15/06/2008

Livro: Dicionário de Eça de Queiroz

Livro: Dicionário de Eça de Queiroz - A. Campos Matos - Lisboa: Caminho, 1988 - Perdi ao menos duas belas namoradas por culpa de meu amor incondicional à música e à literatura. Uma delas, Janaína, morena jambo com olhos enormes cor de jabuticaba, foi quando ouvíamos as bachianas de Villa-Lobos e ela, como que querendo iniciar algum assunto para reduzir o silêncio da música, disse que sempre adorou o velho Heitor, sobretudo sua belíssima O Guarani que, orgulhosa, assistira no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Depois foram muitas as lágrimas derramadas com a perda de Lícia, uma rosácea descendente de poloneses cuja pele parecia derreter apenas com um olhar. Em visita à Biblioteca Nacional, com suas gigantescas estantes carregadas de ácaros e cultura, Lícia não conteve sua emoção diante dos raios de sol que emaranhavam-se pelas janelas do velho edifício, iluminando os centenários tomos ali dispostos, e confessou que um dos melhores livros que já lera fora O Quinze, da magnífica cearense Eça de Queiroz. Pensei em conversar com ela sobre Portugal e Rachel, velha amiga, mas preferi terminar meu churros a revirar lembranças que poderiam nos remeter ao Auto da Barca do Inferno, de Gilberto Gil, virtuose do berimbau de duas cordas que abandonara a música clássica baiana para dedicar-se ao cordel. Que meus amigos Pedro Nunes e Francisco Grijó me perdoem, com as bênçãos de Santos Neves, mas desde meus impúberes anos sempre tive uma atração incontrolável por dicionários. Já aos 10 anos furtava páginas deliciosas da Enciclopédia Mirador de meu distraído avô, incapaz de denunciar-me pois era por trás de seus volumes que o bondoso ancião escondia seu maço de Continental sem filtro. Só nós dois sabíamos do delituoso segredo.

O tempo passou, minha avó continuou sentindo cheiro de tabaco nas cortinas e, recentemente, percebi que boa parcela de minha biblioteca é composta por dicionários. Desde um magnífico de filosofia, em quatro volumes, do espanhol Ferrater Mora, até um sobre vampiros, passando por um de escritoras brasileiras (sim, Lícia, elas existem), outro de arquétipos literários russos e outro de yorubá-javanês, de Lima Barreto. Pois bem, aqui estamos, eu e minha máquina fotográfica (não encontrei fotos na net) diante de um dos livros que mais prazer e orgulho me dão, um dicionário sobre Eça, aquele bacharel em Direito que viajou pelo Egito, morou em Cuba e Inglaterra, escreveu para diversos jornais, inclusive para o carioca Gazeta de Notícias, autor de magnífica obra, uma das mais convincentes da língua portuguesa. Quem pode passar pela vida e não ler A Ilustre Casa de Ramires, Os Maias, O Primo Basílio ou A Cidade e as Serras?

E para aqueles que já leram tudo do genial cearense, nada como esse fabuloso dicionário, um trabalho de fôlego que nos concede informações e notas que só fazem confirmar o valor da obra e emocionar com a vida desse homem singular.