Não faz muito telefonei para Lester sem qualquer esperança de que me atendesse: afinal ele agora tem bina e filtra os chatos de galocha que ainda insistem em lhe telefonar. Nisso, do outro lado da linha, uma voz soturna e de poucos amigos diz ‘oi’. Felicíssimo, comentei com Lester meu efusivo entusiasmo, pois acabara de comprar num sebo imundo de Amsterdã o álbum Sounds by Socolow, gravado em 1956 para a Bethlehem Records. Enquanto eu narrava os detalhes do álbum, Lester comentou em tom de repulsa o quão injusta é a vida, perguntando por que motivo José Guilherme Merquior morrera tão cedo, em 1991, aos 49 anos! Eu, que nem sei quem foi Merquior, preferi manter-me calado, enquanto Lester desabafava: “Sim, aquilo sim era um intelectual de fibra, com imensa cultura e empedernida integridade intelectual! Quem teria coragem de desmantelar os castelos de areia do marxismo, da psicanálise e da arte de vanguarda, sem medo de ser considerado reacionário em política, ciências humanas e estética? Quem?” Preocupado com o custo da ligação, tentei argumentar com Lester que Stalin, Freud e Ornette Coleman realmente me pareciam criaturas bem intencionadas, mas fui novamente interrompido pelo clarinetista mais ortodoxo de Vila Velha: “E, olha aqui Roberto, esse tal de Frank Socolow só fez uma coisa boa na vida: contratou Bud Powell para seu quinteto e gravou com ele em New York, no dia 2 de maio de 1945. Essa foi a segunda série de gravações de Bud que, até então, só tinha gravado com o sexteto e a orquestra de Cootie Williams. O resto do trabalho de Socolow, Roberto, você pode jogar no lixo, junto com O Capital, o divã e os álbuns de Albert Ayler”.
Ainda tentei argumentar sobre a envergadura psicológica da inveja do pênis, mas já era tarde, Lester havia largado o telefone na pia e entrado no box, onde tomava seu banho com bucha e cantarolava Hallucinations em scat. Triste, desliguei o telefone e fiquei olhando para a contracapa do velho lp. Lá constavam os integrantes do sexteto de Socolow: Eddie Bert (tb), Eddie Costa (p), Sal Salvador (g), Bill Takus (b) e Jimmy Campbell (d). Ok, o álbum não era lá essas coisas, mas também não era de se jogar fora. Era um documento comprobatório daquilo que dizem sobre o estilo de Frank: um meio termo entre o swing e o bebop – ouça, logo abaixo, a faixa Farfel. Nascido em New York, em 1923, Frank iniciou a carreira na década de 1940, tocando sax alto e tenor em big bands, como as de Georgie Auld, Boyd Raeburn, Chubby Jackson e Artie Shaw. Nesse mesmo período, gravou com diversos músicos, entre eles Sid Catlett, Buddy DeFranco e Charlie Ventura, além de liderar seus próprios grupos, como o excepcional quinteto a que se referiu Lester, com Freddie Webster (t), Bud Powell (p), Leonard Gaskin (b) e Irv Kluger (d), que gravou quatro faixas para o selo Xanadu em 1945. Nas décadas seguintes, Frank atua como freelance em New York, além de participar de uma série de gravações com músicos importantes como Charlie Parker, Manny Albam e Gene Krupa. E, apesar de toda sua competência e atividade, Frank realizou apenas mais uma sessão de gravação como líder, que é o lp que tenho em mãos, permanecendo uma figura completamente esquecida do jazz após sua morte. Um mês depois recebi pelo correio um exemplar de As idéias e as formas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, do tal José Guilherme Merquior, com uma carinhosa dedicatória desse estranho amigo chamado John Lester.
