22/01/2009

Carioca

Um dos mais interessantes livros de História que já li é Vida e História, de José Honório Rodrigues. A Editora Perspectiva, como sempre, insiste em omitir a edição – logo, de acordo com as regras válidas, deve tratar-se da primeira. Sei apenas que constitui o volume 197 da Coleção Debates, da fornada de 1986. O livro é interessante por diversos motivos, e o principal deles é que, naquela década árida de 1960, José propõe corajosamente que os historiadores brasileiros, completamente viciados nas publicações francesas e, quando muito, nas portuguesas, voltem seus olhos para as demais publicações estrangeiras, entre elas as espanholas, as alemãs e as norte-americanas que, segundo o autor, possuem alto valor documental e metodológico – ele cita diversas fontes ao longo da obra, entre elas os estudos de Charles R. Boxe, da Universidade de Harvard e Johan Huizinga, um dos maiores historiadores do século XX. Para José, a História não é matéria morta. Muito ao contrário, a História é, sob certo aspecto, “uma disciplina de unidade e de ação, que revela discretamente, mas sem temor, a sobrevivência das forças políticas pré-nacionais e até mesmo antinacionais, e esclarece que quando se obstrui a ação das novas forças sociais, o grau de violência pode vir a ser proporcional ao tempo de retardamento”. Outro motivo que me apraz talvez tenha caráter essencialmente subjetivo, mas não há como negar o prazer em ler o que José escreve sobre os cariocas e nossa cidade natal. É no Capítulo 6 – Características históricas do povo carioca que José tece suas impressões sobre o papel do minhoto (os portugueses brancos, vivos, inquietos, maliciosos e alegres), os negros (principalmente angolanos, repletos também de alegria e, ao contrário de seus irmãos baianos, pouco afeitos às revoltas e à violência), os indígenas (principalmente os sábios tupis), os judeus sefardim (primeiro os perseguidos pela Inquisição, depois os atraídos pelas minas), além dos mulatos e cabras de índole vivaz e sedutora, inventores do samba e da capoeira. Sempre que folheio esse livro tomo a certeza de que Adoniran Barbosa nasceu no Rio e não em Valinhos como afirmam suas biografias. Seja lá como for, fica a faixa Trem das Onze , em homenagem à nossa amiga Sandra Leite, responsável pelo excelente blog Isso É Bossa-Nova. Com o pianista Stefano Bollani estão algumas feras, como Marco Pereira (g) e Zé Nogueira (ss). Carioca não é um grande álbum, daqueles perfeitos e retilíneos, não mesmo. Gravado ao vivo, Bollani parece tentar captar a espontaneidade da alma carioca através da interpretação sincera de vários clássicos da cidade maravilhosa, exceção aberta a Adoniran. Mas quem pode condenar Bollani por querer se sentir carioca?

21 comentários:

Anônimo disse...

Trem das onze e Adoniran Barbosa, para mim, formam uma so entidade...nada nada de carioca, nada a ver, Sao Paulo e o que vem logo a lembrança...Alguma influencia do Stalislaw nesta resenha? Samba do crioulo doido, p.ex....(desculpem a total falta de acentos nas palavras, resolvi fazer minha propria revisao ortografica...eliminei todos os acentos, hifens e o que mais me aprouver!)

Anônimo disse...

Não consigo gostar do Bollani – para meu prejuízo pessoal .E olha que gosto de quiabo e jiló.

Anônimo disse...

Edú, talvez seja em função do acento quinhentista que quase todo pianista italiano possui. É o peso de 2.000 anos de cultura.

Anônimo disse...

Prezado Carioca,
Bollani não tem apenas acento “milanese”.Tive a sorte de vê-lo ao lado de Caetano Veloso e q de baiano ficou.O cara esta em todas .Dos excelentes pianistas italianos minha sensibilidade encontra mais chance em Enrico Pieranuzzi e meu xará genovês Dado Moroni.Na relação deste ano da revista Down Beat(referida como "Down Beach" num outro blog) um dos melhores discos de 2008 foi a reunião de “banjeiros” - Otis Taylor, Recapturing the Banjo (Telarc).Então, existe um continente – ainda - a desvendar.

Salsa disse...

E por falar nisso, eu tenho tentado encontrar um bom vinho italiano acessível ao bolso médio baixo. Procura vã, até agora. Na faixa dos oitenta-cem merréis só pintou decepção (devia ter comprado cinco chilenos de vinte). Parece que o que é bom está escondido em alguma adega milionária na itália suiça.
Pianistas, pelo jeito, tem um monte.

Sandra Leite disse...

