Archie Shepp (1937) é um daqueles raros músicos do free jazz que aprendeu a tocar seu instrumento com o passar do tempo. Saxofonista tenor, Shepp também se aventura com o soprano e o alto, além de dedilhar o piano e cantarolar. Iniciou sua carreira na década de 1950, fazendo uma música politizada – ele foi um dos mais engajados músicos de sua geração, rebelando-se contra as opressões sofridas pelo afro-americano nos EUA. Seus trabalhos iniciais resumem-se a grunhidos brutais e aberrações sonoras típicas da ala mais radical e irresponsável do free (basta dizer que nesse período ele trabalhou com Bill Dixon, Don Cherry, Cecil Taylor e John Tchicai). Mas Shepp deu a sorte de conhecer John Coltrane, com quem grava e trabalha em alguns clubes, recebendo do mestre o aval mais importante de sua carreira. Misturando sua atividade de músico com a de dramaturgo – ele se formou em teatro – Shepp também gostava de ler seus textos, bem como os de Malcolm X e James Baldwin, durante suas apresentações, baseado na crença de que sua música é ‘funcional’ e é feita ‘para o povo’. Destacando-se como compositor original, Shepp afasta-se do free mais rudimentar e, na década de 1970, passa a utilizar explicitamente elementos mais tradicionais (embora muito mais sofisticados que qualquer produto free) do swing (algumas de suas passagens rascantes e guturais sugerem forte influência de Coleman Hawkins, enquanto as mais doces lembram muito o sopro aveludado de Ben Webster), do bebop (em alguns álbuns seu fraseado recorda o complexo e entrecortado tenor de Dexter Gordon), do blues e do R&B, reunindo tudo numa das sonoridades mais originais que o jazz já produziu. Mais calmo, reflexivo e calado, Shepp passa a lecionar em universidades e a produzir excelentes álbuns, conciliando seus lampejos de fúria incontrolável com doces passagens açucaradas (Shepp, quem diria, gravou muitos álbuns de baladas). A partir da década de 1980, Shepp se apresenta constantemente na Europa, onde grava a maior parte de seus álbuns e produz alguns de seus melhores trabalhos. Para os amigos navegantes eu recomendaria dois álbuns. O primeiro é True Ballads, gravado em 1996 para a Venus. O incendiário descontrolado dos anos 1950/1960 é substituído pela brasa acolhedora, quase doce, de um tenor que aprendeu que música é apenas arte, essa arte invejada por todas as demais artes. Aqui não há libelos, não há política, não há moral, apenas beleza. Com Shepp estão os irretocáveis John Hicks (p), George Mraz (b) e Idris Muhammad (d). Deglutido sem maiores sofrimentos, pode o ouvinte interessado partir para o excelente Body and Soul, gravado em 1991 para a Enja. Trata-se de um magnífico duo com o contrabaixista Richard Davis, onde Shepp mostra toda sua técnica e sonoridade amadurecida, impregnada de blues. Destaque para as faixas Body and Soul e 'Round Midnight, com 17min de duração cada uma. Lenda viva.
10 comentários:
Perfeito.
Grande músico, agradável resenha.
Gostei!
Baíta dica, so conhecia seus trabalhos com Coltrane.Assistí sua apresentação num Chivas Festival e confesso que prestei mais atenção no lendário pianista de Free Jazz que o acompanhava Onajee Combs.Foi uma apresentação apagada a epóca.Edú
Depois que parou de ler seus textos malucos e de soltar uivos lancinantes no sax, Shepp parou de chamar a atenção.
Textos malucos, uivos lancinantes.
Tradução: Archie Shepp, uma "aberração sonora". Coltrane é que deu azar em conhecer Shepp. Para com isso Lester! Tanto músico de primeira para você elaborar suas resenhas e você me vem com Archie Shepp? Não perca seu tempo, dedicando-se a tanta "cultura inútil" do jazz.
Concordo com o Predador, tem muita gente boa pra vc escrvever Lester!!!
Eu fiquei curioso. Gostaria de ouvir o atual som do cara, mas estou duro (gastei a grana comprando ingressos para Ouro Preto).
Ops! tem um para baixar. Baixei e estou ouvindo. Os ganidos em The thrill is gone até que emprestam um tom curioso à tela. A sonoridade de Shepp é incontivelmente selvagem, e isso provoca um contraste interessante com as baladas interpretadas. Rola um tipo de irônica dramaticidade. Achei divertido e acho que vale a conferida e um lugar na discoteca.
É, mas não dá para ficar muito tempo exposto ao som. Dá canseira no ouvido. Salsa, a sua velha gravação com o Fábio até que ficou boa.
tenho um cd dele com o baixista NHOP, em duo, tocando apenas Charlie Parker chamado "Looking at Bird" - depois de ler este texto peguei para ouvir(não ouvia denovo desde a época que comprei) - recomendo, é ótimo! outrio discão é FOUR FOR TRANE.
vinicius
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