25/10/2007

Uma visita a Boris Vian (1920-1959)

A lista de escritores franceses que valem a pena ser lidos é grande: Stendhal, Maupassant, Proust, Flaubert e Balzac formam o primeiro time de prosadores, seguido de um escrete de poetas como Baudelaire, Verlaine, Rimbaud, Laforgue e Mallarmé. Sim, listei dez e limitei-me a um século, o dezenove, o mais prolífico, aquele que definiu as bases da modernidade e que nos fez compreender a realidade que ora se apresenta. Sem os franceses contando histórias e elaborando versos, o século XX seria árido e sem charme - e a Europa seria insossa como o outono inglês. Citei esses dez senhores para chegar a um outro, que tanto representou a modernidade quanto ousou dela debochar: Boris Vian, o engenheiro anarquista, o músico de sopro saboroso, o prosador inquieto e o cantor nas horas vagas que morreu antes de completar 40 anos a caminho do hospital, logo após ter tido um colapso sentado numa poltrona de cinema, da qual assistia - insatisfeitíssimo, a ponto de exigir que seu nome saísse dos créditos - a uma película baseada em seu livro Irei Cuspir nos Seus Túmulos. Comecei com Vian nos anos 80, numa tradução de A Espuma dos Dias, da Nova Fronteira. Depois não parei mais: a edição portuguesa de As Formigas, pela Assírio & Alvin, uma versão para o inglês - sob pseudônimo de Vernon Sullivan - de Irei Cuspir em Seus Túmulos, pela Tam Tam Books, e A Erva Vermelha - cuja editora esqueci, mas era também lusitana. Durante alguns anos - em vão - busquei suas Chroniques de Jazz (seus escritos sobre música para a Paris Jazz e Le Jazz Hot) e mais alguns de seus livros, alguns deles de poemas, mas, aparentemente, as editoras brasileiras não lhe dão muito crédito. Eu dou. Vian escreveu cinco peças teatrais carregadas de um desbragado desprezo pelos homens que detinham o poder, principalmente os militares. Ironizava-os descaradamente, o que fazia sua artéria anarco-pacifista pulsar de contentamento. Isso lhe trouxe alguns problemas, mas nada muito sério. Foi também tradutor: por sua conta, Raymond Chandler, o autor policial norte-americano, tornou-se popular na França como se tivesse passado a infância estudando no Sacre-Coeur. Boris Vian amava a música - principalmente o jazz, que exercitou com muita competência na orquestra do clarinetista Claude Abadie, a banda preferida dos existencialistas e dos "zazous", os aficcionados do jazz dos anos 40. Amou a música muito mais do que amou a literatura. Não se contradizia na escrita: era capaz de improvisar com as palavras tanto quanto era engenhoso na boquilha da "trompinette", nome carinhoso que ele impôs a seu pocket trumpet. O fraseado podia ser longo e adjetivado, mas sem perder a densidade, o vigor. Dizia, sabiamente: "Só existem duas coisas: o amor com garotas bonitas e a música de New Orleans ou de Duke Ellington. Tudo o mais é feio." No fim de junho, ano corrente, O Outono em Pequim - uma história surrealista passada no deserto da Exopotâmia (sim, esse é o nome do lugar), onde o personagem central se vê envolvido na construção de uma estrada-de-ferro que cortará o deserto. O desenrolar da trama proporciona o aparecimento de personagens absolutamente fora do comum e a linguagem tem lugar à parte - os trocadilhos, as frases laminares, o deboche entranhado nos parágrafos bem talhados. A propósito: não há outono no texto - nem Pequim. Se tivesse de listar os dez escritores franceses da modernidade, Boris Vian encabeçaria a lista. Talvez a seu lado (ou um pouquinho abaixo), Marguerite Duras, Jean Genet, Jean Paul Sartre - a quem Vian satirizou, criando um personagem chamado Jean Soul Partre - e André Maurois. Todos eles necessários - mas Vian é mais.

29 comentários:

Anônimo disse...

grijó,
Tem o "Escritos pornográficos", lançado pela Brasiliense.

Anônimo disse...

Bela resenha, não conhecia este escritor, vou procurar lê-lo. Obrigada pela informação!

Cinéfilo disse...

Na verdade, caro Salsa, Boris Vian não tem um livro com esse título. Como era comum nos anos 80, a Brasiliense compilava alguns textos de autores escolhidos - por ela, naturalmente - e mandava ver num título muitas vezes apelativo.
Fez isso com Drieu La Rochelle, com Verlaine e com alguns outros. Todos franceses. Vá saber por quê.

Anônimo disse...

Do grupo "Les Amis de Boris Vian ", criado por sua 2ª mulher, faziam parte, dentre outros, Maurice Bejart, René Clair, Jean Cocteau, Jean Genet, Jean-Paul Sartre, Max Ernst, Jean Marais,Enri Salvador...

Anônimo disse...

