19/05/2009

De Alfredo veio Johnny

A mais ambicionada experiência musical em meados dos anos 80 na cidade de São Paulo era concluída a goles de café e a margarina escorrendo pelos dedos proveniente do pão francês saído direto do forno. Eram as visitas matinais de finais de semana promovidas por amigos e conhecidos conduzindo alguns escolhidos fãs ao apartamento de Johnny Alf - localizado, na época, na sobreloja de uma padaria num bairro adjacente na zona central da cidade. Era a repetição da situação (sem pão,nem café) – da procura do público fiel, atento, quase capturado nos olhares e audição - que trinta anos antes reservava assento no bar do Plaza em Copabacana. Tom Jobim, Carlos Lyra,Luiz Eça e um baiano de hábitos estranhos recém chegado de Juazeiro chamado João Gilberto ocupavam lugar na platéia. Nara Leão, Roberto Menescal e o pianista Luis Carlos Vinhas mantinham-se,por medo, próximos a entrada do banheiro para,na even tualidade da presença do juizado de menores, escapulir pra dentro do cubículo.Com suas canções – algumas delas das mais notáveis do século XX do cancioneiro brasileiro. Forma de tocar piano – complexa e sofisticada. Estilo de cantar – aconchegante ,lírico numa balada e desconstruindo a divisão rítmica na voz num tema em bossa - fizeram de Johnny Alf uma espécie de farol da nossa melhor música “tornando sua luz” intima aos caminhos mais modernos que ela poderia trilhar. Nada disso surgiu de forma preconcebida ou elaborada. Alf nasceu Alfredo José da Silva em Vila Isabel , subúrbio do Rio de Janeiro, em 19 de maio de 1929. Filho de cabo do exército e empregada doméstica. Aos três anos de idade ficava órfão de pai e era obrigado a seguir junto à mãe ao trabalho pela ausência de creche ou alguém que “olhasse por ele”. Numa dessas residências ,pelo acaso do destino, rompe a barreira social ,aos oito anos de idade, atravessando o cômodo dos empregados em direção à sala de visitas.No piano que repousava na área o menino encontra sua familiaridade.Por generosidade da família , proprietária da casa,Johnny tem estudos custeados com a professora Geni Borges.Aos 14 anos forma seu primeiro grupo e como bolsista do colégio Pedro II entra em contato com o Instituto Brasil – EUA interessado em saber como se aprende inglês.Fundando,mais tarde, um pequeno núcleo dedicado ao intercâmbio da música brasileira e americana - apoiado pelo instituto - com sessões semanais direcionadas aos estudos das orquestrações,exibições de filmes e audições de concertos de jazz. Membro do Sinatra-Farney Club – fã clube dedicado ao culto de Frank Sinatra e Dick Farney - desde os 11 anos de idade, tem como colegas: João Donato, Paulo Moura e o cineasta Carlos Manga – líder do clã. Dentro das salas de cinema, aliás, Johnny passa grande parte de sua juventude assistindo sessões consecutivas de musicais,desenhos em longa metragem de Walt Disney interessado,especificamente, nas canções e nos arranjos das trilhas sonoras.
Com 23 anos de idade inicia peregrinação tocando piano no circuito das boates cariocas. Já se tornava então de Alfredo à Johnny Alf por sugestão de uma amiga antes de uma apresentação no programa de jazz de Paulo Santos na rádio MEC. Assim surgia o artista brasileiro mais jazzístico de seu tempo sem ter o menor conhecimento do que seria propriamente isso.Em algumas das boates em que trabalhava dividia sessão com outro pianista chamado Newton Mendonça.Parceiro de carreira e de vida curta ,autor de quinze preciosidades eternas com Tom Jobim entre elas: “Meditação”, ”Foi a Noite”, ”Desafinado” e “Caminhos Cruzados”. Newton Mendonça segundo os estudiosos, tinha equivalência em conhecimento musical com Jobim.Não raro, em composições da dupla, Tom ficava encarreg ado do caderno de rascunhos e do dicionário de rimas e Newton com a elaboração das harmonias e desenvolvimento melódico.Desse contato, movido a troca de sugestões, opiniões ,idéias e cigarros filados do maço mais próximo fizeram Johnny colocar para consideração de Newton suas composições como “O que é amar”, ”Céu e mar” e “Rapaz de bem” – considerada a música que precipitou o estilo da Bossa Nova (criada em 1952 quando o movimento formalmente teve inicio em 1958). Não foi a toa que Ronaldo Bôscoli na apresentação de um show de bossa na Faculdade de Arquitetura em 1960 dizia que “Johnny Alf já faz bossa nova há dez anos”.Várias definições foram aplicadas a Johnny.Pai da bossa nova.Dos geniais criadores da música brasileira, o mais desconhecido.Nenhuma definição foi tão precisa quanto aquela que conseguiu retirar a expressão parva das faces de João Gilberto substituindo - a por uma séria.O monossilábic o João disse :“Johnny Alf é o máximo !” numa tarde em Nova Iorque nos anos 90.De carreira de pouco mais de uma dúzia de discos, Johnny nunca perdeu tempo em lamentações.Preferiu dedicar o tempo disponível na doação integral a música. Seguindo fielmente seus instintos.Seja fazendo seu primeiro disco em 1953 de forma apenas instrumental na base do Nat King Cole trio( piano,contrabaixo e guitarra , uma de suas adorações). Como no amor declarado ao jazz. “Musica é som.Gosto de jazz e na minha música isso é o mais forte”. Na comemoração pífia dos cinqüenta anos da Bossa Nova em 2008 não tivemos a presença de Johnny Alf. Deteriorado na saúde e sofrendo constantes sessões de radioterapia não encontrou forças suficientes para uma apresentação pública. Poderíamos ficar tristes com essa situação justo neste mês de maio corrente em que completa seus 80 anos de vida - dia 19. Mas basta recordar as estrofes de “O que é amar”. “Agora eu posso arg umentar/Se perguntarem o que é amar/É só olhar, depois sorrir, depois gostar”. Que um pequeno quinhão de nossa própria felicidade pessoal seja dedicada a ele ao ouvir essa música e letra de sua inspiração. O escritor e jornalista Ruy Castro afirma que “assistir a Johnny Alf numa pequena boate é uma das grandes experiências que podemos ter na música”. Levando a efeito essa frase, deixo aos visitantes o tema “O que é amar” durante uma apresentação no Vinicius Piano Bar no Rio de Janeiro em 1997 com Alf ao piano, Idriss Boudrioua (sax alto), Marcos Souza (contrabaixo acústico) e Carlos Ramón (bateria).

