
Em 1948, Lennie recebe mais um brilhante aluno, o saxofonista Warne Marsh que, ao lado de Lee Konitz e Billy Bauer, faria parte de seu mais famoso sexteto, cuja formação era Lee Konitz (as), Warne Marsh (ts), Lennie Tristano (p), Billy Bauer (g), Arnold Fishkin ou Joe Shulman (b) e Harold Granowsky, Denzil Best ou Jeff Morton (d). Suas gravações de 1949, embora demonstrassem bem seu potencial como improvisador e líder, causaram certa polêmica na época, além de atingir reduzido sucesso comercial. Afastando-se do discurso padrão do bebop, determinado, sobretudo, por Bud Powell a partir da linguagem de Charlie Parker, Lennie preocupa-se com aspectos mais sutis, realizando experimentos que abririam as portas para o cool jazz, desenvolvido por Miles Davis no final de 1949. Faixas como Intuition e Digression, gravadas pelo sexteto em 1949, já apresentavam o conceito de livre improvisação que Lennie utilizava como exercício com seus alunos e que, dez anos depois, seria desenvolvido com grande alarde por músicos do free jazz, como Charles Mingus e Ornette Coleman, sem que a crítica prestasse as devidas homenagens a Lennie, precursor do conceito.
Espécie de confessor de todos os músicos de vanguarda que circulavam por New York, seu número de alunos cresceu tanto que, em 1951, Lennie resolve abrir uma escola de jazz, a primeira instituição importante deste tipo. Entre os professores estavam seu melhores discípulos, como Lee Konitz, Billy Bauer, Sal Mosca e Warne Marsh. É também a partir desse período que Lennie torna-se progressivamente recluso, evitando apresentações públicas e gravando cada vez menos, quase que se limitando a atuar como sideman. Ainda assim, em 1954 Lennie participa do primeiro Newport Jazz Festival, apresentando-se com seu famoso sexteto. Apesar dos diversos convites, esta seria sua primeira e última participação no Newport Jazz Festival, restando nítida sua aversão a este tipo de evento, que considerava meramente comercial. Em 1955, Lennie grava o primeiro de seus dois álbuns para a Atlantic, gravadora que lhe dá ampla liberdade na escolha dos temas. É nesse ambiente que desenvolve suas polêmicas experiências com gravações em multitrack e com a utilização do overdubbing, iniciadas em 1951 com o tema Ju-Ju. Além de faixas solo e em trio, o álbum ainda apresenta alguns temas gravados ao vivo no Confucius Restaurant, em Manhattan. Namorando diversas alunas e perdendo vários professores, que seguiam suas próprias carreiras como líderes, em 1956 Lennie divorcia-se e fecha sua escola, escondendo-se em Long Island, onde atua quase que exclusivamente como professor particular. Em 1958, Lennie começa a se apresentar no Half Note, graças aos esforços dos irmãos Mike e Sonny Canterino, proprietários do clube.
As exigências de Lennie, entre elas a aquisição de um piano Steinway de US$1,300.00, são prontamente acatadas pelos proprietários da casa, que lhe fornecem um piano Bechstein de US$2,000.00, deliciosas refeições italianas e um motorista particular. Com isso, Lennie permanece na casa por um longo período, até 1965.

Com relação ao free jazz que surge na década de 1960, em especial o trabalho de Cecil Taylor e de Ornette Coleman, Lennie o considera caótico e aleatório, no que é apoiado por músicos importantes como Art Blakey, que reconhece uma saudável direção e lógica no trabalho de livre improvisação desenvolvido por Lennie em 1949, ao contrário da música desenvolvida pelo free jazz uma década depois. Não bastasse a discordância musical, Lennie condenava a politização do jazz, sustentando que a arte estava num nível mais elevado que o racismo e as demais hostilidades sociais. Ele mesmo dizia que, se você tem problemas com alguém e sente ódio, dê-lhe um soco no nariz ou um cruzado na boca. Para ele, ódio e hostilidade não produzem bom jazz, arte que Lennie considerava autônoma. Por isso, criticou gente como LeRoi Jones e James Baldwin, líderes que, segundo Lennie, faziam apologia do free jazz apenas para a promoção de interesses pessoais: “eles pensam que a livre expressão de emoções pode produzir jazz, esquecendo que sonoridade e tempo são elementos fundamentais do jazz”. Por essas e outras, Lennie foi acusado por Cecil Taylor de ser um mero simulador do sentimento negro norte-americano, este sim o verdadeiro responsável pelo surgimento e pela evolução do jazz. E a polêmica prossegue, com certas observações engraçadas: Lennie disse que o jazz tem muito mais a ver com a música judaica e a música cigana do que com a música africana. E também que, se Charlie Parker tivesse nascido na China, ele provavelmente teria sido um grande músico, mas certamente não teria inventado o bebop. Para Lennie, um pianista cego, o jazz não possuía cor. O jazz era apenas um fenômeno musical norte-americano e, por essa razão, só poderia ter surgido mesmo nos EUA.
