As cadeiras foram colocadas em sentido inverso sobre as mesas. O barman enxuga meticulosamente os copos lavados, reposicionando-os no seu lugar de origem. Os músicos repousam seus instrumentos nos estojos e aguardam o pagamento - retirado do faturamento da noite pelo gerente da casa. Os últimos clientes de um jazzclub em Manhattan prolongam, na medida exata do necessário, o instante de ir embora pra casa consumindo a mistura da água do gelo derretido com o que resta da bebida no copo. Para quem foi "autenticado" como o pianista de todas as horas essa era, para Ellis Larkins, a sua. Ambiente tranqüilo, platéia reduzida, atenta e um pequeno "set" de canções - de no máximo 25 minutos, onde dedilhava seu piano de forma sensível, de intensidade moderada e com profunda elegância. Ellis Larkins "conduzia climas" nas casas onde trabalhou: Michael´s Pub, Gregory´s e o Carnegie Tavern - ao lado do Carnegie Hall. Transformava as demonstrações de solenitude e respeito de seu público numa reduzida amostra do que acontecia no célebre palco vizinho. Filho de uma pianista amadora e de um violinista que sustentava sua família trabalhando como zelador, Ellis Lane Larkis nasceu em 15 de maio de 1923 em Baltimore. Quando tinha seis anos, seus pais o iniciaram nos estudo da música, identificando rapidamente sua prodigiosa capacidade de aprendizado. Com 13 anos fazia recitais tocando Mozart, Chopin e Rachmaninoff. Entra, aos 15 anos, no Peabody Conservatory recebendo, dois anos mais tarde, uma bolsa pra Juilliard School of Music (grandioso feito para um negro pobre) onde estuda por três anos. No trabalho prático de conclusão de curso examina as semelhanças entre as linhas melódicas de Bach e as do boogie-woogie. Após graduar-se, indeciso entre a carreira de concertista clássico e a de músico popular, arranja trabalho no trio do guitarrista Billy Moore. "Era um bom dinheiro para um rapaz de 19 anos e a carreira erudita talvez não me encaixasse"(numa alusão ao racismo).
Observado por John Hammond, descobridor de Count Basie e Billie Holliday, teve providenciada sua sindicalização, gravando com Coleman Hawkins, Edmond Hall (clarineta) e as cantoras Mildred Bailey e Hellen Humes. Nos anos 40, absorve as influências de Earl Hines, Teddy Wilson, Count Basie e Fatts Waller. No início dos 50 desperta atenção pela suavidade na digitação, geralmente em tempo médio e no domínio completo da extensão do piano com absoluta fidelidade à melodia e à dinâmica harmônica. Além disso, conhecia, como poucos, o luxuoso repertório do American Songbook (consagrado almanaque de belas canções). Traquejado nesse domínio, acompanha em duo (voz e piano) Ella Fitzgerald em 1950 nos discos "Ella Sings Gershwin" - que precedeu a entrada da cantora nos célebres trabalhos dedicados aos compositores e, em 54, no "Sings in a Mellow Mood". Larkins registra com isso a reputação, pra maioria dos críticos, de maior acompanhante da história do jazz. Esses dois álbuns, reunidos no cd "Pure Ella" (Decca), estabeleceram padrão até hoje considerado referencial. E a concorrência entre seus pares à época era de: Teddy Wilson, Hank Jones, Eddie Heywood, Oscar Peterson e John Lewis entre outros mestres. De discografia pequena, Larkins recebeu destaque também por suas gravações com o trompetista Ruby Braff, com a mesma estrutura de duo, nos anos de 55, 72 e 94. Dos anos 60 em diante, Larkins concentrou-se ao ensino e à atividade de músico de estúdio e de locais sofisticados. Esteve no Brasil em 1978, tocando no São Paulo Montreux Jazz Festival. Nos final dos anos 80, mudou-se pra Los Angeles, para aproximar-se da comunidade fonográfica. Em 1992, grava pra série de piano solo da Maybeck Recital Hall (Concord) seu último registro importante. Aposenta-se no final da década de 90, vindo a falecer em 03 de outubro de 2002.
