30/03/2009

Jazzwomen

O mês de março de 2009 foi, em grande parte, dedicado a saber se as mulheres podem lançar o dardo mais longe do que os homens e, também, se sabem tocar jazz. Ouvimos opiniões diversas, em postagens e comentários de amigos, o que nos levou a refletir sobre a condição e o papel da mulher na elaboração desse estilo que se espalhou pelo mundo em tempo recorde: é preciso ter em mente que o jazz é uma música nova - a primeira gravação de jazz foi realizada em 1917, por um grupo de músicos formado exclusivamente de homens. E homens brancos. Assim, se os homens negros, desde o nascimento do jazz, sofreram preconceito e marginalização, as mulheres, e principalmente as mulheres negras, sofreram muito mais. Obviamente que os componentes sociológicos que ditavam as regras de convivência entre brancos e negros nos EUA no início do século XX delimitavam de forma rígida o papel limitado e secundário a ser desempenhado pelo negro naqueles tempos: ele poderia ser músico, mas não poderia ser dono de gravadora. Ele poderia ser porteiro de um edifíco de luxo, desde que não tivesse a petulância de morar ali um dia. Às mulheres negras o papel dado era ainda mais degradante, sendo comum que a busca por sua liberdade e autonomia muitas vezes estivesse associada à prostituição, profissão adotada por uma infinidade de artistas negras em algum período de suas vidas. Não causa espanto, portanto, que o número de mulheres no início do jazz seja diminuto e, muitas vezes, alavancado pelo estímulo e incentivo de seus maridos ou protetores: Lil e Louis Armstrong, Marian e Jimmy McPartland, Lorraine e Herb Geller, etc, etc, etc. Além do componente sociológico, outro ponto suscitado pelos amigos foi o que diz com as características fisiológicas das mulheres, responsáveis, segundo a opinião de alguns, por certas restrições na escolha e no desempenho em certos instrumentos, como o gigantesco contrabaixo acústico ou o severo trompete com seu bocal pouco amistoso. Concordo que uma moça frágil e delicada teria mais dificuldades em manusear as grossas cordas de um contrabaixo do que, digamos, Charles Mingus, com seus 100kg por 190cm. E até certo ponto parece verdade que poucas mulheres possuem o vigor físico necessário para acompanhar ao trompete os solos alucinates de Charlie Parker ou qualquer daqueles outros gênios velozes do bebop. Soaria como uma Maria Rita desafiando o título de peso-pesado de um Mike Tyson. E é nessas horas de dúvida se homens e mulheres podem ou não competir em pé de igualdade uma maratona ou mano a mano um campeonato de levantamento de peso que sempre me recordo das palavras de Marian McPartland quando questionada sobre a capacidade física da mulher para tocar jazz: "Well, when you think of what average women have to do in their lives, like give birth, do laundry, make beds and carry kids around, who should judge them as not strong enough to play a horn?". 

A entrevista integral com Marian faz parte (páginas 231 a 251) do excelente livro Jazzwomen: conversations with twenty-one musicians, Indiana University Press, 2004, de Wayne Enstice e Janis Stockhouse. Pequenas biografias servem de introdução às interessantes conversas com Jane Ira Bloom, JoAnne Brackeen, Clora Bryant, Terri Lyne Carrington, Regina Carter, Marilyn Crispell, Barabara Dennerlein, Dottie Dodgion, Shirley Horn, Ingrid Jansen, Sheila Jordan, Diana Krall, Abbey Lincoln, Marian McPartland, Helen Merrill, Maria Schneider, Shirley Scott, Carol Sloane, Teri Thornton e Cassandra Wilson. Como se não bastasse, um cd com dez faixas acompanha o livro. É também com Marian que ficamos sabendo de uma sessão de gravação que realizou em 1977 para o selo Halcyon. O nome do álbum é Now's The Time e conta somente com mulheres: Marian ao piano, Vi Redd (as), Mary Osborne (g), Lynn Milano (b) e Dottie Dodgion (d). Para os amigos fica a faixa Of Love .

15 comentários:

edú disse...

Luiz Orlando Carneiro deu importante contribuição a mirrada literatura doméstica sobre o jazz abordando esse mesmo tema em seu livro “Elas também tocam jazz”.Mas isso já foi registrado no Jazzseen desde 2006.

thiago disse...

livrinho sinistro

Marília Deleuz disse...

