Sempre fui adversário da idéia bairrista - e a meu ver equivocada - de denominar a arte produzida no ES de "arte capixaba". Com raras exceções, não consigo vislumbrar o capixabismo em nenhuma manifestação literária, cinematográfica, musical, teatral e assim por diante, mesmo quando tais manifestações dirijam-se ao ambiente cultural do estado. Mas a discussão se confirma aí: torna-se um filme carioca uma película produzida no RJ que tem como cenário a cidade maravilhosa? Existe um "cinema carioca"? Um "teatro paulista", uma "literatura mineira"? A discussão é longa e para muitos desnecessária - e se estende, no caso deste post, especificamente à música, e mais especificamente ainda ao jazz, quando se leva em conta o trabalho do Afonso Abreu Trio, formado pelo próprio ao contrabaixo, Pedro Alcântara ao piano e Marco Antônio Grijó à bateria - mais o percussionista Melão. Eis o trio, durante o festival em Punta Del Este, no Uruguai (foto acima, da esquerda para direita: Afonso, Grijó e Pedro).
A competentísima rapaziada do Jazzseen - no caso o saxman e resenhista Luiz Romero de Oliveira Salsa - comentou sobre o disco há mais de um ano. Rogério Coimbra, outra fera dos sons e das palavras, fez o mesmo, à época. Qualquer coisa que eu, serôdio contumaz, disser eles já terão dito (e melhor) - daí eu enveredar por outra via, que se sustenta na questão inicial: há ou não um jazz capixaba? Que tempero mui especial da terra proporciona um gosto inequívoco de iguaria nunca vista em outras terras? O tema Donna Lee, de Charlie Parker, por exemplo, é conduzido pelo trio de forma espírito-santense na qual se podem identificar traços específicos da música capixaba? Dia desses, navegando pelos canais de tevê, naufraguei na TV Assembléia, e que boa surpresa deparar-me com imagens de uma sessão rítmica composta por Mário Ruy (bateria), Carlos Augusto (piano) e um contrabaixista cujo nome esqueci! Levaram adiante - e bem - In a Sentimental Mood, de Ellington. No intervalo, a tela encheu-se com a expressão Jazz Capixaba. Fiquei imaginando The Duke andando pelas ruas de Vitória, nos anos 30, tentando embutir na sua extraordinária música elementos bem particulares da essência da ilha. Talvez essa denominação nada tenha de subversiva ou perversa. É possível que seja apenas implicância minha, já que ouço, quase sempre, que faço literatura capixaba, como se o que eu escrevesse só pudesse ser identificado e compreendido por habitantes desse estado - algo que atesta meu provincianismo. Ou seria tudo isso uma tentativa (também provinciana) de autoblindagem de modo a tentar valorizar um produto local? Antes tarde que jamais: o disco Lapataia, do Afonso Abreu Trio, gravado em 2005, é para ser ouvido com um sorriso no rosto. Do jazz ao choro, com um trio (mais o percussionista) que entende a linguagem da música - e ela não é falada somente aqui.
11 comentários:
É uma discussão boa, mas que as pessoas relutam em encarar porque vai acabar expondo o provincianismo, como disse o autor do post, do público.
Nada mais caipira do que essas denominações "música mineira" e "rock baiano" etc.
Música é música e pronto! Claro que éxistem as características regionais e folclóricas, mas para o jazz?
Dá uma boa discussão.
Fernando K.
Eu já havia dado minha opinião no blog do Grijó, e a reproduzo aqui:
"É o bairrismo provinciano funcionando como blindagem. A nossa peculiaridade é que ninguém mergulha completamente nas águas do jazz. Possivelmente morreriam de fome. Engatinhamos, pois. Temos ums série de bons músicos, mas jazzista com todas as letras eu desconheço".
"Peculiaridades musicais, sim, existem. Mas o nosso jazz, reafirmo, ainda engatinha. Acho até produtivo que a rapaziada não pense muito a respeito (pelo menos nos divertimos brincando com os instrumentos). Um problema, levantado por um colega, é o fato de a grande maioria dos músicos vitorianos não ouvirem jazz. Ele me disse isso, estupefato, por ter constatado".
Eu, cá com meus botões, tento me divertir, mesmo sabendo das minhas limitações técnicas. Ainda acho melhor tocar alguma coisa do que nada tocar.
Expor as feridas é o primeiro passo para o tratamento. Grande resenha Grijó.
A gente pode comprar esse álbum grijo?
Bia, acredito que nas lojas Laser ainda haja exemplares. Eu, na verdade, ganhei o meu.
Da úlima vez que entrei numa das filiais da Laser eu encontrei. 20 reais, salvo engano.
Disco caro, como uase todos neste Brazil.
Tem download grátis, John Lester?
Valew a postagem Mr. Grijó!!!
Esse resenhista e o Edivan " o zelador de nossos veículos na Procuradoria", são as duas maiores autoridades de jazz que já conheci em minha existência.Haja jabá familiar,e cautela na sáude do rotundo músico.Como minha experiencia de já ter feito uma angioplastia aos 34 anos,e não adepto de sua seletiva dieta, possuo "know how"em fazer essa recomendação.Edú
O Afonso Abreu Trio colabora para que a boa música feita no ES não vire fumaça. É sempre bom lembrarmos disso.
Muito boa lembrança!
Prezado Edú, bom saber que, entre um ex tunc aqui e um ex nunc ali, você lembra de nós. E, pelo visto, retorna mais bombástico do que nunca. Só estranhei a forma pouco judiciosa com que tratou nosso amigo Grijó, um colaborador sincero do Jazzseen e um grande amante do jazz. Como se não bastasse, Grijó é o mais novo sócio do Clube das Terças, o primeiro clube de jazz do ES. Grande abraço, JL.
Grijó, o baterista, domina a cozinha com maestria. Seu carro-chefe, obviamente, são aquelas comidinhas deliciosas que fazem os médicos e o Edu arrepiarem até a sola do pé.
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