Não pretendeu nada mais em vida. Apenas atendia uma obrigação pessoal. Jamais abrir mão da elegância. Para os amigos fica a faixa Rose Room , retirada do álbum A Smoth One, gravado em 1977 para a Black & Blue, com George Duvivier (b) e J. C. Heard (d).
Observado por John Hammond, descobridor de Count Basie e Billie Holliday, teve providenciada sua sindicalização, gravando com Coleman Hawkins, Edmond Hall (clarineta) e as cantoras Mildred Bailey e Hellen Humes. Nos anos 40, absorve as influências de Earl Hines, Teddy Wilson, Count Basie e Fatts Waller. No início dos 50 desperta atenção pela suavidade na digitação, geralmente em tempo médio e no domínio completo da extensão do piano com absoluta fidelidade à melodia e à dinâmica harmônica. Além disso, conhecia, como poucos, o luxuoso repertório do American Songbook (consagrado almanaque de belas canções). Traquejado nesse domínio, acompanha em duo (voz e piano) Ella Fitzgerald em 1950 nos discos "Ella Sings Gershwin" - que precedeu a entrada da cantora nos célebres trabalhos dedicados aos compositores e, em 54, no "Sings in a Mellow Mood". Larkins registra com isso a reputação, pra maioria dos críticos, de maior acompanhante da história do jazz. Esses dois álbuns, reunidos no cd "Pure Ella" (Decca), estabeleceram padrão até hoje considerado referencial. E a concorrência entre seus pares à época era de: Teddy Wilson, Hank Jones, Eddie Heywood, Oscar Peterson e John Lewis entre outros mestres. De discografia pequena, Larkins recebeu destaque também por suas gravações com o trompetista Ruby Braff, com a mesma estrutura de duo, nos anos de 55, 72 e 94. Dos anos 60 em diante, Larkins concentrou-se ao ensino e à atividade de músico de estúdio e de locais sofisticados. Esteve no Brasil em 1978, tocando no São Paulo Montreux Jazz Festival. Nos final dos anos 80, mudou-se pra Los Angeles, para aproximar-se da comunidade fonográfica. Em 1992, grava pra série de piano solo da Maybeck Recital Hall (Concord) seu último registro importante. Aposenta-se no final da década de 90, vindo a falecer em 03 de outubro de 2002.
Não pretendeu nada mais em vida. Apenas atendia uma obrigação pessoal. Jamais abrir mão da elegância. Para os amigos fica a faixa Rose Room , retirada do álbum A Smoth One, gravado em 1977 para a Black & Blue, com George Duvivier (b) e J. C. Heard (d).
20 comentários:
Prezadu Edù, obrigado por mais uma excte resenha. E, quanto à faixa bônus, reveladora de um Larkins líder, tão ou mais genial que o fiel acompanhante. Um dos melhores álbuns em trio que Larkins teve a oportunidade de gravar.
Grande abraço, JL.
Texto sensivel, bonito...Fecho os olhos para melhor absorver a musica, nesta maravilhosa combinaçao:piano, baixo e uma discreta bateria...exatamente como mais gosto! Revejo pequenas casas de jazz em NY ou LA ,parece que foi outro dia ...saudade! Beleza o Ellis Larkins!
Parabens pela resenha, Edu!
O competente editor sempre tira do colete uma "sacada" melhor para dar mais ênfase ao texto.E Larkins merece justo reconhecimento em qualquer época ou hora - seja considerado o maior acompanhante de todos os tempos tanto como líder nesse belo álbum.Dedico essa modesta resenha aos amigos do Jazzseen e meus professores de jazz e da vida, os irmãos Mário e Max Gabbay - q me apresentaram – inclusive, esse referido disco.
Irmãozinho Edú,
tive a oportunidade aos 16 anos de idade de assistir a um concerto com 3 super pianistas aqui no Teatro Municipal:Larkins,Marian Macparland e Teddy Wilson. Eu adorei,nunca fui bobo em musica. E Larkins foi o que mais gostei . Foi uma noite que ficou marcada em minha memoria. Comigo estava um grande amigo,nos conhecemos com 9 anos de idade e que hoje é um dos mais famosos jornalistas esportivos do Brasil.Ele tampouco se esqueceu dessa noite. Seu texto trouxe de volta a lembrança dessa noite de musica feita pelos tres grandes musicos ,Wilson, Macparland e o grande Larkins.