Eu ponho Tyson na lona fácil.

Bruno disse...

A musica é maravilhosa!

Internauta Veia disse...

Aqui do Rio, com saudade do Jazzseen, entro numa "Lan house" (e isso mesmo?)so para dar uma espiadinha ...

Vagner Pitta disse...

Sim, a fisiologia feminina é limitada para certos tipos de instrumentos (como um Tuba ou um Sousafone, por exemplo): isso é fato. E, claro, tá certo que uma mulher tem muito mais dificuldade de tocar um trompete, um trombone ou um contrabaixo do que um homem, mas isso não quer dizer que algumas delas não consigam superar essas dificuldades e/ou até serem tão virtuoses quanto os homens podem ser: a Ingrid Jensen, mesmo, é uma grande trompetista. E, ainda, se uma mulher não pode ser virtuose, isso não quer dizer que ela não venha compensar essa incapacidade em feeling e criatividade...Ora, se o respeitadíssimo e veneradíssimo Miles Davis, um sisudo homem por sinal, não conseguiu ter o mesmo fôlego que Dizzy Gillespie, por que uma mulher tem que ser virtuose pra ser respeitada como uma jazzista autêntica?

...porque convenhamos: é difícil para uma mulher tocar como o fôlego de um Dizzy Gillespie ou de um Wynton Marsalis, mas, tecnicamente e emocionalmente falando, não vejo nenhuma dificuldade de uma mulher conseguir tocar um trompete igual a Miles Davis ou à Chet Baker, pois no caso deles a falta de técnica era, justamente, compensada pelo feeling, pela personalidade e pela criatividade: nada que uma mulher não possa ter de nascença ou adquirir com o aprendizado!

Obrigado, contudo, por enriquecer esse debate!

Abraços ao Lester e companheiros!

figbatera disse...

Concordo com o Pitta; força e técnica nunca foram elementos essenciais na arte.
No caso da música o que vale mesmo é a sensibilidade e a musicalidade.
Viva a jazz!
ps.:Marilia x Tyson? Não tem nem graça...

Andre Tandeta disse...

Mr. Lester,
talvez não seja importante mas o saxofone que ouvimos é tenor e não alto como esta escrito no post(as é alto sax,não?). E um tenor na onda de Coleman Hawkins. Bacana o som.
Abraço

Sandra Leite disse...

Eu sempre concordo com o Pitta:)

John Lester disse...

Prezado Tandeta, parabéns pela observacao. Redd realmente trocou o alto pelo tenor nessa faixa bonus. Obrigado a todos os amigos pela participacao.

Grande abraco, JL.

Andre Tandeta disse...

Mr. Lester,
interessante notar que o sax tenor no estilo de Coleman Hawkins vem frequentemente acompanhado do adjetivo masculo e é uma associação que muitos fazem. Ve-se,ou melhor ouve-se, que uma coisa nada tem a ver com a outra.
A excelente Vi Redd prova que é apenas um dos muitos estilos de se tocar o sax tenor. Fazemos a associção pelo som grave,facil de explicar mas essa gravação mostra que a musica esta em outro plano. Me chamou a atenção que ninguem tenha comentado sobre o excelente nivel musical dessa gravação. Não importa se são homens ou mulheres que estejam tocando. E muito bacana o contraste entre os estilos das Marian McPartland e Vi Redd.
Esse é o nivel musical que me acostumei a ouvir aqui no Jazzseen. Se não for pedir demais mantenham nesse patamar.
Abraço
Abraço

Andre Tandeta disse...

perdão;
..."entre os estilos das solistas Marian..."
Grato

Paulo Villas disse...

Não conhecia o Jazzseen, divertido, bem escrito e frequentado. Voltarei sempre para ouvir o melhor do jazz na internet.

Sergio disse...

Tudo o que interessa a uma pessoa média contente com o conhecimento superficial, contanto q se esforce com mais e melhores audições, já foi dito. Então, o que fica pra comentar á a peleja "Marília X Tyson". Marília o cara come orelhas, raladas e amassadas, no tatame no café da manhã. Por favor!...

Salsa disse...

Preocupação relevante, Sérgio. De qualquer modo, se a pretensão para o combate persistir, eu me ofereço para ser sparring da Marília.
A trilha sonora para o treino pode ser essa.