30/08/2007

Cabrera Infante, Charutos, Cinema

Nesses tempos antitabaco, apreciar o fumo equivale a ter contatos íntimos com o demônio, porque fumantes, hoje, são vistos como energúmenos que precisam da urgente ajuda de um exorcista. Desses de algumas igrejas pentecostais, que povoam as madrugadas na tevê. O consumo de cigarros virou a grande praga do século, equivalente à Peste Negra, que matou os europeus há 600 anos. O consumidor de charutos, em contrapartida, parece obter certa indulgência social. O motivo é, naturalmente, econômico – charutos bons custam caro –, mas deve-se observar também o fato de que se leva muito tempo para consumir uma unidade. Charutos comburem menos que cigarros, qualquer um sabe disso e, para o fumante ansioso, um charuto é algo contraproducente. Sem contar que sua fumaça não foi feita para ser tragada, e isso gera rebeldia pulmonar. Mas iniciei esse papo sobre tabaco porque li na Folha de S. Paulo, há alguns dias, uma pequena matéria sobre um escritor a quem admiro, assim como admiro o que ele escreveu: o romancista e cronista cubano Guillermo Cabrera Infante. É bom que se saiba que Cuba não tem apenas fumo, açúcar, tabaco e boxeadores. Tem também boa literatura. Cabrera Infante era um apaixonado por cinema, sendo ele o responsável pela organização da Cinemateca de Cuba, em 1951, oito anos antes da revolução que levou Castro ao poder. Algum tempo depois, rompeu com o governo e exilou-se na Europa, onde ficou até morrer, em 2005. Mas o que Cabrera Infante tem a ver com tabaco? Simples: além de ser um grande apreciador de charutos, escreveu Fumaça Pura (Holy Smoke, originalmente), um livro tão saboroso quanto os cohibas que consumia diariamente. É uma obra de 1985, mas só chegou por aqui vinte anos depois. Li-o de uma tacada, na época. Para quem já leu Três Tristes Tigres ou Havana para um Infante Defunto, vai se surpreender porque a marca registrada de GCI – os jogos lingüísticos, os trocadilhos – aparece menos.

Ele dá mais importância à opinião, além de fazer uma espécie de compêndio do fumo e dos fumantes através dos tempos, além de, claro, não se distanciar do cinema – que foi, em última análise, um grande difusor do fumacê. Ao final da edição, há um “índice de filmes citados” – o que dá uma amostra do que Cabrera Infante viu nas salas escuras. Um livro notável para quem gosta de ler, para quem gosta de cinema e para quem gosta de fumar. Na capa, Groucho Marx olha para cima – possivelmente para as elipses feitas pela fumaça que se esvai. Eis aí duas passagens escolhidas, apenas como trailler:

“Claro, um charuto não é um clube. Charuto, aliás, não é nem brinquedo, nem trabalho: charuto é coisa séria. Um bom fumante, como um bom amante, sempre completa o tempo com seu charuto. Por isso fuma em interiores: não fume o seu charuto no ar morno da noite estival. Nem mesmo para dar uma volta ou para levar o cão até o poste mais próximo. Os charutos são como os gatos: do lado de dentro da porta, em uma cômoda poltrona, no inverno e diante de um fogo acolhedor, no verão perto de uma janela aberta. Mas é bom que você se afaste tanto da calefação quanto do ar-condicionado – e, claro, que esqueça o televisor. O charuto cria suas próprias imagens, e as fotos de um filme ou de um show podem interferir em sua difusão”

“O tabaco sempre deve ser fumado em função do ócio do fumante e não ao ritmo da atividade ou da conversação. Foi somente a partir da introdução do cigarro na Europa que os homens (e as mulheres) puderam trabalhar e fumar o mesmo tempo. Tanto os charutos quanto os cachimbos devem ser desfrutados em paz e tranqüilidade. Já para mascar o tabaco é indispensável uma escarradeira. O resto é rapé.”

Livros de Cabrera Infante no Brasil:

Três Tristes Tigres, ed. Global

Vista do Amanhecer no Trópico, ed. Cia. Das Letras

Mea Cuba, ed. Cia das Letras

Havana para um Infante Defunto, ed. Cia. Das Letras

Fumaça Pura, ed. Cia. Das Letras

Delito por dançar o chá-chá-chá, ed. Ediouro

10 comentários:

Anônimo disse...

cof cof

Anônimo disse...

Excelente esse novo redator do Jazzseen. Beleza de resenha.

Anônimo disse...

Quando as vacas ainda não tinham sido abduzidas pelos congressistas, costumava eu ficar à rede, fumando um bom charuto cubano, bebendo um vinhozinho de combate e ouvindo um bom disco. Bons tempos, aqueles. Agora, meu velho, só resta a caxassa com etanol e o cigarrim de paia - e, pior, não tem escarradeira por perto.

Anônimo disse...

Etanol é bom, salsa. Tem coisa pior por aí.

Anônimo disse...

Quem é o Grijó? Kd Mr. Salsa???

John Lester disse...

Prezado Abílio, Mr. Grijó é nosso gentil colaborador, conforme consta na coluna da direita (visite o blog do amigo).

Obrigado por mais uma excelente resenha Mr. Grijó.

JL.

Anônimo disse...

A própria imagem do Groucho Marx na capa inspira aquela celebre frase de sua autoria e q transfiro a associação de charuteiros :"não respeito nenhum clube ou associação que tenha me aceitado como sócio".Edú

Anônimo disse...

Dizem que esse é o lema do Clube das Terças, o mais extraordinário clube de jazz de Vitória-ES.

Anônimo disse...

Na verdade, Edú, o lema é assim: eu não entraria para nenhum clube que me aceitasse como sócio.

Anônimo disse...

viva o fumace...

vinicius