16/05/2008

Pula não

Outro dia encontrei John Lester prestes a se atirar do vão central da Terceira Ponte. A princípio pensei que o amigo tivesse sido exonerado da nobre função de Comendador da Barra do Jucu, porção de terra que lhe havia sido confiada pelo governo como reconhecimento ao seu incansável combate à prática do congo no Espírito Santo, sendo que, nessa luta insana, Lester conseguiu que fosse adotado nas escolas públicas o famoso berimbau de duas cordas. Mas que nada. Com seus 70 metros de altura, este é o local preferido pelos suicidas de boa reputação, que se negam terminantemente a utilizar o método heterodoxo proposto por Woddy Allen: fechar o gás e abrir as janelas. A Terceira Ponte liga a cidade de Vitória a Vila Velha e foi a maior obra já realizada no estado de Espírito Santo, e uma das maiores do Brasil, tornando-se um dos cartões-postais da cidade. Seu nome oficial é Ponte Deputado Darcy Castello de Mendonça, mas o povo apelidou-a de Terceira Ponte logo que foi anunciado o projeto de sua construção, devido às duas outras pontes que já existiam anteriormente ligando Vitória a Vila Velha: Ponte Florentino Avidos (Cinco Pontes) e Segunda Ponte (Ponte do Príncipe). A primeira ponte (Florentino Avidos), inaugurada em 1928, ligou o coração de Vitória com os arrabaldes de Vila Velha. A segunda, aberta em 1979, trouxe o tráfego continental para o miolo da capital, Vitória. A Terceira Ponte foi construída para desafogar essas duas primeiras e, sobremodo, para a alegria dos suicidas mais determinados. Possui pouco mais de 3km de extensão, vão principal com 70m de altura e 200m de um pilar ao outro, permitindo assim o acesso de navios de grande porte à baía de Vitória. O corpo que se lança pela última vez dos 70m bate na água como se em concreto fosse, obtendo sucesso em 100% dos lançamentos. É a principal ligação de Vitória com Vila Velha e o litoral sul do Espírito Santo. Depois de sua construção, Vila Velha passou por um intenso crescimento na construção civil, dando outra dimensão à sua então condição de cidade-dormitório passando à condição de cidade-dormitório-engarrafada. O primeiro pilar da Terceira Ponte foi concretado em 1978, durante o Governo de Élcio Álvares e foi concluída em 1989, no Governo de Max Mauro. A ponte iniciou operando com 12 mil carros por dia e em 2008 estima-se que circulem mais de 100.000 veículos/dia por sua sacolejante estrutura.

Agarrado por dois argutos bombeiros, Lester acedeu entrar em meu carro, concordando que sua lambreta fosse rebocada pelo guincho que atende à Ponte. Já sentados em um dos quiosques mais imundos da orla de Itaparica, pude ouvir a confissão de Lester: resolvi me matar por não mais conseguir comprar bons álbuns de jazz por preços justos, desabafou o desiludido clarinetista, complementando: eu preciso dos encartes, entende? Eu preciso da caixa, da capa, preciso ver o rótulo do cd, preciso esmiuçar as liner notes, não posso mais suportar os downloads gratuitos, com aquelas faixas frias, virtuais, impalpáveis em formato mp3! Verificando que o caso era grave, resolvi revelar um segredo até então mantido apenas comigo mesmo: os inconcebíveis preços de cd’s oferecidos pela Amazon através de seus ‘vendedores associados’. Esses selllers oferecem excelentes álbuns que vão de inacreditáveis US$0.01 (sim, cerca de R$0,17) até algo em torno de US$2.00 ou US$4.00, com diversas outras opções. Prelecionei então ao ex-suicida: entre no site da Amazon. No campo ‘search’ escolha a opção ‘music’. No campo ao lado digite ‘jazz’ e dê ‘enter’. Surgirão milhares de álbuns. Agora, observe no canto superior direito: você verá que há diversas opções para organização dos álbuns. A opção padrão é ‘relevance’. Clique na seta de opções e escolha ‘price: low to righ’. Pronto: surgirão milhares de álbuns, muitos deles de excelente qualidade, a preços inacreditáveis, em especial quando você verifica que são ofertados milhares de álbuns usados, mas também em excelente situação. Lester então retrucou que não confiava nesses ‘sellers’. Foi aí que intervi e assegurei ao velho clarinetista que tenho efetuado diversas compras nessas condições, sendo as entregas prontamente realizadas em tempo recorde (via aérea) e com absoluta seriedade. Álbuns novos são de fato novos, álbuns em bom estado estão de fato em bom estado. Prova disso, foi a recente aquisição do álbum From A to B, do excelente saxofonista John Greiner, um ilustre desconhecido, repleto de talento e competência. Coloquei a faixa ( ) para Lester ouvir e, até onde sei, a perda de seu título de Comendador da Barra do Jucu nunca mais o incomodou. Nem a Terceira Ponte conseguiu seduzí-lo novamente, mesmo considerando que o frete, nesses casos, costuma ser bem maior que o valor do cd, algo en torno de US$5.00. Mas vale a pena, disse Lester sorrindo. Amém!

