O jazz é tão bom que podemos simplesmente ouvi-lo. Não acrescentamos muito, ou quase nada, estudando a vida e a obra dos músicos que construíram essa belíssima obra de arte, talvez a mais incrível do século XX e, sem dúvida, a mais importante manifestação artística produzida pelos norte-americanos. Ocorre que, em alguns casos patológicos, nos apaixonamos tanto pelo jazz que, mesmo sem querer, começamos a bisbilhotar notícias, folhetos, revistas, capas de lp’s, resenhas, encartes de cd’s e, logo em seguida, nos encontramos debruçados sobre livros, enciclopédias, dicionários e guias especializados. Alguns desajustados chegam a empilhar centenas de livros e milhares de cd’s em suas estantes. Durante nossas leituras, vamos descobrindo formas usuais de abordagem de estilos, escolas, tendências e influências, muitas delas quase que, por unânimes, estabelecendo padrões. Um lugar-comum quanto ao saxofone tenor no jazz é a afirmação de que Coleman Hawkins é seu primeiro ícone, estabelecendo o padrão de execução e sonoridade que seria o norte de um sem fim de discípulos. Pode-se dizer que Hawkins deu consistência e respeitabilidade a esse instrumento, até então pouco reconhecido e pouco utilizado no jazz. Hawkins seria, por assim dizer, o Louis Armstrong do tenor. Não por acaso, trabalharam juntos na década de 1920, na orquestra de Fletcher Henderson. Sua potência máscula e seu fraseado melódico seriam perpetuados por uma inumerável fileira de saxofonistas excepcionais, encontrando em Sonny Rollins o expoente máximo da escola.
São também os livros quem nos contam sobre o delicado e introspectivo Lester Young, um filho de New Orleans e Kansas City, tido por muitos como o criador de uma escola diametralmente oposta à de Hawkins. Sutil e etéreo, poderíamos dizer que Lester foi o Bix Beiderbecke do tenor, onde a forma como se toca uma nota é muito mais importante do que com que altura, velocidade e potência ela é emitida. Abandonando os vibratos e as frases de efeito, mas ainda mantendo-se razoavelmente fiel à estrutura harmônica sobre a qual improvisava, Lester é considerado o segundo grande parâmetro do saxofone tenor, definindo as bases e os fundamentos de um estilo que, mais tarde, seria denominado cool jazz – na costa oeste, essa escola recebe a denominação de west coast jazz. Dos inúmeros discípulos produzidos pelo estilista cool, não há dúvida de que, pelo menos para mim, Stan Getz é o tenorista mais significativo, além do mais privilegiado em termos de técnica, velocidade, inteligência harmônica e beleza melódica. E não digo isso com alegria, porque Wardell Gray possuía todos estes atributos para disputar o lugar de primazia que coube a Getz. Infelizmente, sua vida desregrada e as drogas o levaram muito cedo, aos 34 anos. Getz, ao contrário, viveu bastante, construiu uma carreira de sucesso, gravou abundantemente, namorou muitas meninas levadas, fez experimentos importantes e inovadores (basta citar Jazz Samba, com Charlie Byrd, introduzindo a bossa-nova no cenário musical norte-americano) e soube administrar sua cirrose hepática com homeopáticas doses de bons uísques (Chet Baker levou muitos cascudos de Getz por causa de sua mania de tocar cheio de heroína). É claro que, dentro do contexto do west coast, não podemos esquecer de, pelo menos, mais dois tenores: Zoot Sims e Teddy Edwards, dois importantes músicos do estilo. Quanto ao gigante Dexter Gordon, prefiro seguir a tendência dos estudiosos e ‘enquadrá-lo’ no estilo hard bop. Mas essa já é outra discussão que, certamente, demandaria outra resenha.
O que importa aqui é simplesmente tentar estabelecer alguns conceitos básicos sobre estilos e sobre nossos posicionamentos quanto aos ‘melhores’ do jazz ou desse ou daquele instrumento. Repetindo o que disse na resenha anterior sobre Getz, não há dúvida de que ele se encontra entre os cinco ‘estilistas’ do saxofone tenor, ou seja, entre os cinco mestres que possuem sonoridade própria, reconhecível em poucas notas. São cinco homens que ‘falam’ através de seus instrumentos, determinando padrões que servirão de bússula aos futuros navegadores. São eles: Coleman Hawkins, Lester Young, Sonny Rollins, John Coltrane e Stan Getz.
São também os livros quem nos contam sobre o delicado e introspectivo Lester Young, um filho de New Orleans e Kansas City, tido por muitos como o criador de uma escola diametralmente oposta à de Hawkins. Sutil e etéreo, poderíamos dizer que Lester foi o Bix Beiderbecke do tenor, onde a forma como se toca uma nota é muito mais importante do que com que altura, velocidade e potência ela é emitida. Abandonando os vibratos e as frases de efeito, mas ainda mantendo-se razoavelmente fiel à estrutura harmônica sobre a qual improvisava, Lester é considerado o segundo grande parâmetro do saxofone tenor, definindo as bases e os fundamentos de um estilo que, mais tarde, seria denominado cool jazz – na costa oeste, essa escola recebe a denominação de west coast jazz. Dos inúmeros discípulos produzidos pelo estilista cool, não há dúvida de que, pelo menos para mim, Stan Getz é o tenorista mais significativo, além do mais privilegiado em termos de técnica, velocidade, inteligência harmônica e beleza melódica. E não digo isso com alegria, porque Wardell Gray possuía todos estes atributos para disputar o lugar de primazia que coube a Getz. Infelizmente, sua vida desregrada e as drogas o levaram muito cedo, aos 34 anos. Getz, ao contrário, viveu bastante, construiu uma carreira de sucesso, gravou abundantemente, namorou muitas meninas levadas, fez experimentos importantes e inovadores (basta citar Jazz Samba, com Charlie Byrd, introduzindo a bossa-nova no cenário musical norte-americano) e soube administrar sua cirrose hepática com homeopáticas doses de bons uísques (Chet Baker levou muitos cascudos de Getz por causa de sua mania de tocar cheio de heroína). É claro que, dentro do contexto do west coast, não podemos esquecer de, pelo menos, mais dois tenores: Zoot Sims e Teddy Edwards, dois importantes músicos do estilo. Quanto ao gigante Dexter Gordon, prefiro seguir a tendência dos estudiosos e ‘enquadrá-lo’ no estilo hard bop. Mas essa já é outra discussão que, certamente, demandaria outra resenha.