23 comentários:

John Lester disse...

Prezado Edù, sua resenha está à altura de um dos maiores gênios da Bossa Nova e, talvez, o verdadeiro inventor desse estilo que colocou a MPB em pé de igualdade com a música popular mais sofisticada do mundo: o jazz.

Um abraço ao Johnny.

Paula Nadler disse...

Linda música, linda homenagem. Beijos!

LeoPontes disse...

Linda homenagem ao Mestre dos Mestres.
Nós e as Brisas agradecemos pela sua linda existencia.
Onde quer que vá, nos seus 81 anos, irá feliz. Nós envelhecemos. A Musica
jamais.

Grande abraço
Leo

Érico Cordeiro disse...

Maravilhosa - e mais que merecida - homenagem a esse grande músico. Tudo que veio depois dele - seja a bossa nova de Tom e João, seja a MPB ortodoxa de Chico e Caetano - é tributária, de alguma forma, desse verdadeiro mestre.
Lamentável o que fazemos com alguns dos nossos artistas - vivêssemos em um país civilizado, o homem que compôs maravilhas como "O que é amar", "Rapaz de bem" e, sobretudo, "Eu e a brisa", mereceria estátuas nas principais praças, seria nome de escola e poderia viver uma digna e confortável aposentadoria.
Pena que o nosso eterno rapaz de bem esteja passando por tamanha provação - mas ele há de superar esses obstáculos e, quem sabe, haverá de merecer ainda em vida uma homenagem proporcional à sua importância artística.
Mestre Edú, como sempre, acertou em cheio - tenho sentido sua falta no JAZZ + BOSSA (mas se é para elaborar resenhas dessa magnitude, vou deixá-lo em paz, rs, rs, rs)!
A pergunta que não quer calar é: onde conseguir essa gravação? Foi lançada em CD?
Forte abraço a todos.

thiago disse...

harmonia sinistra

edú disse...

JL,
nosso querido Johnny Alf é oriundo daquele berço esplendido chamado Vila Isabel q nos trouxe Noel – sem intenção da rima – e a ti tb.Grande abraço.
Prezado Érico,
estive por cinco dias na companhia de “minha alma gêmea” pelo Uruguai fazendo o eixo Montevideo – Punta del Leste.Retornei essa semana insaciado no habito regular de degustar a melhor carne do mundo nas três refeições do dia, horrorizado com um arremedo de hotel cassino chamado Conrad (um monumento de mau gosto) , abatido por uma forte gripe e infelizmente recebido por uma trágica perda de ente familiar.Assim que conseguir colocar minhas pendências em dia farei uma visita ao seu blog com enorme prazer.A referida gravação pertence ao cd “Johnny Alf Eu e a Bossa”( cuja capa ilustra a abertura da resenha) lançado pelo selo Rob Digital em 1998 gravado ao vivo no Bar do Vinicius em ano anterior.Abraço.

