Há pouco discutíamos aqui no Jazzseen se as mulheres são capazes de tocar jazz. Mais especificamente, criou-se certa celeuma acerca da capacidade de as mulheres tocarem certos instrumentos, como o trompete e o contrabaixo acústico, no contexto enérgico e extenuante de estilos como o bebop, onde exigências físicas desmesuradas impediriam uma performance feminina adequada. Se é verdade que não há registro de uma mulher tocando contrabaixo ao lado de Charlie Parker e Dizzy Gillespie, os inventores do bebop, é também escorreito afirmar que não havia mulher alguma tocando instrumento algum naquele clube de jazz que concebeu o bebop, o Minton’s Playhouse. Talvez elas estivessem nas fábricas e nos hospitais, num esforço de guerra que secundariamente traria certa fração de emancipação às moças norte-americanas, fazia tempo condenadas à prisão domiciliar sem julgamento. Ouvindo Hélène Labarrière tocar seu contrabaixo acústico em 2008, no Festival de Jazz de Saalfelden – em minha única visita à Áustria, tive a nítida impressão de que a moça francesa, nascida em 1963, poderia adaptar-se confortavelmente no estúdio ou no palco fazendo às vezes de, digamos, um Charles Mingus ou um Johnny Diani, porque lembrá-los ela lembra. Iniciando os estudos de piano aos sete anos, aos dezesseis decide-se pelo contrabaixo acústico, não se sabe se em função de algum impulso provocado pelo vinho. Helena ouvia música popular em casa, bem como a clássica e, em especial, o jazz. Após alguns anos de conservatório, sempre ouvindo muita música, começa a tocar standards em bares e cafés, época em que conhece o guitarrista Pierre Brunel. Acreditando que só se aprende música tocando e ouvindo, cria um trio só de mulheres, o Ladies First, com Railcar Pelzer e Dominique Borker. Helena já tinha vinte anos e exercia atividade plena em diversos clubes de Paris, tocando com músicos locais e visitantes ocasionais importantes, entre eles Slide Hampton, Art Farmer, Johnny Griffin (na foto com Helena) e Lee Konitz (com quem grava pela primeira vez).
Passando dos standards ao hard bop, descobre a música de Charlie Haden, o que altera drasticamente sua concepção de execução, bem como amplia sua visão sonora. Ainda na década de 1980 participa de importantes projetos, atuando com o quarteto de Eric Barret (onde conhece Marc Ducret) e com o quinteto de Malo Vallois. Nesse ambiente propício à livre improvisação, perde a noção de risco e chega mesmo a compor, desencadeando um processo que em boa parte foi deflagrado com o auxílio de Daniel Humair. Com a queda do muro, inicia novos contatos, agora na Alemanha. Forma então o conjunto Plot, em homenagem a Robert Wyatt, do qual participaria, entre outros, a trompetista Ingrid Jensen, e com o qual gravaria seu primeiro álbum como líder, em 1995. Acreditando que a música alimenta-se da política, da poesia e das artes plásticas, realiza shows em homenagem a anarquistas (Buenaventura Durruti e Jean Rochard), apresenta-se com poetas, desenhistas (Moebius), gente de teatro, happers, DJs, integrando à sua bagagem jazzística praticamente toda forma de expressão musical disponível no início deste século.