Sir John Lester

Sonho ao ouvir boa música, disse isso num dos últimos comentários. E o Jazzseen é responsável por trazer a "novidade da boa" para os meus ouvidos.

Música de qualidade, textos de 1a. Sempre coloco tapete vermelho para Jazzseen. Obrigada pelas palavras ... é só um banquinho e um violão esperando a visita dos Jazzseenistas no calçadão!

bjos

John Lester disse...

Edú sempre dando suas alfinetadas nos meninos cheios de boas intenções e erros de ortografia. Eu, tolerante e otimista como Polyana, tenho relevado muita coisa em nome do jazz, sua divulgação e sobrevivência.

A idéia do post, cri claro, seria trazer à tela o livro e nem tanto o álbum, mero acaso desses com os quais esbarramos.

E se dizem que Miles Davis é o Roberto Carlos do trompete, seria aceitável concordar com mestre Edù e ver Stefano Bollani como o Djavan do piano.

Quem seria o Pixinguinha do piano italiano?

Grande abraço, JL.

Anônimo disse...

Mr.Lester,
agora que percebi.Em sua foto tocando saxofone alto reparei que a mão direita esta acima e a esquerda abaixo,compare com a foto do Salsa.Qual a explicação para essa magica?
Roberto Carlos,capixaba de nascença,tem uma boa voz e sabe cantar.Detesto o repertorio. Então a comparação com Miles seria talvez ,me atrevendo a adivinhar sua opinião,o contrario.Excelente repertorio mas parcos recursos no instrumento?
Abraço

John Lester disse...

Prezado Tandeta, Miles é como Coltrane: ou você adora ou você odeia. E haja tempo para cada qual explicar o seu cada qual.

Claro, sempre há fases: alguns apreciam algumas fases de alguns músicos, outros, outras. Assim é a vida, um girar eterno no mesmo eixo.

Foi o que fiz com minha foto: ao invés de representá-la em épura, tal qual as superfícies de revolução, optei por invertê-la horizontalmente 90 graus no Paint (programinha leve e prático) para, em seguida, inverter as cores (também com o auxílio do Paint). Pronto, lá está a foto que pouquíssimos leitores do Jazzseen já questionaram em virtude do posicionamento das mãos.

Posso assegurar ao amigo conterrâneo que, após dez anos de estudos, já seguro o saxofone corretamente e, em breve, estarei soprando como um Miles Davis do sax alto.

Grande abraço, JL.

Salsa disse...

Posso garantir que Lester tem alcançado mais que mero avanço em seus estudos "saxofonísticos". Seu fraseado tem se libertado das convenções da timidez acadêmica e alçado voos (sem crcunflexo) com o descaramento daqueles que amam a música. Aguardem que o coelho está saindo da toca.

Anônimo disse...

Prezado Tandeta,
RC não passa nem no teste das Duchas Corona gorjeando "Debaixo dos caracóis dos seus cabelos".

Anônimo disse...

Ah, eu gosto...De passar pelo Jazzseen, e ler os comentarios da "garotada"...Claro que gosto, principalmente das resenhas e do som que rola, mas os comentarios sao 10!

Anônimo disse...

Mr.Lester ,
longe de mim questinar suas habilidades pilotando o sax alto.
Perguntei por pura e descarada curiosidade.
Meu "cumpadi" Edú,
RC não pode em hipotese alguma ser assunto de polemica entre nos. Miles talvez,mas ja esta na hora de mudar o disco,concordo com Mr. Lester. Ha sempre muita sabedoria nas opiniões de Mr. Lester. Na verdade Miles seria o unico ponto em que discordo dele.
Abraço

Anônimo disse...

É "questionar" ,claro.
Perdão pela desatenção.

Anônimo disse...

Tenho grande respeito e admiração pelo trompetista Miles Davis.Não admiro de forma alguma, todavia, a forma como ele conduziu sua relação pessoal com suas ex-mulheres que inevitavelmente acabavam nas macas da emergência médica.Entre o homem e o mito, prefira sempre o mito.E o mito, querendo ou não, colocou novas formas em 4 oportunidades no jazz.

Vagner Pitta disse...

hehehe...gosto dos comentários do nosso amigo Edú Pasquale


"Edú sempre dando suas alfinetadas nos meninos cheios de boas intenções e erros de ortografia. Eu, tolerante e otimista como Polyana, tenho relevado muita coisa em nome do jazz, sua divulgação e sobrevivência." (sic)

...pois é, e eu, parafraseando o próprio Edú, digo: Entre um homem sensato que releva e um outro homem que apela para baixarias, prefira sempre o sensato!!!

porque o sensato sempre soma com boas idéias, mas o outro gosta apenas de "ver o circo pegar fogo".


e Miles foi um homem muito sensato, né?...miles, miles...sempre miles...os anos passam e o Kind Of Blue está sempre aí como O ÁLBUM QUE FUNDOU O JAZZ MODAL (ganhando, inclusive, status de inovador com seguidas de reedições, festinhas de aniversários e box luxuosos nas bancas e livrarias do mundo todo), lembrando também que Miles foi um dos criadores do Bebop, do Hard Bop e criou, muito antes de Larry Coryell, aquilo que denominam como Fusion. O miles até tentou criar a fusão de Jazz + Hip Hop antes de morrer...vejam só que "Criador"!!!


