14/05/2008

Anita & Ella: Cole Porter

Na lista de grandes compositores norte-americanos - Mercer, Kern, Ellington, Arlen, Rodgers & Hart, Gershwin et alli -, Cole Porter é destaque indiscutível, assim como a sensualidade de sua música, algo jocosa, muitas vezes crítica, impressionantemente criativa, sempre. Imagine se não existissem I Get a Kick Out of You, Love For Sale, Night and Day, What is This Thing Called Love e All of You? Há quem diga que Cole Porter era o compositor favorito das cantoras de jazz, todas ávidas por gravar songbooks que, paradoxalmente, exigiam delas um esforço enormíssimo para obter resultados satisfatórios. Duas delas merecem menção, neste post: Ella Fitzgerald e Anita O'Day, damas imortais do jazz, vozes que enchem qualquer coração de alegria, cada uma a seu modo. Anita não tinha a voz poderosa que Ella empunha às composições. Mrs. Fitzgerald não esbanjava sexualidade ao cantar, como Anita. Ella fazia do vibrato um componente essencial; Anita criava trajetórias para a voz, muitas vezes retas, sem oscilações. Anita era a Jezebel do jazz, cujo passado faria Billie Holiday parecer uma freirinha. Ella, apesar do passado um tanto discutível, era mais profissional e, sabendo-se dependente do próprio talento, andava nos trilhos. Se o velho Porter tivesse de escolher entre as duas, estaria frito, principalmente por saber que, diante do microfone, as duas modulavam a voz de acordo com as próprias histórias. Elas eram o que cantavam. O disco Anita O'Day Swings Cole Porter (1959) é uma maravilha não só pela presença de Anita, mas também por Billy May, orquestrador de primeira, que conduz e sustenta de forma hábil a sinuosidade de composições como You'd Be So Nice to Come Home to e It's De-Lovely. Atenção especial à faixa Easy to Love: Anita parece cantar sobre os ombros de quem escuta, como se estivesse convidando alguém para fazer coisas erradas. O mais interessante é que a gravação dessa faixa assemelha-se, e muito, à forma como Ella Fitzgerald debruçava-se sobre a própria voz. Na faixa seguinte, I Get a Kick Out of You, é possível sentir - e nem precisa de boa vontade para isso - a tal sugestão sexual de que falei. O disco tem um defeito: não traz os créditos dos músicos da Billy Mae Orchestra, mas é recheado de faixas bônus com Anita nos braços de outros (Buddy Bregman, Jimmy Giuffre, Bill Holman, Ralph Burns). Ella Fitzgerald Sings the Cole Porter Song Book (1956) foi um disco pensado e repensado com exaustão, afinal era o primeiro de uma série de songbooks que a cantora faria para o selo Verve. São 35 faixas daquilo que o próprio Cole Porter considerava suas masterpieces. Das já citadas neste post, acrescente Ace in The Hole, Let's Do It (Let's Fall in Love), I Concentrate on You, Why Can't You Behave, Beguin The Beguine, Too Darn Hot e Do I Love You? e Don't Fence Me In. Quer mais? Pois há. A dicção de Ella Fitzgerald é algo de impressionar: as sílabas se encaixam com naturalidade, reproduzindo frases cuja exatidão são exemplos de um talento insuperável. Ella nasceu música, como disse certa vez Duke Ellington. Sua versatilidade não tem rivais no jazz - da balada ao andamento bebop, era a melhor. Mas eu já disse isso em outra oportunidade. O disco é conduzido por Buddy Bregman e muita gente boa a acompanha: Pete Candoli, Harry Edison, Barney Kessel, Bud Shank, Maynard Ferguson e muitos outros. Todos pasmos, como eu.

Clique aqui para ouvir What is This Thing Called Love?, com Ella.

10 comentários:

Anônimo disse...

Até que enfim o sr. Grijó deu uma "bola dentro", aliás duas, e não fez igual ao Ronaldo (dito fenômeno) que levou duas ou mais pelas costas. Dois exelentes discos, isentos de quaisquer críticas ou contentações. Só as presenças de Anita, orq.Billy May, Ella, Buddy Bregman e "comparsas", além das belas composições de Cole Porter, valem qualquer sacrifício para se ter estas preciosidades. Valeu sr.Grijó!

Cinéfilo disse...

Obrigado mais uma vez pela oportunidade, JL, de figurar entre os resenhistas dessa maravilha de blog.

Abraço.

John Lester disse...

Mr. Grijó,

Somos nós que agradecemos sua generosa contribuição ao Jazzseen.

Grande abraço, JL.

MARVELous disse...

Sensível, bem escrita e com certa ironia presente nos bons textos.
Parabéns ao cronista Grijó.

Anônimo disse...

No meu texto acima onde se lê contentações, leia-se contestações. Escusas, falha minha.

Anônimo disse...

Escreve bem o cara...parabéns!

lembro-vos que hoje faz 10 anos que Mr. Sinatra morreu. Ele, que admirava tanto Cole Porter.

Mr. Grijó, que tal uma resenha sobre Sinatra?

[abs]

Fernando K.

Anônimo disse...

Eu muito aprecio essas resenhasbem humoradas...

Teviso

Unknown disse...

Anita O'Day era drogada? Li numa entrevista que ela havia se esquecido que tinha vindo ao Brasil. Não conheço esse disco mas a dica é ótima.
Comprei um dvd da ella Fitzgerald em Roma. Lindo.

Anônimo disse...

Anita O Day esteve na penúltima semana de agosto de 84 se apresentando no “jazzclub”, 150, localizado – na época – dentro do hotel Macksoud Plaza.Dessas apresentações , retiradas das noites de 21 e 22 se registrou um disco, encontrável sem muita dificuldades nos sebos paulistanos.Anita não vivia mais seus melhores dias, mas vez por outra em determinado momento do show ainda demonstrava a velha “chama”, segundo os presentes.Para se ler o melhor perfil da vida de Anita , sem retoques, recomendo o capitulo dedicado a ela no livro “Lembranças do Séc.XX “ de Ruy Castro ,editado pela Companhia das Letras.Edú

Neto Gumm disse...

Anita O'Day foi a maior cantora de Jazz de todos os tempos. Anita foi aquilo que se pode chamar de JAZZ (com letras maiusculas), ela transpirava jazz, sua voz era perfeita para ele, ou teria o jazz ficado esperando até alguem como Anita O'Day tomar conta completamente dele ?

Gosto muito de Ella também, mas não existe nenhum ponto de comparação entre as duas.