Ainda tentei argumentar sobre a envergadura psicológica da inveja do pênis, mas já era tarde, Lester havia largado o telefone na pia e entrado no box, onde tomava seu banho com bucha e cantarolava Hallucinations em scat. Triste, desliguei o telefone e fiquei olhando para a contracapa do velho lp. Lá constavam os integrantes do sexteto de Socolow: Eddie Bert (tb), Eddie Costa (p), Sal Salvador (g), Bill Takus (b) e Jimmy Campbell (d). Ok, o álbum não era lá essas coisas, mas também não era de se jogar fora. Era um documento comprobatório daquilo que dizem sobre o estilo de Frank: um meio termo entre o swing e o bebop – ouça, logo abaixo, a faixa Farfel. Nascido em New York, em 1923, Frank iniciou a carreira na década de 1940, tocando sax alto e tenor em big bands, como as de Georgie Auld, Boyd Raeburn, Chubby Jackson e Artie Shaw. Nesse mesmo período, gravou com diversos músicos, entre eles Sid Catlett, Buddy DeFranco e Charlie Ventura, além de liderar seus próprios grupos, como o excepcional quinteto a que se referiu Lester, com Freddie Webster (t), Bud Powell (p), Leonard Gaskin (b) e Irv Kluger (d), que gravou quatro faixas para o selo Xanadu em 1945. Nas décadas seguintes, Frank atua como freelance em New York, além de participar de uma série de gravações com músicos importantes como Charlie Parker, Manny Albam e Gene Krupa. E, apesar de toda sua competência e atividade, Frank realizou apenas mais uma sessão de gravação como líder, que é o lp que tenho em mãos, permanecendo uma figura completamente esquecida do jazz após sua morte. Um mês depois recebi pelo correio um exemplar de As idéias e as formas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, do tal José Guilherme Merquior, com uma carinhosa dedicatória desse estranho amigo chamado John Lester.
18 comentários:
O intelectual liberal José Guilherme Merquior, em sendo controverso, merece toda admiração e respeito por sua contribuição acadêmica. John Lester tem toda razão ao indignar-se com o felecimento precoce de Merquior, cuja cultura assombra.
Embora eu mantenha uma postura crítica a grande parte de seu pensamento,rendo-lhe também minhas homenagens.
Um abraço!
Mr. Scardua, já que você falou em marxismo, uma sessão com Frank Socolow, Eddie Bert, Eddie Costa, Sal Salvador, Bill Takus e Jimmy Campbell só pode ter sido inspirada no filósofo alemão: "Underrateds do mundo, uni-vos".
Bem bacaninha a faixa e, por favor, Seu Mr. Lester, deixa de ser ranzinza. O Socolow é bem legal e fazia um swing-bop bem honesto (embora eu nada tenha dele como líder, já que os seus dois discos devem ser raríssimos - só mesmo em Amsterdã)!!!
Fico com Celijon. Como dizem por aí: querem conhecer Marx, leiam Marx; querem conhecer Freud, leiam Freud.
Lester, ao seu tempo, só está ranzinza assim devido à sedenta visita que receberá hoje às 17:00h.
O som, por sua vez, está muito agradável.
Lançarei edital para selecionar o amigo mais exagerado de John Lester.
Scardua tem grandes chances.
Grande abraço, JL.
bom,
raridade não é exatamente qualidade...certo?...embora o tema postado seja bem bacanudo.
amplexossonoros
O Jazzseen esta sempre muitos degraus acima da minha capacidade.
Nunca ouvi falar de nenhum dos dois: Sokolow e Merquior. O primeiro eu gostei ,bastante fluente nesse idioma hibrido de swing com bebop. Quanto ao segundo acho que pra mim não vai dar. Deixo aos amigos que são cultos a tarefa de discutir essas teses dele sobre os castelos de areia. Disso eu só conheço os que tem nas praias aqui do Rio,muito bem feitos ,por sinal.
Abraço
Tandeta, estou no Rio; seu trio toca na sexta ou sábado?
Bem, vou ligar pra saber...
delicia...
Caro Bob,
sinto informa-lo q o embaixador Merquior ,com quem tive o privilegio de conhecimento pessoal por breve mas significativo período, morreu em virtude de câncer e não dava pelota alguma para o jazz.
Queridos visitantes, obrigado.
Edù, talvez ele até gostasse de jazz, mas não se sentia seguro em confessar tal heresia para os xenófobos de esquerda. Afinal, Lula já estava na área. Se Merquior estivesse vivo... Coitado.