Iria sugerir q se ativesse a postar temas pertinentes exclusivamente a literatura, seara q apresenta melhor domínio, diante das constantes incongruências e desinformações apresentadas quando o assunto abordado é o Jazz, sem juízo de valor.No entanto, a citação em seu interessante blog da obra do diplomata e professor José Guilherme Merquior suscita q apresente meus respeitos e agradecimentos a menção a uma das pessoas( ao lado de Tristão de Athayde e Oto Maria Carpeaux) q mais apresentaram influência, num certo período de minha vida , em minha formação acadêmica e humanista.Com a vantagem de ter, por três momentos únicos e privilegiados, dos meus 36 anos, ter acesso e dialogo com essa saudosa figura do saber.Pensei,numa incauta avaliação,tratar-se de vossa pessoa um recém concursado da Universidade Federal do Espírito Santo,professor de vinte e poucos anos, q inicia sua trajetória profissional.Em vez de adverti-lo, convido-o q, talvez numa atitude absolutamente redundante, aplique-se mais a ouvir e a escrever sobre o jazz.Tenha certeza q não terei nenhuma predisposição em recusar-me a aplaudir uma resenha, comentário ou informação sobre o tema quando achar apropriado, como o fiz, da menção de uma de minhas melhores lembranças pessoais .A propósito, vou deixar de crédito a fácil critica ao Diogo, pessoa de minha estima e de laços afetivos entre famílias.Respeitosamente.Edú

John Lester disse...

Prezado Grijó, obrigado por mais uma excelente resenha. E não ligue para as alfinetadas de nosso causídico amigo Edú: ele é gente boa, embora ninguém entenda bem o que ele escreve. Coisa de bom advogado.

Grande abraço, JL.

Anônimo disse...

Grijó,
O título é muito ruim (escritos pornográficos). Melhor seria destacar o erotismo dos textos de Vian.
Abraços

Anônimo disse...

Lester, a Editora Saraiva anda me cobrando pra escrever um livro pra eles faz dois anos.Vc permite q eu utilize sua opinião pra continuar declinando essa tarefa.Edú

John Lester disse...

Prezado Edú, bom dia!

Com a cultura 'google' em alta, creio que, em breve, poucos leitores de tinta sobre papel restarão sobre o solo terrestre. Por outro lado, eu também não entendo nada do que Paulo Coelho e James Joyce escrevem (já tentei 10 vezes ler a página 1 do Diário de um magro e de Ulisses; claro que desisiti).

Quem sabe mais um livro onde ninguém compreenda nada possa transformar-se num grande sucesso de público ou no maior clássico não lido da literatura universal?

O prefácio é meu, ok?

Grande abraço, JL.

Anônimo disse...

e falando em Paulo Coelho, a única coisa original que ele fez foi a parceria com Raul Seixas ...

e apesar dos meus quarenta e pouquinhos, que saudade do tempo que não tinha internet, google, celular e trocava agulha do toca-discos
estou com o Salsa - cadê os escritos pornográficos ???

abraço

Anônimo disse...

O texto do Edú é realmente confuso, mas a mim parece que êle tem um bom conhecimento do assunto que aborda. Sua dificuldade é tornar o texto mais claro!

Cinéfilo disse...

Opa!
Acabei de chegar, e já encontro uma polêmica acerca de meus posts sobre jazz.
É isso aí, Edu com acento. Continue freqüentando o Ipsis Litteris.

JL, não se preocupe. Não levo Edu com acento a sério.

Unknown disse...

Tive de rir.
Mandou bem Mr. Grijó!

Anônimo disse...

Literatura pornô?
eu quero...

Anônimo disse...

Lester, acho q inda vivi, sou da geração de 72, o final do advento da máquina de escrever.Com as insofismáveis rotações “ no sentido anti-horário das fitas” quando findas.Prezado Amalio, confirmo a afirmação: seu blog é interessante,sempre q tenho um tempo estou apreciando, mesmo com minha aversão a ausência de liberdade de expressão lá existente, suas discussões temáticas e assuntos conceituais. Tenho certeza q um dia não me surpreenderei, não muito tarde, espero, ler, algo de sua lavra, referente a “jazz e bossa nova” q me cause admiração e júbilo.Sou um otimista por natureza.Incapacidade definitivamente não é o seu caso , só uma ausência de “trato e conhecimento ,até mesmo médio, sobre o assunto”.E por esses assuntos indiretos é ótimo despertar, de sua discrição natural, o“diplomata da concórdia” , grande Gustavo ,do CJUB, sempre uma voz esclarecida e serena, q adquiriu meu respeito e consideração, como todas as pessoas q emitiram qualquer tipo de opinião nessa questiúncula ,e em qualquer tipo de assunto relevante ou nem tanto, como esse caso.E quanto a um eventual pré ou pósfácio, caro Lester ,acho q atenderei maior seu interesse pessoal em franquear-lhe ,caso haja necessidade , os mais de 10 000 titúlos de cds , sem nenhum dowload ou cópia amiga, uns 500 dvds e mais 2000 lps , e mais de 1000 cds fechados em sua embalagem original de venda, ainda a espera da primeira audição e os mais de 130 livros de jazz e bossa nova que possuo.Que me permitem afirmar q de jazz meu conhecimento frágil e menor jamais preencherá nem “a segunda linha de meu caderno de caligrafia”.Mas q e oferecida de bom grado.A segunda etapa e persuadi-lo a “abraçar o golfe “ como outra atividade de prazer pessoal,como ,assim, o fiz.Conversaremos entre uma tacada e outra “Ulysses” q consegui ler apenas num repto pessoal.Excelente cobertura do TIM Festival a equipe do Jazzseen. Edú

Anônimo disse...

