Livro: Dicionário de Eça de Queiroz - A. Campos Matos - Lisboa: Caminho, 1988 - Perdi ao menos duas belas namoradas por culpa de meu amor incondicional à música e à literatura. Uma delas, Janaína, morena jambo com olhos tais imensas jabuticabas, foi quando ouvíamos as bachianas de Villa-Lobos e ela, como que querendo iniciar algum assunto para reduzir o silêncio da música, disse que sempre adorou o velho Heitor, sobretudo sua belíssima O Guarani que, orgulhosa, assistira no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Depois foram muitas as lágrimas derramadas com a perda de Lícia, uma rosácea descendente de poloneses cuja pele parecia derreter com o olhar. Em visita à Biblioteca Nacional, com suas gigantescas estantes carregadas de ácaros e cultura, Lícia não conteve sua emoção diante dos raios de sol que emaranhavam-se pelas janelas do velho edifício, iluminando os centenários tomos ali dispostos, e confessou que um dos melhores livros que já lera fora O Quinze, da magnífica cearense Eça de Queiroz. Pensei em conversar com ela sobre Portugal e Rachel, velha amiga, mas preferi terminar meu churros a revirar lembranças que poderiam nos remeter ao Auto da Barca do Inferno, de Gilberto Gil, virtuose do berimbau de duas cordas que abandonara a música clássica baiana para dedicar-se ao cordel. Que meus amigos Pedro Nunes e Francisco Grijó me perdoem, com as bênçãos de Santos Neves, mas desde meus impúberes anos sempre tive uma atração incontrolável por dicionários, em especial os velhos e mofados. Já aos 10 anos furtava páginas deliciosas da Enciclopédia Mirador de meu distraído avô, incapaz de denunciar-me pois era por trás desses aviltados volumes que o bondoso ancião escondia cuidadosamente seu maço secreto de Continental sem filtro. Só nós dois sabíamos do criminoso segredo, e assim deveria continuar sendo. O tempo passou, a estante de meu avô foi minguando, minha avó continuou sentindo cheiro de tabaco nas cortinas e, recentemente, percebi que boa parcela de minha biblioteca é composta por dicionários. Desde um magnífico de filosofia, em quatro volumes, do espanhol Ferrater Mora, até um sobre vampiros, passando por um de escritoras brasileiras (sim, Lícia, elas existem), outro de arquétipos literários russos e outro de yorubá, escrito por Lima Barreto, meu professor de javanês. Pois bem, aqui estamos, eu e minha máquina fotográfica (não encontrei fotos do dicionário na net) diante de um dos livros que mais prazer e orgulho me dão, um dicionário sobre Eça, aquele bacharel em Direito que viajou pelo Egito, morou em Cuba e Inglaterra, escreveu para diversos jornais, inclusive para o carioca Gazeta de Notícias, autor de magnífica obra, uma das mais sólidas, convincentes e agradáveis da língua portuguesa. Quem pode passar pela vida e não ler A Ilustre Casa de Ramires, Os Maias, O Primo Basílio ou A Cidade e as Serras? E para aqueles que já leram tudo do genial cearense, nada como folhear esse fabuloso dicionário com mais de 1.000 páginas, um trabalho de fôlego que nos concede informações e notas que só fazem confirmar o valor da obra e nos emocionar com belos parênteses sobre a vida desse singular sertanejo.
12 comentários:
Dizem por aí que as esposas são as inimigas nº 1 das bibliotecas dos maridos. Será verdade? Lá em casa não funcionava assim.
Mas, quanto à discoteca, a coisa complicava.
JL, que mês comemorativo , hj ,dias das mães .Amanhã, seu birthday,.Coloco meus votos de prosperidade , longevidade e bastante saúde .Continue nos surpreendendo com seus conhecimentos sobre literatura, vinho e jazz, além de outras coisas boas e indispensáveis que melhoram bastante à vida e dividindo o privilégio de sua companhia.Coloquei a colaboração de maio na cx.Vai com duas fotos ,dessa vez, em separado.Edú
Também adoro ler dicionários!
Rapaz, não brinca com isso! Vai q. alguém , desavisado, acredita em tudo q. vc. escreve, e, sem outro paràmetro, vai sempre acreditar na cearancice do magnífico escritor...
Eu tb. conheci alguém que adorava dicionários, desde pequenininho...O resultado foi muito bom!
Feliz aniversário,Mr.Lester! Muita saúde, que seus desejos se concretizem, muitas felicidades!
Parabéns Lester, muita saúde e muitos anos de Jazzseen!
Parabéns p´ra vc.
Nessa data querida
Muitas felicidades
Muitos anos de vida!!!
Hêêêêêêêê!!!!!
Muitos parabéns, Lester. Que conte muitos e bons anos de vida, sempre com muito Jazz e outras músicas Grandes. Estou a ver que somos do mesmo signo, embora eu de Abril.
Quanto a Eça, essa é boa...Searas, só se forem as de milho, do Norte de Portugal...
Saudações!
P.s. Já agora, não sei se reparou que ganhámos o prémio do melhor vinho tinto "Sirah"(?) em França. Fica a notícia. Eu ainda não provei.
Amamos dicionários, amigo JL, porque nos apraz a metalinguagem, que é, "grosso modo" (como não há itálico, vão as aspas mesmo), uma auto-reflexão. É como se falássemos o tempo todo de nós mesmos, é como se olhássemos para o próprio interior.
Também coleciono dicionários - desde o Bíblico, do Mackenzie, até o de Deuses e Demônios, de Manfred Lurker, passando pela Enciclopédia de Datas e Eventos, pelo dicionário de Metalurgia, pelo dicionário de Surrealismo e de Art Nouveau, e assim por diante.
Convido vc a conhecer minha disneilândia lexicográfica.
A escritora nordestina Eça é prima da escritora jamaicana Ezra Pound?
Grande abraço.
Verei o Salsa hoje, em companhia do Chico Lessa.
Bom programa.
Prezados amigos, obrigado. Assim que puder, pesquisarei sobre o premiado vinho lusitano e sobre a jamaicana Erza, considerada a poetisa mais fascista da História.
Grande abraço, JL.
nosso querido,
PARABENS!
voce é uma das melhores pessoas que tivemos a sorte de conhecer.
continue nos presenteando com a felicidade das suas letras grandes, ou melhor, grandes letras, e do som que dá mais sentido ás nossas vidas...as ideias é oque fica.
abraços carinhosos
nosso querido,
PARABENS!
voce é uma das melhores pessoas que tivemos a sorte de conhecer.
continue nos presenteando com a felicidade das suas letras grandes, ou melhor, grandes letras, e do som que dá mais sentido ás nossas vidas...as ideias é oque fica.
abraços carinhosos
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