Para os amigos fica a quarta faixa do álbum Les temps changent, aquele gravado ao vivo em Saalfelden, com François Corneloup (bs), Christophe Marguet (d) e Hasse Poulsen (g). Sobre o álbum, assim fala a contrabaixista: "The times are changing because music is not only about sound but also has to do with space and time; it’s not just a question of four or three time, any more than it is of five or seven time, there’s also no time at all or again, multiple time, and all this is something we have fun with. The times are changing, and they change us too, because a group consists of all the encounters one’s made and the time we’ve already spent together or separately helps us to construct, deconstruct or reconstruct our music at any given moment. The times are changing, here and elsewhere, because we’re not deaf to the world around us, our desire to play and say what we have to say is increasingly urgent and imperious. The times are changing, some time ago another musician already said this very thing because we’re a group that doesn’t worry about whether it has or hasn’t got any models. The times are changing, friendship, shared experiences, the driving need to build again and again, to keep going forward… we’re avid for all this…"
Passando dos standards ao hard bop, descobre a música de Charlie Haden, o que altera drasticamente sua concepção de execução, bem como amplia sua visão sonora. Ainda na década de 1980 participa de importantes projetos, atuando com o quarteto de Eric Barret (onde conhece Marc Ducret) e com o quinteto de Malo Vallois. Nesse ambiente propício à livre improvisação, perde a noção de risco e chega mesmo a compor, desencadeando um processo que em boa parte foi deflagrado com o auxílio de Daniel Humair. Com a queda do muro, inicia novos contatos, agora na Alemanha. Forma então o conjunto Plot, em homenagem a Robert Wyatt, do qual participaria, entre outros, a trompetista Ingrid Jensen, e com o qual gravaria seu primeiro álbum como líder, em 1995. Acreditando que a música alimenta-se da política, da poesia e das artes plásticas, realiza shows em homenagem a anarquistas (Buenaventura Durruti e Jean Rochard), apresenta-se com poetas, desenhistas (Moebius), gente de teatro, happers, DJs, integrando à sua bagagem jazzística praticamente toda forma de expressão musical disponível no início deste século.
Para os amigos fica a quarta faixa do álbum Les temps changent, aquele gravado ao vivo em Saalfelden, com François Corneloup (bs), Christophe Marguet (d) e Hasse Poulsen (g). Sobre o álbum, assim fala a contrabaixista: "The times are changing because music is not only about sound but also has to do with space and time; it’s not just a question of four or three time, any more than it is of five or seven time, there’s also no time at all or again, multiple time, and all this is something we have fun with. The times are changing, and they change us too, because a group consists of all the encounters one’s made and the time we’ve already spent together or separately helps us to construct, deconstruct or reconstruct our music at any given moment. The times are changing, here and elsewhere, because we’re not deaf to the world around us, our desire to play and say what we have to say is increasingly urgent and imperious. The times are changing, some time ago another musician already said this very thing because we’re a group that doesn’t worry about whether it has or hasn’t got any models. The times are changing, friendship, shared experiences, the driving need to build again and again, to keep going forward… we’re avid for all this…"
13 comentários:
dedo nocivo
Não bastasse o Edú com mpb, agora me vem Lester com garotas tocando fusion! Isso aqui é um blog de JAZZ ou não é???
As mulheres compensam a presumível inferioridade física com muita sensibilidade e capacidade interpretativa. Aí, o resultado é empate, pois sensiblidade e competência independem de sexo. A grande barreira para as mulheres ainda é o mercado, que insiste em lhes fechar muitas portas. Um viva às mulheres que conseguem triunfar no concorrídíssimo ambiente jazzístico, seja na main-stream, na fusion, ou em outras variações.
Apoiado, Mr. Muller!
E um grande viva à Bilie, Sarah, Ella, Rene, Gery, Marian, Carla, Maria, Ruth, Etta, Blossom, Helene, Maxine, Eliane, Cassandra, Alice,Toshiko, Ernestine, Shirley, Anita, Lil, Jessica, Sheila, Abbey, Alberta e tantas outras bravas guerreiras, que precisam lutar contra tudo (inclusive contra o preconceito) para fazer valer o seu amor pelo jazz - seja qual for a forma com que se apresente!
Adorei Lester. Beijo!
Fantástica a menina, vou tentar conseguir o álbum na íntegra. Valeu John!
Bom demais, valeu a indicação Mr. Lester.
Iá, iá, olha só o Bravante bancando o Predador...
Dedos firmes os da menina.
delicia...
Endosso e avalizo o comentário do Érico.
Mais uma ótima resenha do Lester; só não fiquei sabendo o que a moça "falou" sobre o álbum (o sacana do Lester se esquece dos leitores-monoglotas como eu)rs...
Bravante está com razão. Faço as palavras dele as minhas palavras.
Gostei do bração. Boa para tocar em baixo, pizzicato. Boa dica Lester, vc sempre por cima.
Não conhecia o blog. Já adicionei aos favoritos.
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