29/05/2009

Casa Dourada


Um dia ainda descobriremos como Lester prepara aquele suculento filé embrulhado em sal grosso com molho de brassica nigra. Alguns comentam que há pitadas discretíssimas de curry, enquanto outros apostam em leves retoques de noz moscada e mel. Bem, talvez nunca saibamos exatamente o que ocorre no interior daquela pequena cozinha da Casa Bonita, uma simpática loja capixaba de objetos de arte e decoração em Vila Velha. É no quintal ventilado do velho sobrado que acolhe o estabelecimento - onde muitas plantas oferecem um aroma saboroso à brisa marinha - que Lester serve vinhos devidamente climatizados aos seus convidados. Nessa noite tivemos o privilégio de saborear a estirpe completa da vinícola Quebrada de Macul, delicada boutique que injustamente não consta do bom livro 1001 Vinhos Para Beber Antes de Morrer, lançado no Brasil pela Editora Sextante. Éramos seis, aí incluídos o pintor siciliano Nardelli e sua mais nova assistente, Lizza. Lester pensou certo que quatro garrafas dariam conta da tímida demanda. Iniciamos com o vinho básico dessa fantástica vinícola, o Peñalolen 2005, produzido com 85% de cabernet e 15% de merlot, todas colhidas à mão em gamelas de 15kg e amadurecido por ao menos 12 meses em barris de carvalho francês, alguns novos, outros de segunda mão.

Embora com caráter respeitável e preço digno, não chegou a causar nenhuma demonstração de incontrolável entusiasmo, ainda mais que, na cozinha, Lester esmurrava sem piedade algumas indefesas batatas que seriam cozidas com azeite e alho. Lizza, passado o susto inicial, disse a Nardelli, em tom de queixa, nunca ter experimentado batata ao murro. Na verdade, com tanta excitação, criou-se certa expectativa com relação à próxima garrafa, um Alba de Domus 2003. Dessa vez há 95% de cabernet, contra 5% de merlot, amadurecidos por 19 meses em barris de carvalho francês novos (80%) e de segunda mão (20%). Os sedimentos calcáreos do Maipo, devidamente irrigados pela água generosa dos Andes, começaram a determinar a atenção dos convidados, com seu terroir próprio e, podemos dizer, bastante distante e diverso do terroir europeu, tido como modelo irretorquível. Nessa etapa nossos olhares já se dividiam alegremente entre as telas de Nardelli e as lágrimas que escorriam lentas e caudalosas das taças. Praticamente não houve intervalo entre uma rolha e outra: abrimos sôfregos um Stella Aurea 2000, com seus 95% de cabernet savignon, 3% de merlot e 2% de cabernet franc, todas provenientes de vinhedos antigos, com cerca de 30 anos. O amadurecimento ocorre por 18 meses em barris de carvalho francês de diferentes volumes, provenientes de florestas distintas e com torrefação variada. Enquanto Lester discorria animadamente sobre a invenção dos barris pelos gauleses, o aroma da carne contornava nossas narinas e amordaçava os taninos delicados desse vinho espetacular, de cor viva e personalidade intensa e prolongada que, supúnhamos, não poderia ser superado facilmente pela quarta garrafa. Lester aproxima-se então com um Domus Aurea 1999.

Todo o suspense se concentrou no interior das taças, onde o vermelho profundo e brilhante já anunciava que talvez os 19 meses em barril de carvalho francês novo (80%) não tenham sido suficientes para domar os sabores desse tinto que, acredito, não se acovardaria diante do mais potente borgonha que você possa desarrolhar. Com seus 95% de cabernet savignon, 4% de cabernet franc e 1% de merlot, o Domus Aurea fez com que apenas um quadro de Nardelli em homenagem a Pollock e Roland Kirk sobrevivessem aos suspiros dos convidados. Para os amigos fica a faixa Cabin In The Sky . São todos, a exceção do primeiro, vinhos que se beneficiam e aceitam guarda, variando entre 15 e 80 dólares pagos no Chile. Já os quadros de Nardelli - clique para ampliar - esses são um pouco mais caros. É casa, é domus, é cabin, cantarolava Lester enquanto lavava os pratos.

16 comentários:

Paula Nadler disse...

Belo quadro, bela música, belos vinhos. Na próxima quero ser convidada também, ok?

John Lester disse...

Prezado Mr. Scardua, obrigado pela gentil resenha que, a bem da verdade, encontra-se repleta de exageros. Creio que apenas os quadros de Nardelli e os vinhos, estes sim, merecem seus elogios.

Grande abraço, JL.

thiago disse...

brassica nigra é sinistro

figbatera disse...

Puxa, que noitada!

bia disse...

hummm...

Salsa disse...

Eu estou me devendo uma visita à casa bonita. Espero sanar essa falha em breve.
Abraços,

Anônimo disse...

bela tela.belos prato e vinhos.
como é bom as coisas mais simples da vida:boas companhia e música,arte e vinhos de primeira...
que bom existirem lugares magicos como a casa bonita

edú disse...

