Concert, de 1973, com Marty Morell na bateria e Eddie Gómez no contrabaixo. Sem trocadilhos, é um show. Qualquer comentário acerca dos temas executados soará, no mínimo, repetitivo. Imagino que muito já se tenha escrito sobre Bill Evans e sobre essa específica obra, mas fica difícil não comentar, pelo menos, uma faixa: a quarta, My Romance, na qual Gómez, com o arco, parece ter uma conversa reservada com Deus. Enquanto fala – e o Supremo ouve, quieto – Morell mostra por que os anjos devem trocar as milenares cornetas por baquetas, tom-tons e pratos. É, em minha opinião, o grande momento do disco. E Bill, nesta faixa, dá uma lição de economia musical, ao mesmo tempo em que expressa virtuosismo do início ao fim, no diálogo com os dois sidemen. Um diálogo que ele abre e fecha, mas sem a arrogância de ter a “última palavra”: Bill Evans sabe ouvir e sabe falar: a opinião alheia merece respeito. Posso imaginar com que felicidade os músicos o acompanhavam, sabendo que tinham liberdade para improvisar – que é, de fato, a alma do jazz. My Romance é uma composição de Richard Rodgers e Lorenz Hart, famosos por terem composto clássicos como My Funny Valentine e The Lady is a Tramp e por serem os compositores preferidos de cantoras de cabaré. Talvez Rogério tenha razão quanto a Bill Evans ser o maior. Quando, porém, penso nisso, sou assombrado pela sonoridade de Earl Hines e pelo lirismo de Phineas Newborn. Em tempo: para os fãs de bateria, duvido que sejam capazes de ouvir, sem reverência, o solo de Marty Morell em Gloria’s Step.


O disco: The Tokyo Concert (Fantasy OJCCD-345-2)

O trio: Bill Evans, piano; Eddie Gómez, baixo; Marty Morell, bateria.

As faixas: Mornin’ Glory; Up with The Lark; Yesterday I heard the Rain; My Romance; When The Autumn Comes; T.T.T.T (Twelve Tone Tune Two); Hullo Bolinas; Gloria’s Step; On Green Dolphin Street


Clique aqui para ver e ouvir My Romance.

11 comentários:

Anônimo disse...

Sem dúvida Lester, esse é um ótimo disco de Bill Evans que também era um ótimo pianista, mas em suas apresentações em trio, costumava dar muito essspppaaaaçççççooo para os contrabaixistas, tornando às músicas muito enfadonhas. Tirando este aspecto, tudo bem. Todavia, "My Romance" com arranjo para trio, na execução do pianista Hampton Hawes (disco "The Seance"), na minha opinião, é imbatível. Sem tirar a razão de Regério e sem menosprezar o seu comentário sobre "Bilevans".

John Lester disse...

Prezado Jonnie, muito bom encontrar você por aqui. Só gostaria de anotar que a resenha, muito bem escrita por sinal, não é de minha autoria. É uma contribuição de nosso amigo Francisco Grijó, conforme consta nos créditos.

Grande abraço, JL.

Anônimo disse...

gosto muito dele(do evans) mas acho que falta "hot" em sua música.

vinicius

Anônimo disse...

estou palpitando em tudo pq estou em férias: prometo sumir um pouco assim que voltar a vida útil!

vinicius

John Lester disse...

Prezado Vinicius, sua presença é sempre agradável. Além disso, lembre que Erasmo, em seu Antibarbaroi, já dizia: "vive como se fosses morrer amanhã; e trabalha como se fosses viver eternamente."

Grande abraço, JL.

Anônimo disse...

acho q o erasmo era bem mais fan do batente que eu.

vinicius

Anônimo disse...

O lester parece que vai ser contratado como frasista oficial do Lula.

Anônimo disse...

Sobre Bill Evans dar muito espaço a seus baixistas, isso foi provocado por Scott LaFaro, um dos mais inovadores e criativos da história do jazz, apesar de ter morrido aos 25 anos. LaFaro fez do contrabaixo um instrumento legitimamente de solo e deixou, como estilo, vários seguidores, como Eddie Gomez, Gary Peacock, Dave Holland e Brian Bromberg, entre outros. O antológico álbum de Evans (Sunday At Village Vanguard) traz LaFaro não apenas como coadjuvante, mas como co-líder. LaFaro morreu 11 dias após essa gravação, ao voltar de madrugada para Nova Iorque, onde teria uma gravação na manhã seguinte. Seu carro chocou-se com uma árvore, pegando fogo a seguir.
Ainda sobre Evans, o seu envolvimento com drogas fez a sua música cair de qualidade nos últimos anos de sua vida - ele morreu aos 51. Esse álbum, comparado às gravações no Vanguard fica furos atrás.

Anônimo disse...

Antes de mais nada excelente resenha, conheço esse disco há mais de 20 anos,ótimo, por sinal e vou desengavetar meu cd pra ouví-lo em breve, diante da sensibilidade e paixão q o texto inspirou-me.Para se escrever sobre música , como nesse texto , não e preciso nem ser um acadêmicista ou um teórico renomado, mas sim, como o autor,um perceptível apaixonado pela existência da música entre nós.Os trios de Evans se caracterizavam pela liberdade concedida que cada músico utlizava e nada mais restritivo do que aprisionar-se a um modelo fechado e monocórdico.Essa sensação de liberdade,indissociada a disciplina ,harmoniza a música e permite que ela percorra os estágios mais sublimes do prazer pessoal.Bill Evans não foi , na minha opinião , o maior pianista de jazz.Mas um dos mais talentosos pianistas que conseguiram desenvolver seu próprio estilo pessoal.Afirmar que na discografia , ate certo ponto irregular, de Bill Evans não existem trabalhos que se igualem as gravaçoes do Village Vanguard utiliza a natureza restritiva e fechada reclamada numa das citações .De primeira linha tb são How My Heart Sings(62)Undercurrent(com Jim Hall 62)At Town Hall(66),At Montreux Festival
(68)California, Here I Come (69)
Tonny Bennet/Bill Evans Album(75)You Must Believe in Spring(77)Paris Concert Edition One and Two(79), que subitamente recordo.Edú

Anônimo disse...

É tanto material colocado diariamente no jazzseen que estou trocando Grijó por Lester. Valeu o "puxão de orelhas" Lester, e minhas desculpas ao Grijó, o verdadeiro autor da resenha do "Bilevans".

John Lester disse...

Calma Jonnie. Basta ler a primeira e a última linha de cada resenha que você se mantém atualizado. Além do autor, é claro.

Grande abraço, JL.