13 comentários:

Anônimo disse...

Comprei dois, vamos ver se chegam. Valeu a dica Beto.

Anônimo disse...

Toda ponte, viaduto se enquadra naquele caso absurdo de “mal necessário”.São agressões estéticas da engenharia contra a paisagem natural.Comprar cds usados que nos interessam em bom estado é uma ótica dica.Já fiquei tentado em quebrar meu voto de abstinência e tentar capturar algumas tentadoras ofertas.Aos que lograrão bons resultados,favor espalhar a dica.Edú

Anônimo disse...

Beleza, ja estou escolhendo os meus!!!

Salsa disse...

A ponte teve várias fases: do gato (não entrava n'água), do pato (não queria sair d'água) e, em todas as fases, perpassava a constante e atualmente predominate denominação "do pulo" (devido aos inúmeros e eficazes saltos nos braços da dona morte).
Muito bom texto, mr. Scardua. Humor é sinal de saúde (no bom e irônico sentido, não no sentido higienista e moralista que prevalece no senso-comum divigulgado pela mídia). Mesmo para se matar, o riso é necessário.
A trilha sonora é boa.
Valeu!

Anônimo disse...

Valeu a dica, bom saber! Mesmo c/ o frete, o valor ainda é muito bom!

Anônimo disse...

E o melhor é saber que Mr. Lester continuará sua jornada a favor do Jazz ( e do vinho e dos livros finos com letras grandes )!

John Lester disse...

Esse indiscretíssimo amigo, Roberto, que me salvou das garras negras da noite sem fim, não tinha nada que ficar espalhando pela net esse meu momento de dor intensa e desilusão aterradora. E, o que é pior, não passou os dados sobre o excelente álbum do saxofonista John Greiner, From A To B, com John Allmark e Robert Kase(t), Phillip Comeau, Laura Caviani (p), Marshall Wood, David Dunn (b) e Kenny Hadley, Roger Braun (d). O álbum é de 1995 e foi lançado pelo selo Altenburgh Records. Qualquer dívida, basta ir direto na Jazzseen Store.

Grande abraço, JL.

Anônimo disse...

Ontem, por volta de 35 minutos pesquisei às barganhas da Amazon.São mais de 135 mil títulos pra todos os gostos.Abrangi apenas 2.220 deles, um pingo no oceano.Considerei preço final de uns 8 reais.Me interessaria os dois cds do pianista Peter Delano,um do saxofonista Christopher Hollyday( o outro ofertado, tenho), um disco do “crooner” Bob Viscica cantando “standarts” e do baixista Lonnie Plaxico , “Melange”.Das ofertas, as que possuo e posso destacar um John Scofield excelente ,Time on my Hands.Dave Grusin no título Gershwin World.Um dos melhores discos,senão,o melhor, do guitarrista Earl Klugh, Trio Vol 1.Um dos extraordinários discos recentes: o trompetista Clark Terry com orquestra abordando “Porgy and Bess”.Num versão infinitamente superior a cometida por Miles Davis.O encontro dos saxofonistas tenores Dave Murray e Branford Marsalis no disco de selo japonês DIW, Fast Life ,esta na lista.Como não acho o meu, talvez, em breve, recompre esse titulo.Bom domingo a todos.Edú

Danilo Toli disse...

Fantástica essa dica do Roberto. Já comprei, e já recebi, o excelente Kaleidoscope, do saxofonista Paul Heller. Ok, é um post-bop bem moderno, mas muito bem feito. Recomendo aos que pensam que o jazz acabou em 1960. Ah, entre os músicos que acompanham Heller está o formidável trompetista Franco Ambrosetti.

Don Oleari disse...

Um texto como esse aí, do Scardua, eu gostaria de saber escrever um dia...
Texto de catiguria assim, não se consegue parar de ler e confesso: ceguei ao final e o reli todinho.
Muito bom pooder desfrutar de bons momentos assim, qunemqui o jazzseen proporciona. Muito sucesso.
Oleari.

Roberto Scardua disse...

Caro Don, embora extremamente exagerado, agradeço seu elogio acerca de meu humilde contículo.

Saudações!

Anônimo disse...

boa dica sacrdua, valeu

geraldo picanco disse...

Há quanto tempo não passava por aqui.
Dá prazer ler um texto gostoso desses e, ainda por cima, com uma dica dessas.
Meu único medo reside nas taxas alfandegárias (além dos fretes. claro).
60% para importação. Isso até 50 dólares.
Mesmo assim...