Realmente o texto do Edú é confuso....ainda mais com essa coleção de cds, dvd, livros, etc, etc e etc...rsrs

Anônimo disse...

Fico com pena do juiz que tiver de ler um texto dele...a não ser que ele dê uns disquinhos para o magistrado. Quem sabe? rsrsrsrs

Anônimo disse...

Nem quero semear discórdia, mas Edú está sendo contraditório. No dia 28 de agosto ele escreveu, sobre uma postagem de Mr. Grijó (sobre Bill Evans):

"Antes de mais nada excelente resenha, conheço esse disco há mais de 20 anos,ótimo, por sinal e vou desengavetar meu cd pra ouví-lo em breve, diante da sensibilidade e paixão q o texto inspirou-me.Para se escrever sobre música , como nesse texto , não e preciso nem ser um acadêmicista ou um teórico renomado, mas sim, como o autor,um perceptível apaixonado pela existência da música entre nós.Os trios de Evans se caracterizavam pela liberdade concedida que cada músico utlizava e nada mais restritivo do que aprisionar-se a um modelo fechado e monocórdico.Essa sensação de liberdade,indissociada a disciplina ,harmoniza a música e permite que ela percorra os estágios mais sublimes do prazer pessoal.Bill Evans não foi , na minha opinião , o maior pianista de jazz.Mas um dos mais talentosos pianistas que conseguiram desenvolver seu próprio estilo pessoal.Afirmar que na discografia , ate certo ponto irregular, de Bill Evans não existem trabalhos que se igualem as gravaçoes do Village Vanguard utiliza a natureza restritiva e fechada reclamada numa das citações .De primeira linha tb são How My Heart Sings(62)Undercurrent(com Jim Hall 62)At Town Hall(66),At Montreux Festival
(68)California, Here I Come (69)
Tonny Bennet/Bill Evans Album(75)You Must Believe in Spring(77)Paris Concert Edition One and Two(79), que subitamente recordo.Edú"

Hum......

John Lester disse...

Enfim nosso amigo Predador retorna ao lar!

E quanto às contradições, o que seria de nós se passássemos pela vida sem elas? Contradição significa alteração, mudança, reflexão, evolução e mesmo decadência. A vida é uma contradição. E o que é mais charmoso que a decadência?

Assim, enquanto no prelo o tomo de Edú, recomendo a História da Feiúra, de Humberto Eco. Livro muito mais interessante que seu livro anterior, A História da Beleza.

JL.

Anônimo disse...

Umberto Eco, se morto estivesse, reviraria no túmulo. Vilipendiando nomes, John Lester?
Data Venia.

John Lester disse...

Prezado Predador, das duas, uma: ou eu não sei escrever ou você não sabe ler. Eu recomendo Humberto Eco. Se recomendo, é porque gosto, concorda? Creio que isso não é vilipendiar.

JL.

Anônimo disse...

Umberto é com "U"
Vilipendias o nome do autor, ó!
Data Venia.

Anônimo disse...

Rs

John Lester disse...

Sem comentários... Só queria saber quantos livros de Umberto Eco nosso amigo Predador já leu. Se quiser, podemos travar debates acerca do excelente Teoria Geral da Semiótica, um dos livros mais interessantes do italiano. Mas pessoalmete, é claro. Nada de papo google rs.

Anônimo disse...

Li O Nome da Rosa e aquele pêndulo lá. Serve?
De Semiótica não entendo nada, posto que tenha lido alguma coisa de Barthes, John Lyons e outros esquisitões.
Mas Umberto é com "U".

Anônimo disse...

Confirmo o q escrevi naquela resenha, ela era excelente.Como diz Saramago “o verdadeiro tolerante e aquele que é consigo próprio”.Lester, sempre um renovado prazer em dialogar idéias com alguém de seu estofo cultural.Edú

Cinéfilo disse...

Fico algumas horas longe do papo e ele pega fogo.
Predador, agradeço seu garimpo memorial quanto às palavras de Edu com acento acerca de meu post sobre Bill.
Mas realmente não levo a sério o que ele diz, seja elogio, seja crítica.

JL, caro amigo, haverá debates sobre o italiano comedor de macarrão? Sobre semiótica? Estou dentro.

Abraço, camarada.

John Lester disse...

É como Humberto (rs) sempre diz: uma linguagem que não serve para mentir, não serve para dizer a verdade. Logo, é uma linguagem que não serve para nada. Excelente o Tratado Geral do carcamano, sua tese de doutorado editada pela Indiana University Press e, pelos deuses, publicada aqui pela Perspectiva. Na terça, ok? Grande abraço!

Anônimo disse...

Papo intelectual demais. Sugiro conversar com Edú, que fala umas abobrinhas boas.