Érico Cordeiro disse...

Obrigado pela atenção, Edú.
Lamento pelos recentes infortúnios, em especial no que tange à perda do ente familiar. Meus sinceros sentimentos e que você possa se recuperar o mais brevemente possível.
Forte abraço e, novamente, muito obrigado pela ótima dica.

Roberto Scardua disse...

Bela resenha Edú, valeu!

Marília Deleuz disse...

Quem me dera estar nesse piano bar...

Celijon Ramos disse...

Gostaria de felicitá-lo pela justíssima homenagem a Johnny Alf. Trata-se de um dos maiores criadores de harmonia e acordes que já ouvi. Depois de tanto tempo, ainda continua injustiçado. Parabéns a Alf por seus 80 anos! Já fez muito pela música.
Abraços!

Danilo Toli disse...

Esse Edú não tem jeito, cada dia escrevendo melhor! Johnny Alfredo agradece.

Andre Tandeta disse...

Parabens,Edú.
E parabens ao Jazzseen por ter voce como colaborador. Seus textos são sempre muito bem escritos, informativos e com sua especial sensibilidade para a musica e os musicos.
Johnny Alf é um dos grandes compositores brasileiros de todos os tempos. E especialmente para nos musicos um idolo .
"Rapaz De Bem" é a minha favorita, dentre tantas maravilhas criadas por esse Mestre.
Abraço

Don Oleari disse...

Mestre Edu:

Meu profundo respeito e admiração pelo seu magnífico texto homenageando Alf pelos seus 80 anos.
Sou seguidor do "Rapaz de Bem" desde que comecei no rádio e, segundo nossos prezados Rogerio Coimbra e Eleisson de Almeida, fui o cara que mais tocou Johnny Alf no rádio Espírito Santo.
Mas quero dizer a você, Edu, que do tanto que já li sobre ele, você foi superior em tudo, em detalhes, em sentimento, o personagem dentro do seu belo texto.

Beleza! Gostaria de lhe pedir permissão para usar partes do seu texto num bloco que eu e o João Paulo Oleare vamos fazer para o Alf no nosso programa "Clube da Boa Música" n Universitária FM - 104.7 - emissora da Universidde Federal do Espírito Santo.

Naturalmente, dando a você todos os créditos.
Meu abraço solidário pelo momento pessoal difícil e a cravada admiração pelo seu belo trabalho.

Do Oleari.

edú disse...

Prezado Sr.Oleari,

esta devidamente autorizado para todos os fins q achar conveniente.Johnny sempre será merecedor de todas as homenagens q se fizerem a ele.

John Lester disse...

Dizem que orgulho é pecado, sombra, mal. Mas que dá um prazer danado na gente, isso dá.

É um orgulho ter Mestre Edù entre nós.

Don Oleari disse...

Sem dúvida de qualquer sombra, Mr. John Lester.

Eu e o João Paulo Oleare agradecemos a deferência ao Edu. Vamos fazer o registro na segunda 25 de 8 às 10 da noite - www.universitariafm.com.br - além de um blocão em memória do nosso grande Sergio Sampaio.

Obrigado, Edu, obrigado Mr. Lester.
Longa vida ao jazzseen.
Do Oleari.

Salsa disse...

Tudo dito, só agradeço a oportunidade de ouvir um pouco desse grande músico.

Borboletas de Jade disse...

Uma coisa que se tem de levar em conta é as maximas da vovó Mafedra, visinha aqui do lado, ao dizer:
- Meu filho, tem duas coisas que não se deve mexer:A primeira é na caixa de abelha pra tirar o mel das coitadas e a segunda é não separar briga de cachorro grande.
Sem palavras para o que acabo de ler eu fico com as maximas da vovó.Belo artigo e fica na paz.

Frederico Bravante disse...

Rasgação de seda à parte, Alf merece toda nossa atenção. Parabéns ao Jazzseen.

Érico Cordeiro disse...

Caro Edú,
Sem querer tecer maiores elogios ao texto brilhante e ao sublime homenageado, informo-o que postei uma resenha sobre o grande Duke Jordan (não por coincidência outro extraordinário pianista) no JAZZ + BOSSA e dediquei a você, grande mestre da palavra exata e do timbre preciso.
Abraços!

Anônimo disse...

Um blog cheio de história...
Parabéns.

figbatera disse...

Já disseram tudo aqui; beleza de texto, merecidíssima homenagem ao Johnny Alf.
Vou ficar cantarolando a "Diza" até o fim do dia...

luzia disse...

Edu, é maravilhoso lermos algo que nos traga tanta felicidade e paz.
parabens.
meus sentimentos pela sua perda