Abraço
Bela contribuição,mano velho.Abraço.
Edu:
...só dei um chego depois de ouvir pela quarta vez a faixa selecionada por você.
Que privilégio...
O piano e a elegância do seu texto.
Abraço do Oleari.
Prezado Don,
o arremate final(escolha da faixa) ficou a cargo de nosso "dj" JL - pois Ellis Larkins tem uma discografia de menos de uma dúzia de trabalhos de sua assinatura.Uma tarefa da magnitude e exigência do Jazzseen é necessário unir forças e compartilhar conhecimentos.Mas Ellis Larkins facilita nossa causa.Abraço
O melhor trio da net: Lester, Edú e Grijó. Quem quiser um quinteto que mande chamar Scardua e Bravante. É isso aí.
Pô, Edú, você ainda não havia destilado seu lirismo aqui no jazzseen. O início do texto foi muito bom. Dizem que é por aí que se pesca o leitor.
O pianista mereceu.
Ótimo texto, que faz jus ao homenageado. Destaco também os CD's gravados com Ruby Braff, Calling Berlin vol. 1, gravado em 1994 e dedicado às canções de Irving Berlin (com a participação especialíssima de Bucky Pizzarelli em algumas faixas), e 2 x 2, de 1956 e dedicado à obra da dupla Rodgers & Hart. Em ambos os discos dá prá perceber a elegância e o refinamento do Ellis Larkins e a integração entre os instrumentistas é sobreba.
Pena que esse grande pianista tenha gravado tão pouco como líder e que seus discos sejam tão difíceis de encontrar.
Abraços
Muito bom esse "A Smooth one" do Larkis, um pianista excepcional mas com poucas gravações disponíveis. O concerto que o sr. Tandeta assistiu no Municipal (se não me falha a memória, aconteceu em 1974) foi realizado também na Argentina, surgindo daí um Cd "Concert in Argentina" com Larkis dando um show de interpretação e sensibilidade em "Blues to my heart", dentre outras músicas. Sensacional!
Perfeito ,Sr. João Luiz., é esse ano mesmo,1974. Esse disco que o Sr. mencionou tem uma edição mais recente ,em CD?
Curiosidade: lembrei que nesse ano tambem estiveram se apresentando no Municipal Charles Mingus e o polemico Miles Davis(num concerto totalmente eletrico),assisti aos dois. E tambem em 1974 Horace Silver na Sala Cecilia Meirelles, com um naipe formado por Tom Harrel ,trumpete e Michael Brecker, sax tenor. Logo ambos viriam a se destacar como grandes musicos .
Abraço
Edu, não li ainda - a informação é pertinente pq só de ver tua assinatura, quer dizer que será o que farei em seguida ao comentário.
Mas antes, me empolguei em, consultando meus arquivos, descobrir q sou um feliz proprietário de um álbum desse senhor simpático: RUBY BRAF & ELLIS LARKINS (2X2- RUBY AND ELLIS PLAY RODGERS AND HART). Porém tenho impressão q conseguir um álbum solo desse moço vai ser bem mais complicado.
Em tempo: no soulseek, baixo um com Ella e há outro, Petit Fleur com Edmond Hall. Recomendas?
delicia...