Valeu!
Não era questão de gostar .Era um desinteresse natural e compreensível.O embaixador, mesmo grande intelectual, tinha tb suas imperfeiçoes, como todos nós.Seu escopo de interesse fora da diplomacia era: sua esposa, biblioteca e escrita.
Somente imbecis e gênios podem viver sem música. Ou não?
Navegando por estes mares da net encontrei seu blog. Buscava, porque é meu trabalho, toda e qualquer menção ao intelectual José Guilerme Merquior, meu tio. A ed. Nova Fronteira incumbiu dois biógrafos, Luiz Morandi e Carlos E. Rios, de trabalhar num livro que se propõe a biografia deste ilustre diplomata, escritor, ensaísta e, sim, apreciador do jazz e da música clássica. É uma tolice afirmar que José Guilherme não fosse admirador de expoentes musicais e históricos como Beethoven ou Paganini, que eram seus preferidos. Muito menos de artistas como Louis Armstrong, Billie Holiday, Sarah Vaughan e alguns artistas ligados ao "sentimental jazz" (expressão particular, dele). Mais do que tolice, é uma irresponsabilidade. Há muitas pessoas que afirmam ter gozado – aqui, no Brasil, nos EUA, em terras francesas ou em Montevidéu, (onde fez inúmeros amigos) – mas que, em verdade, nunca estiveram em contato direto com meu tio ou com qualquer um de seus familiares. Estamos catalogando ensaios inéditos (em inglês e francês, nunca publicados em nossa língua), cartas, anotações, aforismos e predileções literárias, musicais, teatrais, ensaísticas, políticas, operísticas (apreciava ópera também). Devo apenas fazer um adendo. José Guilherme publicou, na revista Manchete, em 1979, um artigo em que desmerecia a Psicanálise e o Marxismo, chamamdo, a ambos, de fraudes do século. Em 1986, em contato com o Sr. Jacques Allan Miller, detentor dos direitos de publicação de Jacques Lacan, ele mudou um pouco de idéia. Este encontro merecerá um capítulo especial em sua biografia.
Por favor, não creiam em todos que dizem ter gozado o privilégio de conhecer José Guilherme. Não há qualquer registro deste sr. Edú na lista de pessoas próximas.
Grata pela atenção.
Sarah Rezende.
Como Edú afirmou ( em nenhum momento disse que
era íntimo de José Guilherme Merquior...)foi breve o período em que teve contato com o embaixador (suficiente para deixar forte lembrança), provavelmente por isso não teve tempo de conhecer todas as suas predileções, tendo em vista o vastíssimo leque de conhecimentos que o mesmo possuía...e a sobrinha dizer que não há registro na lista de pessoas próximas: ela nem sabe o nome completo do Edú, e além disso, não acredito que exista uma lista de TODAS as pessoas que tiveram contato com êle!
Protesto!
E gostei bastante do Frank Socolov, não é de jogar no lixo não!
Protesto de novo! E tem um monte de coisa para protestar, só que não cabe aqui neste blog de "Jazz, vinho e livros finos com letras grandes", que podem ser grossos tb., tudo coisa boa!!!
Socolow!
Prezada Sarah, fico grato por sua visita. Não apenas pela presença, mas, principalmente, pela boa notícia: José Guilherme merece sim biografia que lhe dimensione o intelecto.
Nossos cometários não têm qualquer tipo de censura, prática que José certamente aprovaria, mesmo com os inconvenientes que a democracia nos impõem certas vezes.
Pelo que conheço do amigo Edù, posso afirmar que ele não faltaria com a verdade: é pessoa de alta cultura e idônea. Talvez estejamos, é quase certo, diante de algum mal entendido.
Contudo, não poderia esconder meu contentamento em saber que José Guilherme apreciava jazz, aí incluíada a metálica dor de Billie Holiday, minha cantora preferida.
Caso possa nos manter informados sobre o andamento da biografia, agradeço. Seria interessante divulgar o nível de interesse de Merquior nesse estilo que tanto admiro, o jazz.
Grande abraço, JL.
... e o Lester colocou as coisas em seu devido lugar.
Postar um comentário