O que importa aqui é simplesmente tentar estabelecer alguns conceitos básicos sobre estilos e sobre nossos posicionamentos quanto aos ‘melhores’ do jazz ou desse ou daquele instrumento. Repetindo o que disse na resenha anterior sobre Getz, não há dúvida de que ele se encontra entre os cinco ‘estilistas’ do saxofone tenor, ou seja, entre os cinco mestres que possuem sonoridade própria, reconhecível em poucas notas. São cinco homens que ‘falam’ através de seus instrumentos, determinando padrões que servirão de bússula aos futuros navegadores. São eles: Coleman Hawkins, Lester Young, Sonny Rollins, John Coltrane e Stan Getz.
Por fim, cumprindo a promessa feita ao amigo Vinicius, segue uma recomendação para aqueles que quiserem apreciar Getz construindo seu estilo: trata-se do álbum 1946-1949 do selo francês Classics. Aqui você encontra uma excelente coletânea, evitando a ‘gordura’ de alternate takes que os álbuns reeditados trazem (evite, por exemplo, o caríssimo Groovin’ High lançado no Japão ou o The Complete Savoy Sessions, todos repletos de alternates desnecessários para o ouvinte iniciante). A coletânea da Classics faz boa introdução ao trabalho inicial de Getz, fornecendo ao ouvinte uma impressionante prova de perícia técnica – exigida pela assimilação do bebop – além de demonstrações contundentes da influência poderosa de Lester Young sobre o primeiro Getz. As sessões estão repletas de grandes acompanhantes, como Hank Jones (p), Curly Russell (b), Max Roach (d), Al Haig (p), Jimmy Raney (g), Clyde Lombardi (b), Charlie Perry (d), Walter Bishop Jr. (p), Gene Ramey (b), Duke Jordan (p), Mert Oliver (b) e Stan Levey (d). Nosso problema: até onde sei, esse cd está fora de catálogo. Mas há como adiquirir um usado (vide Amazon) ou selecionar as faixas a partir de dois álbuns oferecidos no E-music (Opus de Bop e And The Angels Swings). Ok, o leitor pode reclamar que não há nenhuma faixa de Getz tocando aos 16 anos com Jack Teagarden, nem aos 17 com Stan Kenton, nem aos 18 com Woody Herman. Mas isso, isso é coisa de maluco e terá que ficar para outra resenha. Para os leitores irresignados, fica a faixa Opus de Bop. Boa audição!
Opus De Bop.mp3 |
13 comentários:
Good job Lester!
dei uma olhada aqui: tenho getz com joão gilberto, um com dizzi g. e aquele com jj johnson, ouvi este ultimo - muito bacana, mais ainda não captei a personalidade estilistica unica do cara...
vinicius
Essa gana de entender leva os homens a labirintos sem fim. Ouça, apenas. Ouvido nu. Deixe a enciclopédia para depois. Como um camarada, daqueles de antigamente, já dizia: não procure, é melhor encontrar as surpresas pelo caminho. A impressão, por mais organizada que seja em aristotélicas classificações, nunca darão conta do som de cada um dos jazzistas. A classificação, por mais que possa facilitar a identificação, na cultura, de determinados artistas, não resolve, em absoluto, o mistério que envolve sonoridade e como ela nos afeta. Ao fim, isso tudo me parece uma redução das artes.
Dará... no lugar de darão, plís.
Isso mesmo Lester, jogue seu livros no lixo, eles nao servem pra nada - lendo assim vc nunca vai ser presidente do brasil! srsrs
Dagoberto, não perca seu tempo destilando ironia facistóide. Não se trata de jogar livros fora, mas de ouvir o disco.
Sacanagem... Ninguém reclamou da 'respeitabilidade'. Não se fazem mais leitores de blog como nos velhos bons tempos!
Assino em baixo quanto ao aspecto de ser Getz um melodista. Corretíssimo. Foi um dos que mais criavam frases, sem parar. Um frasista de primeira, assim como Mulligan, sempre um raro prazer ao ouví-los. Uma característica do cool, west coast, com lirismo e elegância, sem ranhuras , música pura a cada compasso.
Valeu a dica Lester. Depois avisa ao Salsa que o Alasca não fica no Pacífico Sul.
Ô, beócio, a viagem é minha, e, assim sendo, sou eu quem decide o trajeto a ser seguido.
Eu,
de malas prontas.
...
comparando a situação aqui vigente com os bons e velhos tempos do West Coast, está parecendo com o dia em que Gerry Mulligan deu umas cabeçadas em Chet Baker (1953) kkkkk
...
Ei, não fazia a menor idéia de que o cara mandava bem assim não, parece até um Harold Land alucinado.
...
péricles, na verdade, o Harold Land é ainda mais "alucinado" !
hehe
.
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