Prezados amigos,
essa história - editada por motivos de espaço - foi colocada como número 20 das histórias do jazz do grande especialista Luiz Carlos Antunes no Cjub - para leitura integral - http://charutojazz.blogspot.com/search?q=o+acorde+m%C3%A1gico
"Corria o ano de 1974 que nos premiaria em agosto com o chamado “Jazz Piano Solo”. Apenas um concerto no Municipal no dia 10. No programa, Marian McPartland, Ellis Larkins, Teddy Wilson e Earl Hines. Claro que naquela época ainda não havia os “festivais”. Então, o Jazz era apresentado em récita de gala, tendo como palco o Teatro Municipal. Foi lá que assistimos Sarah, Ella, Carmen, Errol Garner, Duke Ellington, M.J.Q., Bill Evans, Charles Tolliver, Horace Silver e muitos outros. E foi realmente uma noite mágica. O espetáculo foi aberto por Marian McPartland interpretando um “Saint Louis Blues” em boogie-woogie (homenagem a Hines ?) surpreendente. Seguiu com “All the Things You Are” explorando todas as possibilidades harmônicas do clássico de Jerome Kern. Executou mais uns dois ou três “standards” e mergulhou num “Gershwin Medley” desenvolvido em vários andamentos (“A Foggy Day”, “I Loves You Porgy” e “Fascinatin’ Rhythm”). E fechou com um clássico do dixieland, o famoso “Royal Garden Blues” talvez relembrando o passado com o marido Jimmy McPartland.Seguiu-se Ellis Larkins, um habilidoso pesquisador de harmonias mas, um amante dos andamentos bem lentos. Sua melhor performance foi em “What’s New ?”. Teddy Wilson, para nós era a grande atração e realmente não decepcionou. Earl “Fatha” Hines daria a palavra final ao grande espetáculo. Começou com “Sweet Lorraine”, um dos clássicos de seu repertório e homenageou a platéia com um “Garota de Ipanema”. “Bluesette”, de Toots Thielemans veio em seguida, para arrematar com o seu cavalo de batalha “Tea for two”. Todo o mundo feliz, sorrindo e comentando o que viram e ouviram. Hines ocupou sózinho um camarim e já sem peruca mandou que entrassem todos. Distribuiu sua foto para os admiradores e, respondendo pergunta de um fã sobre se tocava música clássica respondeu “Nasci com o Jazz, cresci com o Jazz e vou morrer com o Jazz. Só toco Jazz!" Fomos em seguida procurar os outros pianistas. Por sorte, estavam todos num mesmo camarim onde tinha um piano armário. Wilson e Marian sentados lado a lado, procuravam um acorde de passagem para o tema “By the Time I Get to Phoenix”. Várias tentativas foram feitas, sem resultado. De repente, a mão de Ellis Larkins desceu entre os dois e feriu o teclado com incrível precisão. O acorde se encaixou como uma luva, como diriam os antigos. Wilson levantou-se rápido e tirando uma nota de dez cruzeiros do bolso da calça estendeu-a para Larkins. Entre risadas dos presentes este recusou, dizendo: “Passa lá em casa que eu tenho mais para te ensinar.”Que noite!"
Prezado Sérgio, a respeito dos álbuns citados – todos os gravados com Ruby Braff - na forma de duo (piano e trompete) - independente do período - são excelentes na minha modesta opinião.O disco citado com Ella – pode ser o "Pure Ella" - junção dos dois álbuns mencionados na resenha em um cd e q estabeleceram a reputação de Larkins como maior acompanhante no contexto (voz e piano) do jazz.Quanto ao disco com Edmond Hall , infelizmente, desconheço.
Sr.Tandeta: o CD realmente chama-se "Concert in Argentina", de 1974,lançado pela gravadora Jazz Alliance (se não me engano uma subsidiaria da Concord Jazz), mas o ano do laçamento não me recordo, pois meu CD daquele concerto, não sei como, sumiu emprestado. Estou ficando velho!
Estamos,Sr. João Luiz.
Obrigado pela dica .Sei que deve ser dificil arranjar esse disco mas pelo valor ,digamos,sentimental que tem pra mim(recordações da juventude,35 anos atras)creio que valera o esforço.Na internet ha grandes possibilidades de acha-lo.
Abraço
Puxa, tb adorei a resenha e a música! Ouvi várias vezes...
Caramba...a mesma pessoa (do mesmo computador) aparece com nicks diferentes...fakes loucos.
No dia seguinte (11 de agosto de 1974), Marian McPartland, Ellis Larkins, Teddy Wilson e Earl Hines fizeram uma apresentação no Rio de Janeiro Country Club.
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