Tendo por tema o jazz, confesso certa timidez em expor minhas opiniões aqui no Jazzseen, blog do amigo de longa data John Lester. Faz 28 anos que o conheci, aqui mesmo na Escola de Direito do Recife, durante o primeiro dos muitos congressos sobre acesso à justiça dos quais participamos. Lembro nitidamente de Lester perambulando pelos jardins que obturam o longevo e belíssimo prédio de nossa sede, observando atentamente o pavilhão central. No frontispício principal, o zimbório com sua coroa principesca e as guirlandas pendentes apoiadas em vigamentos de aço eram recobertos com ardósia de Ardennes. Debaixo do braço esquerdo, Lester trazia a primeira edição de Acess to Justice: The Worldwide Movement to Make Rights Effective, escrito em 1978 por Mauro Cappelletti. Dez anos depois a importante obra seria traduzida por Ellen Gracie Northfleet, única brasileira a integrar a história de nosso Supremo Tribunal Federal.
Nem mesmo eu, que ali estudara, havia percebido que as janelas principais da Escola possuíam colunas toscanas, sobre as quais arcos plenos eram sustentados com graça, além de circunscreverem olhos de boi, ornados de cornucópias. Por determinação da ordem jônica, explicava Lester, havia volutas nos capitéis, através das quais podíamos sentir como brisa os balanços em todas as cornijas. Absorvido pela notável sensibilidade arquitetônica de Lester, perguntei-lhe se era arquiteto.
Negando, declarou apenas amor incondicional pelas formas, amor expresso estranha e matematicamente através de seu mestrado em topologia, seriamente ameaçado por mais nova paixão: o Direito, curso que iniciara naquele ano no Largo de São Francisco. Daí sua presença ao Congresso. Depois de algumas apreciações de arquitetura e da leitura atenta das 398 notas de rodapé constantes nas 168 páginas do livro Acesso à Justiça (Ver a Edição de 1988, da Sérgio Antônio Fabris Editor), saltamos à música e, é claro, ao jazz, estilo até então desconhecido para mim, refratário a qualquer sonoridade que não fosse o Barroco. Na axila direita Lester guardava o lp Chet Baker Sextet, da Pacific Jazz. Contou que era seu álbum preferido de Chet. A um porque não cantarola. A dois porque traz nas quatro últimas faixas – consideradas perdidas durante longo tempo - formação inédita para aquela hora (1957) e para aquele lugar (Califórnia): o trompete de Chet, a trompa (french horn) de Jimmy Buffington, o fagote (bassoon) de Bob Tricarico, o clarone (bass clarinet) de Gene Allen e o violoncelo (cello) de Seymour Barab, sem piano e sem bateria.
As demais faixas, gravadas em 1954, contam com a companhia de Bob Brookmeyer (vtb), Russ Freeman (p), Russ Savakus ou Carson Smith (b) e Shelly Manne (d). Bastante curioso, meu estridente interesse pelo álbum e pela música ali contida, fez com que Lester me o desse. Impondo-lhe uma condição de aceite, caminhamos até minha sala, onde lhe entreguei uma de minhas obras de maior afeição, a História da Faculdade do Recife, em dois volumes, de Clóvis Beviláqua.
Com incontida emoção, Lester pediu-me que o levasse à pinacoteca da casa, enquanto observava silenciosamente as galerias que serviam de acesso do jardim interno às demais dependências do prédio, observando que suas paredes foram revestidas originalmente com cortiça, visando reduzir o ruído externo, enquanto o assoalho xilolito perfazia a trilha ideal que conduzia ao salão nobre, com suas portas de carvalho, vitrais, assoalho duplo em mosaico, teto em forma de sol (plafond soleil), através do qual a luz ocidental recebida do zimbório era filtrada e adequadamente diluída no ambiente. Lester só pode dizer que toda aquela arrogância atribuída à Escola do Recife nunca poderia ser justificada. Mas era perfeitamente compreensível, ainda mais se considerarmos que o engenheiro responsável pelo projeto determinou que a fachada principal apontasse para o oriente, de onde nasce a luz e de onde nasceu a filosofia, a matemática, a arte e o direito. Para os eventuais leitores dessa singela resenha, pedi a Lester que oferecesse a faixa Dots Groovy . Até breve!
7 comentários:
Prezado amigo, é com desmedida alegria que constato sua presença entre nós. Providenciarei a faixa.
Grande abraço, JL.
Bem vindo ao colega de São Francisco em sua estréia no Jazzseen.Nem só do indispensável frevo(com suas inúmeras variações) resiste o interesse musical em Recife.JL confere a cx q mandei a de maio em pct completo novamente.Congratulações a todas as mães no domingo.
Obrigado Edú. Pelo que Lester conta a seu respeito, creio será fácil e rápida nossa amizade. Até breve!
Caro Tobias Serralho,
Permita-me que me apresente. Sou um dos mais recentes (e assíduos) passageiros da nave jazzseen e, durante o breve tempo que estou a viajar por estas maravilhosas paragens sonoras, conduzido pelo Capitão Lester e sua tripulação, tenho me deparado com textos belíssimos, opiniões inteligentes e grandes dicas de músicas.
O seu texto primoroso está entre os que mais me tocaram (por ter amigos assim, Mr. Lester, considere-se um dos homens mais sortudos que conheço). A velha Faculdade de Direito do Recife sempre a produzir excelentes quadros! E o Chet Baker Sextet e o Acesso à Justiça também estão em lugares privilegiados na minha estante.
Forte abraço (e, se tiver tempo, por favor, faça uma visita ao meu modesto bloguinho, o JAZZ + BOSSA + BARATOS OUTROS).
Parabéns pelo texto e, por favor, agregue-se em definitivo à tripulação desta maravilhosa nave.
serralho é sinistro
Que estilo é esse, cool ou west coast?
Cool e West Coast são a mesma coisa. Estilo de jazz composto e tocado por "branquelos", quase todos da Costa Oeste americana.Com andamento musical moderado, mas nem sempre, levou inicialmente o título de cool jazz e posteriormente, por razões óbvias, ficou também conhecido como jazz west coast. Gostaria também de acrescentar, para quem não sabe, que o sr. Tobias Serralho é tio de Frederico Bravante, que é primo de Paula Nadler, que é sobrinha de John Lester que é pai de Paulo Nardelli, o pintor. Ufa!!!!
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