Mas, a despeito da mesmice instituída pela "milesmania", eu prefiro ouvir esse Bollani: um italiano "cheio de boas intenções" em relação à música brasileira, mas com interpretações bem aquém do nosso espírito e swing (suingue, pra ficar mais brasileiro).

Mas, fazer o que? Ninguém é perfeito e, como disse John Lester: "quem pode condenar Bollani por querer se sentir carioca?"


Abraços e meus parabéns às resenhas (e aos comentários) que, de vez em quando, aprecio aqui no Jazzseen !!!

Anônimo disse...

Gozado, sempre considerei no meu indigente conhecimento sobre jazz que os três criadores originais do Bebop foram :Charlie Parker,Dizzy Gillespie e Kenny Clarke (q desenvolveu sua evolução rítmica na bateria).Meu indigente conhecimento também sempre considerou q o Espírito Santo pertencente à região Sudeste da Federação , não no Sul como afiançava em sua página outro “blog dejazz”.Esse mesmo indigente conhecimento permitia grafar Dizzy(com y) como correto em vez de Dizzi (com i) .Como registrava em destaque aquele mesmo “blog”.Minha indigente ignorância me recorda q Eumir Deodato é o maior arranjador brasileiro vivo e me permitiu manifestar isso a ele em vida.Quanto ao Aumir Deodato , como registrava aquele sábio blog – dispenso maior proximidade.Meu indigente conhecimento recorre à pagina 191 da biografia de Miles Davis onde ele afirma sobre o hard bop “em discos que fiz como Walkin e Blue N Boogie – que os críticos chamaram de hard bop - eram apenas retorno ao blues e alguma coisa que Bird e Dizzy (com y, por favor, por minha conta) haviam feito.Grande música, bem tocada e tudo mais, mas as idéias e conceitos musicais já haviam sido quase todos executados;só incluía um pouco mais de espaço”.Assim ,num raro exercício de modéstia ,Miles se desconsidera um dos criadores do hard bop pela simples razão “quase tudo” nessa técnica havia sido executada.Então, de criador , se coloca como reles criatura.Minha indigente ignorância do jazz e da vida abomina a idéia q maior inimigo q um homem pode criar em vida é sua freqüência escolar.

John Lester disse...

Pessoal, vocês estão me fazendo recordar de Cuentos Completos Y Uno Más, de Luisa Valenzuela, editora Alfaguara, 1998.

Paz.

John Lester

Anônimo disse...

(ele não entendeu a ironia e sutileza rsrs)...não, edú! Seu conhecimento não é tão indigente. Veja só: se ele fosse tão indigente ele não permitiria que vc corigisse os errinhos dos blogs...o que me diverte, inclusive, é a propriedade com que faz e a graça que vc acha em ficar repetindo isso em "praça pública" (pra que? rsrs). Uma pessoa sensata mandaria um e-mail, abriria um diálogo discreto...seria mais elegante! (e ninguém melhor do que o sensato John Lester pra dar o exemplo: Lester e eu resolvemos um incidente bem mais grave do que errinhos ortográficos alheios, tudo discretamente como quaisquer pessoas sensatas fariam).


Seu conhecimento não é indigente, Edu! Agora, seu caráter...


John Lester, não deixa seu colaborador apelar, viu! Acredito que não é esse tipo de "calor" que o seu blog disperta, mas sim aquele que é sinônimo de amizade. (pelo menos é a impressão que até aqui carrego). Mas alguns preferem picuinhas...

John Lester disse...

Proponho a todos, em nome do jazz, um armistício.

Fraternidade e som na caixa!

JL.

figbatera disse...

É isso; se até Israel e Hamas já decretaram um "cessar-fogo" (até quando?), é melhor as coisas aqui se acalmarem, né?
Viva o jazz!
Cada um com seu gosto, suas opiniões, seu conhecimento (e a turma aqui é "fodona" mesmo) e sempre contribuindo pra melhorar o nosso aprendizado; eu aqui me enriqueço a cada dia com as postagens e os comentários deste indispensável blog.
Abração a todos.