Em junho 1964, a CBS grava para a TV o programa Look Up and Live, uma das últimas apresentações de Lennie e seu quinteto no Half Note. Nesse mesmo ano, Lennie volta a Toronto, apresentando-se no Coq D’Or e, em 1966, no Cellar Club. Já vivendo em uma casa no Queens, Lennie instala seu estúdio no sótão e aluga o andar térreo para alguns de seus alunos, vivendo no segundo andar com a esposa e os filhos. Ali grava algumas sessões, sempre com o assustador metrônomo sobre o piano, artefato temido pela maioria dos contrabaixistas e bateristas que por ali passavam, como foi o caso do contrabaixista Jimmy Garrison, que se negou a tocar com o metrônomo em operação. Alguns duos de Lennie com o contrabaixista Sonny Dallas, gravados entre 1964 e 1965, vieram a público em 1993, com a adição de bateria para encobrir o som do metrônomo, sob os cuidados de sua filha, Carol Tristano. Em 1965, Lennie visita uma série de cidades na Europa: Berlin, Copenhagen, Stockholm, Paris, Milão e Pádua, realizando diversas gravações, com destaque para seu concerto em Copenhagen, registrado em vídeo e lançado em DVD. Ainda em 1965, grava uma série de baladas com a cantora Betty Scott, com quem voltaria a gravar em 1971 e 1974. As duas últimas apresentações de Lennie foram na Inglaterra, uma em 1968, no Harrogate Arts Festival e, a outra, em 1969, no Leeds Festival.
Cada vez mais recluso e cada vez mais interessado na livre improvisação, Lennie permance lecionando, mesmo com as limitações impostas por uma bronquite crônica e um enfisema adquiridos graças aos longos anos de tabagismo. Em 1976, para de fumar, volta a beber e transfere-se para uma casa mais ampla, ainda no Queens, onde vive até sua morte, em 18 de novembro de 1978. Para os amigos fica a faixa 317 East 32nd, gravada ao vivo no restaurante Confucius, em 1955.
22 comentários:
esse é campeão. Merecida homenagem. Valeu, Lester
Delícia de piano, estranho e meigo. Beijo.
Grande resenha.
Grande músico.
Grande Lester.
Tristano, Tri-estranho, genial.
Lennie Rules!!!!
Abração!
Belo piano, ótima resenha, como sempre...
Exagerados esses meus amigos. Grande abraço, JL.
a música pulsa diferente em cada instrumentista...portatno,há que se ter um condutor e o andamento pré-definido...o signori tristano é o bom mestre 'das antigas'...
agora, gravar com metrônomo...posso entender o desespero de muitos músicos...
tô ouvindo 'intuition'...qual é o tempo?...rsrs
amplexossonoros pacíficos
que ceguinho lindo, adorei!
Passear por aqui é sempre significado de conhecimento.
Suas seleções são primorosas
Parabéns.
Abraços
Gostei da resenha Lester, e da música tbm, valeu.
Queridos Pituco, Marília, Andrea e Danilo, obrigado pela visita. E que Tristano esteja entre nós, amém.
Grande abraço, JL.
Prezado JOHN LESTER:
Bela escolha, particularmente para mim que tenho TRISTANO como "de cabeceira".
Dados absolutamente corretos e resenha muito bem redigida.
A gravação no "Confucius" (1955) "is a real masterpiece).
Parabéns ! ! !
Prezado Apóstolo, obrigado pela visita e pela 'aprovação' do texto. Grande parte do material aqui ofertado, via resenha, não está disponível na internet, nem em guias impressos - são informações colhidas da breve e honesta biografia Lennie Tristano: His Life in Music, escrita por Eunmi Shim - The University of Michigan Press, 2007. Obra, devo confessar, cedida a mim pelo amigo Reinaldo Santos Neves, presidente do Clube das Terças.
Grande abraço, JL.
O Jazzseen,modestamente,nos três anos de existência é o maior manancial de textos originalmente escritos sobre jazz da nossa internet doméstica.Mérito de seu idealizador e editor chefe.Eu o aplaudo por isso.
Jazzseen de luto.
Joana,RIP.
Ínclito Lester, verifique sua caixa postal - há resenha nova.
Lauto abraço!
Mr. Lester,
meus sentimentos de solidariedade pela perda da amiga.
Edú,
concordo com voce ,o Jazzseen é realmente excelente , muito dinamico e vivissimo.
Aproveitando a fraternidade que nos aproxima digo a voce que não caia na armadilha de alguns que se arvoram em "melhores e maiores".
O Jazzseen é um blog querido pelos seus frequentadores,me incluo nessa, justamente pela combinação de jazz,inteligencia,cultura e humor,tudo isso de maneira despretenciosa e ,felizmente, sem "marra".
Sou seu fã.
Abraço
Recado anotado e compreendido, mano velho.
Mr. Lester,
Um abraço solidário pela perda da Joana.
Mr. Edú,
Você está zangado comigo? Pô, você não sabe a falta que faz no JAZZ + BOSSA. Tem uns questionamentos do Sonic-boy por lá (compartilhado por mim, pelo Pescador e outros amigos) que só você prá desvendar.
Abraços!!!!!
Meus sentimentos pela perda, Lester. O que será da feijoada anual sem as derrapadas e uivos da musa em contraponto aos solos de saxes?
Prezados amigos, agradeço a solidariedade pela grande perda de minha cadela Joana, companheira e cúmplice silenciosa de muitas resenhas escritas para o Jazzseen. Agora, quando as pipocas pulam da panela, já não há quem as recolha do piso com tanta precisão e boa vontade.
Grande abraço, JL.
Ai, que saudade...
Lester,
Os meus sentimentos pela perda de Joana.
Parabéns pelo post sobre Tristano, um dos meus favoritos.
Um abraço.
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