Que nessa “pantagruélica” noite um brinde tenha sido levantado pela passagem dos três anos do Jazzseen q celebra, hoje , dia 30,seu aniversário de forma oficial.Iniciativa capitaneada por Lester e Salsa (durante os primeiros 365 dias de existência e antes da herança,por usucapião, do blog Jazz Backyard).Exatas 890 resenhas foram produzidas nesse período de três anos numa media de quase uma resenha de 99,9% de material original e bem escrito, diria eu - a cada 36 horas - algumas vezes com citações não vertidas para o português ,para minha indignada oposição.Talvez somente o Jazz, como manifestação artística de magnitude, tenha tamanha capacidade de promover devoção e comoção aos aficionados do estilo e a diversidade rica relatada em personagens, fatos e curiosidades q colocou, de forma natural, esse volumoso acervo como referencia nos blogs de jazz ,sites e outras formas de mídia e comunicação do assunto.A resposta, por parte dos visitantes , mais de 120 mil, até o dia de hoje,apenas disponibilizando material informativo, não poderia ter sido mais recompensadora ao sacrifício das noites mal dormidas,finais de semana dedicados a minuciosa pesquisa e a presença física em eventos e festivais seja em Nova Orleans,Barcelona,Nova Iorque,Vitória,Ouro Preto e São Paulo como registram essas páginas nos precisos 1095 dias de vida.De minha parte , posso dizer, parece q foi ontem.Parabéns Lester pela nova iniciativa – dessa vez comercial e de patrocínio às artes e q alia outros talentos aperfeiçoados nesse tempo como a enologia e culinária.

John Lester disse...

Prezados, fui acordado hoje cedo, por volta de meio dia, por uma daquelas towners coloridas com alto-falantes do paraguai, por onde saía aquela voz feminina sôfrega, que gritava: Lester! Lester! Aparece na janela!

Nem eu sabia que fazíamos aniversário hoje. Para mim o Jazzseen nasceu no dia 06/05/06, quando publicamos nossa primeira resenha. Ou não?

Mestre Edù, sempre exagerado em seus elogios, lembrou-me da obra de Philip J. Davis & Reuben Hersh, A Experiência Matemática, onde aprendemos que a Matemática, quem diria, pode e tem sido aplicada à História.

Com suas estatísticas impressionantes e caudalosamente demonstradas, Mestre Edù conseguiu fazer com que o Jazzseen fizesse três aniversários, dois já passados, e um hoje.

Só posso agradecer por tudo, exceto pela towner que me fez despertar ao som de Ivete Sangalo.

Grande abraço, JL.

edú disse...

Prezado JL,,

nem pra ti e nem pra mim.A data correta de fundação do Jazzseen ,segundo os anais desse blog,é dia 05 de maio.Portanto,leia-se 1100 dias na existência dessa instituição.Todos números efetivamente “redondos”.Pelo meu lapso, essa mensagem deveria ter sido colocada dia 05 , mas o mês de fundação, ainda, esta correto - o q não dirime meu equivoco.Meia gafe, apenas, no meus apontamentos, por favor.Abraço e bom final se semana a todos.

edú disse...

Somente agora consegui decifrar minha obsessão pelo aniversário do dia 30 q equivocadamente – no dia apenas – atribui a passagem dos três anos do Jazzseen.Hoje, dia 30, é a data dos 100 anos de Benny Goodman.Como afirma o titulo de um disco em homenagem ao maior clarinetista do jazz e um das maiores personagens de todos os tempos “Benny rides again”.

Érico Cordeiro disse...

Parabéns ao Jazzseen (de nuevo!).
No blog Soblonicas há uma resenha emocionada sobre os 100 anos de Benny Goodman.
Mas que maneira de perturbar o impávido Mr. Lester - maldade da pura, embora recheada das melhores intenções!
Grande vinho e grande abraço a todos!
Vida longa e próspera!

Érico Cordeiro disse...

Caramba, Mr. Lester, somente agora li e ouvi a belíssima homenagem.
Fico envaidecido e, ao mesmo tempo, sinto pesar sobre os ombros a enorme responsabilidade de manter o JAZZ + BOSSA digno de suas constantes e sempre prazerosas visitas.
Um texto poético e emocionante que me deixou severamente comovido. Muitíssimo obrigado mesmo!!
O jazzseen - assim como o jazzbackyard - e minha casa virtual e onde sempre me senti muito à vontade.
Um grande abraço a você e a toda a tripulação da nave jazzseen (e, claro, aos seus passageiros, dentre os quais me incluo)!!!!!

figbatera disse...

Então, gente, não esqueçamos: 05 de maio é data de aniversário do JAZZSEEN.
E a não ser pela citação do dia 30 (equivocadamente) concordo com tudo o que disse o Mr. edú, que fez um precioso "balanço" da trajetória deste "nosso" blog (já que sou um dos primeiros e assíduos visitantes) do qual extraio valiosos ensinamentos e através do qual tenho feitos várias amizades (virtuais, por enquanto).

Anônimo disse...

Casa Bonita, Jazz, vinho e livros finos com letras grandes....tudo de bom!

Internauta Véia disse...

Ê beleza...
São 6 e 1/2, estou desde 2:20 na internet, e não me canso de reler JAZZSEEN...!

Cadê Mestre Edú, gente? Era bom demais, precioso! Aparece , Mestre Edú ( com acento no U!)